Chama-se genericamente modernismo (ou movimento modernista) ao conjunto de movimentos culturais, escolas e estilos que permearam as artes e o design da primeira metade do século XX.[1][2][3] Apesar de ser possível encontrar pontos de convergência entre os vários movimentos, eles em geral se diferenciam e até mesmo se antagonizam.
O movimento modernista baseou-se na ideia de que as formas "tradicionais" das artes plásticas, literatura, design, organização social e da vida cotidiana tornaram-se ultrapassadas, e que se fazia fundamental deixá-las de lado e criar no lugar uma nova cultura. A busca pela novidade nas formas e a insubordinação contra as autoridades instituídas podem ser consideradas características comuns aos diversos artistas.[4] Esta constatação apoiou a ideia de reexaminar cada aspecto da existência, do comércio à filosofia, com o objetivo de achar o que seriam as "marcas antigas" e substituí-las por novas formas, e possivelmente melhores, de se chegar ao "progresso". Em essência, o movimento moderno argumentava que as novas realidades do século XX eram permanentes e eminentes, e que as pessoas deveriam se adaptar a suas visões de mundo a fim de aceitar que o que era novo era também bom e belo.
A palavra moderno também é utilizada em contraponto ao que é ultrapassado. Neste sentido, ela é sinónimo de contemporâneo, embora, do ponto de vista histórico-cultural, moderno e contemporâneo abranjam contextos bastante diversos.
História do modernismo
Origem do modernismo
"Modernismo" foi um termo utilizado a partir de meados do século XIX para se referir a inovações de variados tipos, sendo difícil encontrar uma definição e uma origem coesa ao movimento artístico, de modo que é comum a preferência de muitos pesquisadores pelo plural modernismos.[4] O historiador Peter Burke admitiu ser "mais fácil exemplificar do que definir modernismo".[4]
A primeira metade do século XIX na Europa foi marcada por uma série de guerras e revoluções turbulentas, as quais gradualmente traduziram-se em um conjunto de doutrinas, atualmente identificadas como movimento romântico, focado na experiência individual subjetiva, na supremacia da Natureza como um tema padrão na arte, meios de expressão revolucionários ou radicais e na liberdade do indivíduo. Em meados do século, entretanto, uma síntese destas ideias e formas de governo estáveis surgiram. Chamada de vários nomes, esta síntese baseava-se na ideia de que o que era "real" dominou o que era subjetivo. Exemplificada pela realpolitik de Otto von Bismarck, ideias filosóficas como o positivismo e normas culturais agora descritas pela palavra vitoriano.
Fundamental para esta síntese, no entanto, foi a importância de instituições, noções comuns e quadros de referência. Estes inspiraram-se em normas religiosas encontradas no cristianismo, normas científicas da mecânica clássica e doutrinas que pregavam a percepção da realidade básica externa através de um ponto de vista objetivo. Críticos e historiadores rotulam este conjunto de doutrinas como realismo, apesar deste termo não ser universal. Na filosofia, os movimentos positivista e racionalista estabeleceram uma valorização da razão e do sistema.
Contra estas correntes estavam uma série de ideias. Algumas delas eram continuações diretas das escolas de pensamento românticas. Notáveis eram os movimentos bucólicos e revivalistas nas artes plásticas e na poesia (por exemplo, a Irmandade Pré-Rafaelita e a filosofia de John Ruskin). O racionalismo também manifestou respostas do antirracionalismo na filosofia. Em particular, a visão dialética de Hegel da civilização e da história gerou respostas de Friedrich Nietzsche e Søren Kierkegaard, principal precursor do existencialismo. Adicionalmente, Sigmund Freud ofereceu uma visão dos estados subjetivos que envolviam uma mente subconsciente repleta de impulsos primários e restrições contrabalançantes, e Carl Jung combinaria a doutrina de Freud com uma crença na essência natural para estipular um inconsciente coletivo que era repleto de tipologias básicas que a mente consciente enfrentou ou assumiu. Todas estas reações individuais juntas, porém, ofereceram um desafio a quaisquer ideias confortáveis de certeza derivada da civilização, da história ou da razão pura.
Duas escolas originadas na França gerariam um impacto particular. A primeira seria o impressionismo, a partir de 1872, uma escola de pintura que inicialmente preocupou-se com o trabalho feito ao ar livre, ao invés dos estúdios. Argumentava-se que o ser humano não via objetos, mas a própria luz refletida pelos objetos. O movimento reuniu simpatizantes e, apesar de divisões internas entre seus principais membros, tornou-se cada vez mais influente. Foi originalmente rejeitado pelas mais importantes exposições comerciais do período - o governo patrocinava o Salon de Paris (Napoleão III viria a criar o Salon des Refusés, que expôs todas as pinturas rejeitadas pelo Salon de Paris). Enquanto muitas obras seguiam estilos padrão, mas por artistas inferiores, o trabalho de Claude Monet atraiu tremenda atenção e abriu as portas do mercado da arte para o movimento.
A segunda escola seria o simbolismo, marcado pela crença de que a linguagem é um meio de expressão simbólico em sua natureza, e que a poesia e a prosa deveriam seguir conexões que as curvas sonoras e a textura das palavras pudessem criar. Tendo suas raízes em As Flores do Mal, de Baudelaire, publicado em 1857, poetas Arthur Rimbaud, Conde de Lautréamont e Stéphane Mallarmé seriam de particular importância para o que aconteceria dali a frente.
Ao mesmo tempo, forças sociais, políticas e econômicas estavam trabalhando de forma a eventualmente serem usadas como base para uma forma radicalmente diferente de arte e pensamento.
Encabeçando este processo estava a industrialização, que produziu obras como a Torre Eiffel, que superou todas as limitações anteriores que determinavam o quão alto um edifício poderia ser e ao mesmo tempo possibilitava um ambiente para a vida urbana notadamente diferente dos anteriores. As misérias da urbanização industrial e as possibilidades criadas pelo exame científico das disciplinas seriam cruciais na série de mudanças que abalariam a civilização europeia, que, naquele momento, considerava-se tendo uma linha de desenvolvimento contínua e evolutiva desde a Renascença.
A marca das mudanças que ocorriam pode ser encontrada na forma como tantas ciências e artes são descritas em suas formas anteriores ao século XX pelo rótulo "clássico", incluindo a física clássica, a economia clássica e o ballet clássico.
Características e traços comuns
Apesar da dificuldade de precisar uma definição para o movimento, alguns pesquisadores procuraram encontrar as características que seriam marcantes e generalizáveis às diversas expressões artísticas que costumamos denominar de modernistas.
Peter Burke acredita que eram dois os aspectos que unificavam os modernistas dos mais variados campos artísticos: o que o autor denominou de "fascínio pela heresia", ou seja, as rupturas formais que provocaram inovações e foram tomadas por revolucionárias; e o empenho contínuo com o exame e a exploração do eu.[4]
Para Malcolm Bradbury e James McFarlane a expansão do fenômeno modernista se deu em inúmeras nações. A "amplitude geográfica", assim, seria uma das características do movimento, que não se restringiu a uma única região do globo.[5] Entretanto, Bradbury ressalta que este foi um fenômeno tipicamente urbano, sobretudo envolvendo cidades conhecidas por sua história de trocas culturais e linguísticas, mencionando centros como Berlim, Viena, Praga, Moscou, São Petersburgo, Paris, Zurique, Londres, Nova York e Chicago. As experiências de intercâmbio humano, cultural e a variada rede de instituições ligadas à cultura (como museus, editoras, bibliotecas, livrarias, teatros e revistas), além da disponibilidade do patronato cultural, seriam algumas das razões destacadas para essa relação. [5]
O advento do modernismo (1890-1910)
Em princípio, o movimento pode ser descrito genericamente como uma rejeição da tradição e uma tendência a encarar problemas sob uma nova perspectiva baseada em ideias e técnicas atuais. Daí Gustav Mahler considerar a si próprio um compositor "moderno" e Gustave Flaubert ter proferido sua famosa frase "É essencial ser absolutamente moderno nos seus gostos". A aversão à tradição pelos impressionistas faz destes um dos primeiros movimentos artísticos a serem vistos, em retrospectiva, como "moderno". Na literatura, o movimento simbolista teria uma grande influência no desenvolvimento do modernismo, devido ao seu foco na sensação. Filosoficamente, a quebra com a tradição por Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud provê um embasamento chave do movimento que estaria por vir: começar de novo princípios primários, abandonando as definições e sistemas prévios. Esta tendência do movimento em geral conviveu com as normas de representação do fim do século XIX; frequentemente seus praticantes consideravam-se mais reformadores do que revolucionários.
Começando na década de 1890 e com força bastante grande daí em diante, uma linha de pensamento passou a defender que era necessário deixar completamente de lado as normas prévias, e em vez de meramente revisitar o conhecimento passado à luz das técnicas atuais, seria preciso implantar mudanças mais drásticas. Cada vez mais presente integração entre a combustão interna e a industrialização; e o advento das ciências sociais na política pública. Nos primeiros quinze anos do século XX, uma série de escritores, pensadores e artistas fizeram a ruptura com os meios tradicionais de se organizar a literatura, a pintura, a música - novamente, em paralelo às mudanças nos métodos organizacionais de outros campos. O argumento era o de que se a natureza da realidade mesma estava em questão, e as suas restrições, as atividades humanas até então comuns estavam mudando, então a arte também deveria mudar.
Bastante influentes nesta onda de modernidade estavam as teorias de Freud, o qual argumentava que a mente tinha uma estrutura básica e fundamental, e que a experiência subjetiva era baseada na relação entre as partes da mente. Toda a realidade subjetiva era baseada, de acordo com as ideias freudianas, na representação de instintos e reações básicas, através dos quais o mundo exterior era percebido. Isto representou uma ruptura com o passado, quando se acreditava que a realidade externa e absoluta poderia impressionar ela própria o indivíduo, como dizia por exemplo, a doutrina da tabula rasa de John Locke.
Entretanto, o movimento moderno não era meramente definido pela sua vanguarda mas também pela linha reformista aplicada às normas artísticas prévias. Esta procura pela simplificação do discurso é encontrada no trabalho de Joseph Conrad. Nota-se em Mário de Andrade, com suas restrições à Poesia Pau-Brasil que não o tornam absolutamente um vanguardista. As consequências das comunicações modernas, dos novos meios de transporte e do desenvolvimento científico mais rápido começaram a se mostrar na arquitetura mais barata de se construir e menos ornamentada, e na redação literária, mais curta, clara e fácil de ler. O advento do cinema e das "figuras em movimento" na primeira década do século XX possibilitaram ao movimento moderno uma estética que era única, e novamente, criaram uma conexão direta com a necessidade percebida de se estender à tradição "progressiva" do fim do século XX, mesmo que isto entrasse em conflito com as normas estabelecidas.
O movimento ficou conhecido em Portugal a partir de duas exposições: a primeira, em 1915, ocorreu no Porto, tendo sido chamada de Humoristas e Modernistas; as segundas, em 1916, em Lisboa e no Porto, de Amadeu de Souza-Cardoso. O país, que entrara no século agarrado a uma pintura naturalista e romântica em que artistas como José Malhoa eram a referência, reagiu violentamente ao movimento. A nova estética internacional, desconhecida no país, estava a ser mostrada por artístas que tinham estado em Paris. Dominguez Alvarez é considerado um dos mais fascinantes artistas do "segundo modernismo português"[6] e apesar de ter exposto uma única vez individualmente em vida, em 1936 no Porto, após da sua morte com 36 anos (1942), teve o tardio reconhecimento.
A tentativa de reproduzir o movimento das imagens com palavras surgiu primeiramente com o futurismo de Filippo Tommaso Marinetti, na Itália, que publicou o primeiro manifesto no ano de 1909. Baseados nas experiências de Serguei Eisenstein no cinema, os cubo-futuristas russos, como Vladimir Maiakovski conseguiram subsequentemente concretizar esta intenção dos primeiros futuristas.
Após o futurismo, surgem várias vanguardas na literatura e na poesia, como o expressionismo e o cubismo, importados das artes plásticas, o dadaísmo e o surrealismo, a partir da relação com a estética de escritores e poetas da segunda metade do século XIX, com suas novas formas de explorar a psique humana e com a linguagem verbal.
↑ abcdBurke, Peter (2009). Modernism: The lure of heresy: From Baudelaire to Beckett and beyond. São Paulo: Companhia das Letras. pp. 20–21. ISBN978-85-359-1395-8
↑ abBRADBURY, Malcolm; MCFARLANE, James (1989). Modernism: 1890-1930. São Paulo: Companhia das Letras. pp. 76–82. ISBN85-7164-077-7