A língua ricbacta (rikbáktsa é uma língua em risco de extinção falada por menos de 1200 indígenas da tribo dos ricbactas, habitantes da Bacia do rio Juruena, no Mato Grosso[4]. O ricbacta é a única língua da família homônima (ricbacta) [2], pertencente ao tronco Macro-Jê.[1]
Etimologia
"rikbáktsa" significa "os seres humanos"; "rik" traduz-se como "pessoa, ser humano"; "bak" é uma partícula reforçadora de sentido e o sufixo "tsa" é um marcador de plural.[1]
Distribuição
Distribuição geográfica
A língua é falada em cerca de 30 aldeias distribuídas às margens dos rios Juruena, Sangue (afluente do Juruena) e Arinos, no Mato Grosso.[4]
Dialetos e línguas relacionadas
Devido à crescente dependência dos povos ricbactas em relação aos não-indígenas, a situação atual dos ricbactas é caracterizada pelo bilinguismo entre os mais velhos, falantes de ricbacta e português, e pelo monolinguísmo em jovens e crianças, falantes unicamente de português. Apesar da existência de uma tentativa dos ricbactas mais velhos de transmissão da língua e da cultura aos jovens e às crianças, o intenso convívio destes com a sociedade envolvente dificulta cada vez mais este processo, não sendo possível afirmar até quando a língua ricbacta resistirá às pressões impostas pela sociedade lusófona envolvente.[5]
O alfabeto da língua ricbacta tem dezenove letras, essas sendo a, b, d, e, h, i, j, k, m, n, o, p, r, s, t, u, w, y, z.[8]
As letras 'b' 'd' 'm' e 'n' se pronunciam como em português. A letra 'h' representa uma aspiração surda. O 'j' representa o som de 'i' na palavra 'iate'. O 'w' representa o som de 'o' em 'oeste'. O 'k' é a consoante mais usada e, conforme a posição, se manifesta em várias formas: antes duma consoante sonora ou entre duas vogais iguais, parece com o 'g' de 'garrafa' em português. Em outros lugares parece mais com 'c' ou 'qu' de português, mas pode ser seguido por aspiração como o 'k' de alemão ou inglês. As letras 'p' e 't' são parecidas com 'p' e 't' de português mas podem ser pronunciadas com aspiração como em alemão ou inglês. O 'r' do idioma se pronuncia como o 'r' que se encontra no meio de palavras de português como 'caro'. Quando 'r' ocorre no começo duma oração ou depois de 'k' há uma pequena vogal diante da 'r'. Esta não precisa de ser escrita porque é falada automaticamente. O 's' se pronuncia mais ou menos como o 'x' na palavra 'xadrez' ou como 'ch' em 'machado'. A letra 'z' esta sendo usada para representar um som parecido com 'r', mas formado mais para a frente na boca, com a ponta da língua batendo nos dentes. Como 'r', está precedida por uma vogal pequena quando ocorre no início duma oração, ou depois de 'k'.[8]
Gramática
Pronomes
Pronomes Pessoais
Esses são os pronomes pessoais da língua, como descritos abaixo:
A categoria dos possessivos em ricbacta pode ser dividida em "nomes não possuíveis" e "nomes possuíveis". Os nomes não possúíveis não recebem prefixos marcadores de posse e designam elementos da natureza, a exemplo de "pi'hik", palavra ricbacta que significa "água". Já os nomes possuíveis são prefixados por marcadores que concordam em pessoa e número com o possuidor, designando relações parentais, corporais e com objetos generalizados.[10]
Prefixos pessoais nos nomes possuíveis da língua Rikbáksta[10]
Pessoa
Possuidor
1sg
ka-
1pl
mɨ-
2sg
a-
2pl
aha-
3sg (Correlacional)
ta-
3pl (Correlacional)
taha-
3sg (Não-Correlacional)
i-
3pl (Não-Correlacional)
ʃi-
Pronomes Demonstrativos
Esses são os pronomes demonstrativos da língua, como descritos abaixo:
As maneiras gerais de formar uma pergunta são no uso de um pronome interrogativo ou da partícula sa. Os pronomes interrogativos mais comuns são amo (que), amy (qual), aty (quem), hãna (onde) e hãwa (como).[12]
Substantivos
Os substantivos do ricbacta são flexionados de acordo com as categorizações de classe, número e posse. Os substantivos funcionam como núcleo de sintagma nominal e podem funcionar como núcleo de predicado e do objeto de posposição.[13]
Gêneros/Classes
Há uma classe de substantivos em ricbacta, cujo referente é [+humano], que admite flexão de gênero. Esses substantivos recebem sufixos que especificam o gênero e o número do determinante. Tal classe substantival pode ser dividida em duas subclasses: na primeira, apenas os substantivos femininos são flexionados em gênero, no singular (-tatʃa) e no plural (-ɽa), enquanto os masculinos são flexionados apenas no singular (-ta), recebendo no plural o sufixo marcador de plural nos nomes em geral, -tʃa. Dentro de tal subclasse encontram-se o termo que designa o povo ricbacta - que significa ‘gente’ - e substantivos qualitativos com referente com o traço semântico [+humano].Os substantivos pertencentes à segunda subclasse, diferentemente dos primeiros, marcam apenas o feminino plural. Eles recebem os sufixos -ɽa e -ka; -ka é usado de maneira mais restrita que -ɽa, aparecendo apenas com os termos designadores de “netas” e com o pronome designador da segunda pessoa no feminino plural. Essa segunda subclasse abarca nomes relativos a relações de parentesco, a categorias sociais e o pronome de segunda pessoa no feminino plural.[14]
Número
O ricbacta possui duas maneiras de marcar número nos substantivos: em associação com o gênero (como supramencionado) ou pelo sufixo -tʃa, que indicador de plural. Nesse último caso, o singular é não-marcado. Contudo, há na língua uma classe formada por substantivos que não admitem flexão para plural, esses sendo alguns nomes de alimentos e os termos que designam ‘casa’ e ‘fumaça’, que ocorrem acompanhados da palavra buba'to, indicador da existência de muitos elementos da mesma classe. Os substantivos que recebem sistematicamente o marcador de plural -tʃa também podem ocorrer com buba'to.[15]
Relações de posse
A categoria dos possessivos em ricbacta pode ser dividida em "nomes não possuíveis" e "nomes possuíveis". Os nomes não possúíveis não recebem prefixos marcadores de posse e designam elementos da natureza, a exemplo de "pi'hik", palavra ricbacta que significa "água". Já os nomes possuíveis são prefixados por marcadores que concordam em pessoa e número com o possuidor, designando relações parentais, corporais e com objetos generalizados.[10]
Verbos
Tempo
O ricbacta possui um sistema temporal bipartido, com distinções entre passado e não-passado. O passado é referente à situação anterior ao momento da fala, enquanto que o não-passado refere-se à situação simultânea ao momento da fala (presente) e à posterior ao momento da fala (futuro). O tempo verbal em ricbacta é delimitado por prefixos que especificam a localização do evento no tempo e a transitividade do verbo e, no não-passado, se distinguem de acordo com o número e a pessoa do objeto.[16]
Prefixos de tempo/transitividade da língua rikbáksta[17]
Tempo
Transitivos
Intransitivos
obj. sg. ou 2ª pl
obj 1ª ou 3ª pl
Não-passado
pi- ~ p-
mɨ
mɨ
Passado
Ø-
Ø-
Ø-
Aspecto
A determinação do aspecto em ricbacta é delimitada por sufixos verbais, que codificam os aspectos perfectivo e imperfectivo. O aspecto perfectivo indica uma situação na sua totalidade, sem focalizar sua estrutura temporal interna, e divide-se em dois subaspectos. O aspecto completivo é codificado pelo sufixo -ba e expressa um evento acabado, completo; enquanto o aspecto pontual pode ser indicado pelo sufixo -ik (quando em associação com o sufixo -ba do aspecto completivo) ou pelo sufixo -hik (nas demais situações) e expressa um evento momentâneo, que não dura no tempo. O aspecto imperfectivo caracteriza-se por focalizar a estrutura temporal interna de uma dada situação e divide-se em três subaspectos. O aspecto continuativo é indicado pelo sufixo -kV(C) (com "V" representando uma vogal em harmonia com a imediatamente precedente) e expressa um evento em progresso, contínuo; o aspecto prospectivo é expresso pelo sufixo -Ø e indica um evento a ser realizado; finalmente, o aspecto iterativo forma-se com o sufixo -ɽo e indica uma única repetição do processo.[18]
Modo
A determinação do modo em ricbacta é delimitada por sufixos verbais, que codificam os modos imperativo e hortativo. O modo imperativo expressa uma ordem que parte do falante para o interlocutor. São marcados para o imperativo os verbos e uma classe de palavras invariáveis denominadas ideofones. Esse modo apresenta uma total ausência de afixos em verbos e ideofones e acréscimo opcional do sufixo -tə em ambos. O modo hortativo é específico da primeira pessoa e forma-se com os sufixos -kta para o masculino e -kɨ para o feminino.[19]
Sentença
A ordem da sentença baseia-se na sequência sujeito, objeto, verbo; um exemplo seria a oração “Maku pazahare ni piboroko”, que pode ser traduzida palavra por palavra como “homem porco carne está comendo”.[20]
Athila, A.; Nábita, E.; Tsaputai, J.; Silva, L. de J. (2010). Diagnóstico sociolinguístico do povo Rikbaktsa. Levantamento realizado no quadro do projeto de documentação da língua Rikbaktsa – Museu do Índio/UNESCO. Rio de Janeiro: PRODOCLIN
Boswood, J. (1973). «Evidências para a inclusão do Aripaktsá no filo Macro-Jê». In: Bridgeman, L. I. Série Lingüística. 1. Brasília: Summer Institute of Linguistics. pp. 67–78
Boswood, J. (1974a). «Algumas funções de participante nas orações Rikbaktsa». In: Bridgeman, L. I. Série Lingüística. 3. Brasília: Summer Institute of Linguistics. pp. 7–33
Boswood, J. (1974b). «Citações no discurso narrativo da língua Rikbaktsa». In: Bridgeman, L. I. Série Lingüística. 3. Brasília: Summer Institute of Linguistics. pp. 99–129
Boswood, J. (2007) [1978]. Quer falar a língua dos canoeiros? Rikbaktsa em 26 lições. Brasília: Summer Institute of Linguistics. 108 páginas
Lunkes, O. P. (1967). Estudo fonológico da língua Rikbáktsa (Dissertação de Mestrado em Linguística). Universidade de Brasília