Política ambiental do governo Lula (2023–presente)
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A política ambiental do governo Lula (2023–presente) é um tema de muitas expectativas, dado as controvérsias e críticas que marcaram a política ambiental durante o governo de Jair Bolsonaro, como também as promessas feitas pelo novo governo de reverter muitas das políticas anteriormente adotadas.[1][2]
Ao mesmo tempo, houve uma guinada no discurso e nas políticas do governo brasileiro em relação ao meio ambiente. Segundo a BBC, o Brasil deixou de ser considerado "uma das lideranças no combate ao aquecimento global para, aos poucos, ser visto como nação que ameaça os esforços globais de preservação do ecossistema.[4]
O presidente chegou a cogitar a possibilidade de extinguir o Ministério do Meio Ambiente, ideia que ganhou força em novembro durante o governo de transição, mas recuou na decisão. No entanto, houve um enfraquecimento da pasta ambiental, que perdeu a Agência Nacional de Águas, com a transferência para o Ministério do Desenvolvimento Regional, e o Serviço Florestal Brasileiro, que foi transferido para o Ministério da Agricultura.[5] Esta e outras ações do governo, como as extinções de secretarias e exonerações de especialistas, demonstraram um desmonte da política ambiental.[6]
A gestão Bolsonaro cancelou um encontro regional da ONU sobre as mudanças climáticas que aconteceria em Salvador, além de não enviar representantes ao Peru para uma conferência sobre gestão florestal e agricultura organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O evento Semana Climática América Latina e Caribe estava marcado para os dias 19 e 23 de agosto na capital baiana e seria realizado sob o marco da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Trata-se de um dos encontros preparatórios para a COP-25, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que também seria realizada no Brasil por iniciativa do governo Michel Temer, mas que Bolsonaro se recusou a sediar ainda como presidente eleito. O encontro internacional acabou transferido para o Chile e será em dezembro deste ano.[7]
Durante o mesmo evento, foi anunciada uma aliança trilateral entre o Brasil, a Indonésia e a República Democrática do Congo, países que possuem a maior extensão de florestas tropicais, a fim de fortalecer a conservação desses territórios. A cooperação pretende trabalhar na negociação de um novo mecanismo de financiamento para a sustentabilidade, que revigore a transferência de fundos para países em desenvolvimento com o objetivo de preservar os ambientes naturais.[10] A aliança foi apelidada por alguns de "OPEP das florestas".[9]
Desenvolvimentos iniciais
Nos primeiros dias de governo uma série de decretos pautou as mudanças na política ambiental do país, determinando reconfigurações das competências das instituições ambientais governamentais, a recomposição dos quadros dessas entidades, como também a criação e reestruturação mais profunda de algumas, como, por exemplo, o restabelecimento do Fundo Amazônia e a revitalização do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Outras medidas revogam decisões do governo anterior, como a flexibilização das leis contra o garimpo.[11]
Foi também determinada a restauração do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, com a criação de planos regionais de atuação e a criação de uma comissão interministerial na área.[11]
Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima
A biólogaIzabella Teixeira foi inicialmente cotada para assumir novamente o Ministério do Meio Ambiente, após cumprir o papel de ministra, entre 2010 e 2016. Havia anunciado que o governo eleito pretendia revogar uma série de medidas adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro, que são consideradas como retrocessos e causas das dificuldades da gestão ambiental atual. Além disso, ela afirmou a intenção de reinvestir na infraestrutura e nos quadros dos órgãos de fiscalização, a fim de intensificar o combate aos crimes ambientais.[1]
Não obstante, prevaleceu a preferência pela também ex-ministra Marina Silva, que foi confirmada para o cargo, ainda em dezembro de 2022. A escolha teve uma repercussão nacional e internacional bastante positiva.[12]
Algumas decisões importantes de reconfiguração da estrutura do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima foram estabelecidas no decreto assinado imediatamente após a posse de Lula da Silva. Entre elas, foi determinado o retorno da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, responsável pela política de recursos hídricos do país, para a pasta do Ministério, após ter sido transferida em 2019 para o Ministério do Desenvolvimento Regional, por uma medida provisória assinada pelo então presidente e pelo ministro da casa civil. A transferência havia sido criticada na época em razão do percebido esvaziamento da pasta ambiental, enquanto que a política hídrica ficava subordinada a uma entidade de política predominantemente econômica.[13]
Durante a tramitação da Medida Provisória que reorganiza a estrutura e as competências entre os ministérios do novo governo, houve um impasse com as mudanças promovidas na proposta pelo relator da mesma, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB), particularmente a remoção de funções e estruturas da alçada do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Ministério dos Povos Indígenas, que mostraram grande resistência à proposta; uma alteração descrita como esvaziamento e enfraquecimento dos dois ministérios por alguns comentaristas. A MP 1.154 foi posteriormente aprovada, no dia 24 de maio, em um sessão da comissão mista, por 15 votos a 3.[14] Em protesto, 790 entidades - universidades, movimentos sociais, ONG's e afins - assinaram um manifesto demandando a correção de aspectos da medida provisória que implicam um percebido enfraquecimento da política ambiental, caracterizando as mudanças como um "esquartejamento".[15]
Novas secretarias
A ministra Marina Silva também declarou, em discurso, que o Ministério contará com cinco secretarias, incluindo uma que será criada do zero, denominada "Secretaria Extraordinária de Combate ao Desmatamento e do Ordenamento Florestal". Ficou determinado, por outro lado, que o desenvolvimento de algumas competências será adiado para março, em razão de uma determinação do governo que limita a criação de cargos num primeiro momento. As secretarias já existiam, apesar de que uma havia sido extinta no Governo Bolsonaro. Ainda assim, foram modificadas suas estruturas e competências. O temas anunciados para as secretarias são: combate ao desmatamento; bioeconomia e recursos genéticos; biodiversidade e defesa dos direitos animais; desenvolvimento sustentável; e populações tradicionais.[16]
Exoneração de quadros bolsonaristas
Entre as primeiras decisões no governo Lula na área ambiental figurou também a exoneração abrangente de quadros do Ministério e órgãos ambientais colocados pelo governo anterior. Quase todos os superintendentes estaduais do Ibama foram exonerados, como também inúmeros quadros de primeiro escalão do ministério e outros órgãos. Diversas funções de entidades ambientais do Estado eram ocupadas por militares e policiais, como também empresários e pecuaristas aliados da política bolsonarista. A atuação desses nomeados acumulou variadas controvérsias durante a gestão, contabilizando ao todo 64 casos de assédio moral e perseguição denunciados pela Associação Nacional dos Servidores Ambientais numa ação coletiva.[17]
O projeto de lei orçamentária encaminhado ao Congresso Nacional prevê uma expansão de 18,6 por cento do orçamento do Ministério em relação à proposta original, diferença significa uma quantia de 550 milhões de reais, somando um total de 3,5 bilhões para o Ministério e autarquias, se aprovado. Historicamente, o orçamento retoma o valor dedicado no período anterior ao Governo Bolsonaro.[18]
Transversalidade da agenda ambiental na estruturação do governo
Em setembro de 2022, durante a campanha eleitoral, Lula afirmou que “a política ambiental será tratada de forma transversal. Ou seja, todos os ministros terão obrigação com a questão climática”[19]. Nesse sentido, na estruturação do novo governo, diversos ministérios, além do MMA, passaram a contar com estruturas internas voltadas à agenda ambiental e à pauta climática, como secretarias, subsecretarias, departamentos e diretorias[20]. No dia 5 de junho de 2023, durante um evento promovido pelo governo em celebração ao Dia Mundial do Ambiente, a ministra Marina Silva elogiou as mudanças, declarando que “a gente pode constatar que 19 ministérios já criaram estruturas internas para lidar com questões do clima, da bioeconomia e do enfrentamento ao desmatamento”.[21]
Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente
No dia 24 de janeiro de 2023, foi criada a Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, unidade ligada diretamente ao gabinete do Advogado-Geral da União, tendo como atribuições promover a articulação institucional para assegurar a segurança jurídica das políticas públicas de desenvolvimento sustentável; assessorar o Advogado-Geral da União e os demais dirigentes da AGU em assuntos climáticos e ambientais; acompanhar demandas judiciais, extrajudiciais e consultivas relacionadas a meio ambiente e clima; e propor a uniformização de entendimentos jurídicos para prevenir e solucionar controvérsias relacionadas ao tema.[25]
Segundo a primeira chefe da unidade, a Procuradora Federal Mariana Barbosa Cirne, a ideia da nova procuradoria seria realizar a articulação dos órgãos "executores da política pública", como Ibama, ICMBio, FUNAI e ANA, com as pastas ministeriais "que vão desenhar essa política." Como um exemplo de atuação da nova Procuradoria, Cirne mencionou a revisão de mais de 200 marcos normativos que contribuíram para a deterioração da pauta ambiental no governo anterior. Segundo a titular, "a proposta da procuradoria é conseguir fazer com que essa articulação culmine com a mudança desses marcos normativos para dar uma maior segurança para proteção do meio ambiente".[26]
Embaixador Extraordinário para a Mudança do Clima
Em 2023, o Ministério das Relações Exteriores recriou o cargo de Embaixador Extraordinário para a Mudança do Clima, a fim de complementar a representação de alto nível do Brasil em eventos internacionais, bem como contribuir para a divulgação do engajamento brasileiro no combate à mudança do clima.[23] O cargo havia sido ocupado entre 2007 e 2010 pelo diplomata Sergio Barbosa Serra, que na época atuou em prol do mecanismo REDD+, de redução de emissões por desmatamento e degradação florestas, e defendeu que o Brasil mantivesse sua matriz energética limpa mesmo com a exploração de petróleo da camada pré-sal, que ganhava expressão na ocasião[27].
A exploração de petróleo na foz do Amazonas é uma de proposta de exploração econômica desse recurso energéticofóssil na região da foz do rio Amazonas, localizada nos litorais dos estados brasileiros do Amapá e do Pará. A Petrobras solicitou autorização para explorar a reserva petrolífera nessa região por várias vezes desde 2014. Um debate de amplitude nacional e internacional em torno do tema se instalou em maio de 2023 durante o governo Lula a partir da decisão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) de negar, novamente, a solicitação da Petrobras.[28] A negativa de 2023 foi baseada num parecer técnico interno que sublinhou a necessidade de mais informações e providências acerca do plano de extração do petróleo. O presidente do instituto, Rodrigo Agostinho, afirmou existir inconsistências negligenciadas no projeto da Petrobras, que complicam sua viabilidade dado a alta vulnerabilidade socioambiental da região, como a ausência da avaliação ambiental da área sedimentar (AAAS) na solicitação.[29] A Petrobras, em contrapartida, afirmou que investiu todos os recursos necessários da avaliação prévia da operação, atendendo aos critérios demandados, adicionando que a permissão de perfuração solicitada é uma prospecção das reservas existentes, apresentando, segundo a declaração, um risco reduzido de impacto ambiental.[30]
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, encorajou a Petrobras à insistir na solicitação de perfuração, buscando cumprir com as demandas do licenciamento.[30] O senador Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso Nacional, protestou contra a negativa do Ibama, desfiliando-se em menos de 24 horas de seu partido, Rede Sustentabilidade, afirmando acreditar na relevância do projeto para o estado do Amapá, e disse que buscaria articular com outras instâncias do governo a continuidade da prospecção. Organizações indígenas e socioambientais, entre outras, deram apoio à decisão do Ibama;[30] enquanto institutos de pesquisa, como o Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, corroboraram com a pertinência técnica da negativa.[29]
Entre as dimensões do risco ambiental da exploração na foz do rio, a ausência de infraestrutura de contenção de derramamentos, que produziriam uma maré negra no Oceano Atlântico, figura como uma das principais causas de preocupação no âmbito nacional e nas regiões vizinhas.[29] Entres essas está a Guiana Francesa, cujo litoral poderia ser afetado, em caso de acidente, em menos de 48 horas, gerando graves impactos às gigantescas reservas marinhas e costeiras do departamento francês, algumas das quais são também territórios indígenas. A região costeira da Amazônia brasileira representa o maior deságue de águas continentais no mar do mundo, entrelaçando-se com correntes marinhas de enorme amplitude.[28]
A decisão do Ibama foi objeto de críticas de parlamentares de oposição e da base do governo no Congresso Nacional[31]. Em meio ao impasse sobre a proposta de exploração, no dia 24 de maio a Comissão Mista do Congresso que analisava a medida provisória da reorganização dos ministérios (MP 1154/23) aprovou, por 15 votos a 3, o relatório de autoria do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB) que transferia para outros ministérios algumas competências do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Ministério dos Povos Indígenas, que haviam mostrado maior resistência à proposta, uma alteração descrita como esvaziamento e enfraquecimento dos dois ministérios por alguns comentaristas.[32][33] Em protesto, 790 entidades (universidades, movimentos sociais, ONG e afins) assinaram um manifesto demandando a correção de aspectos da medida provisória que implicam um percebido enfraquecimento da política ambiental, caracterizando as mudanças como um "esquartejamento".[34] Diante do risco de a medida provisória perder a validade e voltar a vigorar a estrutura do governo de Jair Bolsonaro, o governo cedeu e chancelou o relatório da comissão.[35][36] As mudanças foram criticadas pela ministra Marina Silva, a qual, no entanto, as classificou como uma "decisão externa ao Executivo" e afirmou que em uma democracia as decisões do parlamento devem ser respeitadas[31][37]. No mesmo sentido, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, criticou as alterações e as atribuiu a uma "articulação forte dos parlamentares", mas afirmou que tinha confiança de que o Ministério da Justiça, ao qual retornou a competência do ato declaratório de demarcações indígenas, não paralisaria os processos em andamento.[35]
Temas
Fundo Amazônia
O ministro do Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, havia anunciado, no fim de 2022, que seu país retomará a transferência de recursos financeiros para o Fundo Amazônia logo após a posse de Lula da Silva, em 2023, sendo historicamente o maior doador, chegando à repassar 1,2 bilhões de dólares, entre 2008 e 2018.[38] O fundo contém três bilhões de reais congelados, após a suspensão dos repasses pela Noruega e pela Alemanha, em 2019, em razão da inação do então presidente Jair Bolsonaro diante da alta do desmatamento e dos incêndios florestais. A Alemanha também sinalizou a possibilidade de retomar o financiamento.[39]
Entre a série de medidas assinadas por Lula da Silva, imediatamente após a posse, estava incluso um decreto que restabelece as instâncias de controle do Fundo Amazônia, que havia sido extinto pelo ex-ministro Ricardo de Aquino Salles, parte da razão da suspensão dos repasses pelos países doadores.[11]
O governador do Pará, Helder Barbalho, havia dito que o Fundo deve receber mais 5,5 bilhões de reais no biênio 2023–2024, somando-se aos três bilhões congelados. O cálculo parte dos encontros que o governador teve na COP27 com representantes dos países doadores.[40]
Belém, no Pará, foi formalmente candidatada pelo governo brasileiro para a eleição da cidade sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) que será realizada, em 2025, cujo resultado vai ser anunciado no fim da COP28, em 2023. A proposta já havia sido declarada por Lula da Silva em sua participação, na COP27.[41] Posteriormente, em 18 de maio de 2023, a ONU anunciou a decisão de realizar a 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas na cidade.[42]