Ao mesmo tempo, houve uma guinada no discurso e nas políticas do governo brasileiro em relação ao meio ambiente. Segundo a BBC, o Brasil deixou de ser considerado "uma das lideranças no combate ao aquecimento global para, aos poucos, ser visto como nação que ameaça os esforços globais de preservação do ecossistema.[2]
O presidente chegou a cogitar a possibilidade de extinguir o Ministério do Meio Ambiente, ideia que ganhou força em novembro durante o governo de transição, mas recuou na decisão. No entanto, houve um enfraquecimento da pasta ambiental, que perdeu a Agência Nacional de Águas, com a transferência para o Ministério do Desenvolvimento Regional, e o Serviço Florestal Brasileiro, que foi transferido para o Ministério da Agricultura.[3] Esta e outras ações do governo, como as extinções de secretarias e exonerações de especialistas, demonstraram um desmonte da política ambiental.[4]
A gestão Bolsonaro cancelou um encontro regional da ONU sobre as mudanças climáticas que aconteceria em Salvador, além de não enviar representantes ao Peru para uma conferência sobre gestão florestal e agricultura organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O evento Semana Climática América Latina e Caribe estava marcado para os dias 19 e 23 de agosto na capital baiana e seria realizado sob o marco da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Trata-se de um dos encontros preparatórios para a COP-25, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que também seria realizada no Brasil por iniciativa do governo Michel Temer, mas que Bolsonaro se recusou a sediar ainda como presidente eleito. O encontro internacional acabou transferido para o Chile e será em dezembro deste ano.[5]
Dados sobre o desmatamento na Amazônia e crise no Inpe
No dia 3 de julho de 2019, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou dados que mostraram que o índice de desmatamento na Floresta Amazônica aumentou 88% em relação ao mesmo mês em 2018, ou seja, o desmatamento na Amazônia atingiu 920 quilômetros quadrados de floresta em junho. Este foi o pior registro de desmatamento na floresta desde 2016.[7]
No dia 19 de julho, Bolsonaro questionou os dados sobre o desmatamento e disse suspeitar que o diretor do órgão responsável pela coleta de tais informações estaria "a serviço de alguma ONG", ele ainda disse em reunião com correspondentes internacionais em Brasília que "se for somado o desmatamento que falam dos últimos 10 anos, a Amazônia já se extinguiu". No dia seguinte, o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, refutou as afirmações sobre os dados do instituto e disse: "o presidente já disse que os dados do Inpe não estavam corretos segundo a avaliação dele, como se ele tivesse qualidade ou qualificação de fazer análise de dados ambientais!", sobre a declaração de que estaria possivelmente a serviço de alguma ONG ele respondeu-o e afirmou que tem 48 anos de serviço público e que nunca teve nenhum relacionamento com nenhuma ONG e nunca recebeu nada mais do que além do seu salário como servidor público brasileiro.[8]
No dia 22 de julho, Bolsonaro criticou novamente o instituto e seu então diretor, Ricardo Galvão, ele disse que não pode ser "pego de calças curtas" pelos dados divulgados, e seguiu dizendo, dessa vez em relação ao diretor do órgão: "você pode divulgar os dados, mas tem que passar pelas autoridades. Até para não ser surpreendido, por mim, para não ser surpreendido".[9] Ele também falou sobre o impacto desses dados no mundo e disse que a divulgação direta deles (sem passar por outras autoridades antes) "dificulta" negociações comerciais conduzidas pelo governo brasileiro com outros países, ao falar sobre isso citou o tratado de livre-comércio entre Mercosul e UE.[10] Mais tarde, o Porta-voz da Presidência disse que o Planalto não tem intenção de esconder os dados do Inpe.[11]
No dia 21 de julho, o Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) publicou um manifesto em apoio ao Inpe que dizia que "Em ciência, os dados podem ser questionados, porém sempre com argumentos científicos sólidos, e não por motivações de caráter ideológico, político ou de qualquer outra natureza", o manifesto ainda chamava as críticas do presidente de "sem fundamento" e "ofensivas e inaceitáveis ao conhecimento científico".[14]
Após a exoneração de Ricardo Galvão, o Presidente da Academia Brasileira de Letras e Secretário-Geral da Academia Mundial de Ciências, Luiz Davidovich, afirmou que Ricardo Galvão é "um cientista reconhecido internacionalmente por sua competência, sua seriedade e sua idoneidade", ele também disse que como Diretor do Inpe ele demonstrou uma "competência administrativa muito grande". Sobre a controversa com Bolsonaro, Davidovich afirmou que "é obrigação dos institutos de ciência e tecnologia transmitirem à sociedade a ciência que produzem", continuou, falando que “informar os dados que têm de modo transparente aumenta a confiabilidade de seus dados” e terminou dizendo que “ter liberdade de expressão e de comunicação é importante para a ciência”.[15]
Interrupção do Fundo Amazônia
Em agosto de 2019, Noruega e Alemanha decidiram suspender os investimentos para o Fundo Amazônia, que financiava mais de uma centena de projetos de proteção da Amazônia, devido ao aumento do desmatamento e à extinção dos órgãos que faziam a gestão dos recursos.[16]
Os rumos da política ambiental do governo Bolsonaro, que associa ameaças aos esforços globais de preservação do meio ambiente[17] à necropolítica[18], acirrou as violações dos direitos humanos no espectro do racismo e da injustiça ambiental no Brasil.[19] Dentro do que se entende como necropolítica, uma das características do bolsonarismo, destacam-se as ações contra os povos indígenas e quilombolas, de incentivo aos desmatamentos e de liberação de agrotóxicos.[20][18] O racismo ambiental é uma forma específica de injustiça ambiental, em que a causa subjacente é a discriminação étnico-racial.[21]
↑Teixeira, Sandra Regina Alves; Ribeiro, Benedito Emílio da Silva (2020). «Para "ir passando a boiada e mudando todo o regramento"». Congresso de Direitos Humanos do Centro Universitário da Serra Gaúcha (3): 78–80. Consultado em 6 de maio de 2021