A língua guarani mbyá (no nome nativo: mbya ayvu, literalmente "língua do povo") é um dialeto da língua guarani, falado pelos mbiás. Em 2011 foi reconhecida como bem imaterial pelo Iphan/MinC como patrimônio nacional.[1]
No Brasil, os Guarani Mbya estão localizados nos estados do Espírito Santos, Paraná, Rio de Jaaneiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Tocantis e Pará [2].
Introdução
A língua guarani mbyá pertence à família tupi-guarani, que por sua vez pertence ao tronco tupi. Ao lado do kaiowá e do nhandeva, é um dos três dialetos modernos da língua guarani que podem ser encontrados no Brasil. Todavia, também há falantes de mbyá no Paraguai, Argentina e Uruguai, e outros.[3]
Linguagem derivada dos descendente dos povos que habitavam a província do Guairá, situada a leste do rio Paraná, entre os rios Paranapanema e Iguaçu, onde é hoje o Estado do Paraná, o idioma Mbyá é classificado como um dialeto da língua Guarani, assim como o kaiwá e nhandéva, e é falado por indígenas em grande parte do território brasileiro. Mesmo sendo o mais meridional dentre os dialetos da língua Guarani, hoje em dia ainda pode ser encontrado em muitos lugares.[4]
O Mbyá é o dialeto da família Tupi-Guarani mais distribuído geograficamente, mas isso não implica em um número elevado de falantes, já que haviam cerca de 14.887 mil mbyá no Brasil em 2008[5]. É importante destacar que nem todos os indígenas pertencentes à etnia falam necessariamente o dialeto. Alguns grupos Mbyá ainda são encontrados na Argentina e no Paraguai, onde existem em número reduzido[6].
As principais fontes para a descrição linguística do mbya (nas seções seguintes) são Dooley e o Material da Escola Estadual Indígena Djekupe Amba Arandy.
Fonologia e ortografia
Ortografia
A ortografia do guarani mbyá não é una e pode apresentar variações regionais. A tabela abaixo busca apenas apresentar o alfabeto da língua e os sons que as letras geralmente representam, sem levar em conta o contexto da letra na palavra. Também não se pretende aqui sistematizar a fonologia da língua, o que será feito na subseção seguinte.
Alfabeto mbyá e sons correspondentes (inspirado em Dooley XXXX)
Grafia
|
Som
|
Equivalente
no português brasileiro
|
Grafia
|
Som
|
Equivalente no português brasileiro
|
a
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[a]
|
ave
|
n
|
[n]
|
nariz
|
mb
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[ᵐb]
|
bamba
|
nh
|
[nh]
|
ninho
|
nd
|
[ⁿd]
|
banda
|
o
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[o], [ɔ]
|
ovo, avó
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e
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[ɛ]
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pé
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p
|
[p]
|
porta
|
g
|
[g]
|
gato;
|
r
|
[ɾ]
|
barato
|
ng
|
[ŋ], [ᵑɡ]
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longo, longo
|
t
|
[t]
|
tucano
|
h
|
[h]
|
carro, no sotaque mineiro
|
u
|
[u]
|
uva
|
i
|
[i]
|
igreja
|
v
|
[β], [w], [v]
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sem equivalente, língua, vaca
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j
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[dʒ]
|
dia (com som de "dj")
|
x
|
[tʃ], [ts]
|
tchau, pizza
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k
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[k]
|
casa
|
y
|
[ɨ]
|
sem equivalente
|
m
|
[m]
|
maçã
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'
|
[ʔ]
|
sem equivalente
|
Letras com acento
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ã
|
[ã]
|
sem equivalente
|
õ
|
[õ], [ɔ̃]
|
contar, sem equivalente
|
ẽ
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[ɛ̃]
|
sem equivalente
|
ũ
|
[ũ]
|
untar
|
ĩ
|
[ĩ]
|
injeção
|
ỹ
|
[ɨ̃]
|
sem equivalente
|
- A letra <x> pode representar tanto o som de [ts] quando de [tʃ]. Essa variação vai depender do contexto fonético, e de variações regionais. No mbyá do Rio Grande do Sul, por exemplo, <x> representa somente /tʃ/.
Consonants
|
Labial
|
Alveolar
|
Palatal
|
Velar
|
Glotal
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não labializada
|
labializada
|
Oclusiva
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surda
|
p
|
t
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ts ~ tʃ
|
k
|
kʷ
|
ʔ
|
sonora
|
|
|
|
|
g
|
|
sonora pré-nasalizada
|
m ~ ᵐb
|
n ~ ⁿd
|
ɲ ~ dʒ
|
ŋ ~ ᵑɡ
|
ŋʷ ~ ɡʷ
|
|
Nasal
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Fricativa
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β ~ v~ w
|
|
|
|
|
h
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Aproximante
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|
|
|
|
|
Tepe
|
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ɾ
|
|
|
|
- /β/ (representado graficamente por <v>) permite três realizações fonéticas: [β], [v] or [w]. Não está claro o que condiciona essas variantes.
- As nasais /m, n, ŋ/ possuem os alofones pré-nasalizados [ᵐb, ⁿd, ᵑɡ].
- /g/ é raro, e na maioria dos casos ocorre em empréstimos.
- As semivogais [j] e [w] ocorrem em ditongos decrescentes. A ocorência de [w] é rara.
Vogais
O dialeto mbyá, assim como outras línguas da família tupi-guarani, apresenta um sistema vocálico simétrico, no qual cada vogal oral tem sua equivalente nasal. Tal sistema apresenta, no todo, seis fonemas vocálicos. Cada vogal nasal é um alofone do fonema oral correspondente.[3]
|
Anterior
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Central
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Posterior
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Alta
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i ĩ
|
ɨ ɨ̃¹
|
u ũ
|
Média
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ɛ ɛ̃
|
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o õ
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Médio-baixa
|
|
|
(ɔ ɔ̃)²
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Baixa
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a ã
|
|
- ¹ A vogal alta não arredondada /ɨ/ é grafada com <y> quando oral (quando nasal, <ỹ>)
- ² Foneticamente, a vogal /o/ pode ser aberta ou fechada. Será aberta [ɔ] quando tônica, e fechada [o] quando átona.
A nasalização é um fenômeno presente na língua Mbyá. Quando ela começa dentro da palavra, vigora no sentido regressivo até o começo da palavra, e pode ter uma leve influência no sentido progressivo também. Nas palavras monossilábicas que comumente ocorrem como um grupo tonal, a vogal sofre geminação, ou seja, ela é repetida, acrescentando uma sílaba para a palavra ficar dissilábica e produzindo um pé métrico iâmbico, que tem uma função importante na língua. A marcação do tempo ocorre, em primeiro lugar, nos nomes; o tempo verbal é derivado desta.[3]
Geminação vocálica
Quando uma palavra é monossilábica, ela poderá sofrer geminação vocálica. O fenômeno ocorre em palavras de diferentes classes gramaticais, como pronomes pessoais e substantivos:[3]
- Xee 'eu' (de xe + geminação)
- Ndee 'tu' (etc)
- Peẽ 'vós'
- oo 'casa' (da raiz -o geminada)
Dooley sugere que esta (a geminação vocálica) é uma característica particular do dialeto mbyá.[3]
Acento tônico e sua ortografia
O acento tônico, via de regra, cai sobre a última sílaba da palavra. Por ser este o caso mais comum, ele não costuma ser indicado por meio de acento gráfico. Portanto, mbya ayvu deve ser lido "mbyá ayvú", Vera (nome próprio) deve ser lido Verá, e assim por diante.[3]
Palavras paroxítonas (acento tônico na penúltima sílaba) e proparoxítonas (na antepenúltima) costumam receber acento gráfico. Uma exceção é kuery, partícula que indica pluralidade, que, embora paroxítona (lê-se "kuéry"), não recebe acento gráfico.[3]
Certas partículas, como py, 'rã, teri, je, entre outras, são átonas, embora sejam escritas separadamente. Portanto, aiko xeroo py (estou em minha casa) deve ser pronunciado "aiko xe roópy" [ajkɔ tʃɛɾoˈɔ pɨ].[3]
Crase
Quando duas vogais iguais se encontram na fronteira entre dois morfemas (como um afixo e uma raiz), ocorre o fenômeno da crase, isto é, eles se transformam em uma só vogal, tanto na fala como na escrita. Exemplo: nda-, prefixo de negação, + avy'a, estou feliz (verbo vy'a conjugado na 1ª pessoa) gera ndavy'ai (e não *ndaavy'ai).[3]
Caso esse processo gere uma palavra com uma só sílaba, ocorrerá o fenômeno da geminação vocálica descrito acima.
Morfologia
Adjetivos
A rigor, não há adjetivos em mbyá. Eles são, na verdade, verbos de segunda conjugação (ver seção "verbos"). Assim, kane'õ, em vez de "cansado", na verdade é o verbo "estar cansado": xekane'õ, estou cansado.[7]
Pronomes pessoais
Alguns dos pronomes pessoais, quando isolados, sofrem o processo de geminação vocálica, abordado acima. Portanto, temos
- Xee
- Ndee
- Ha'e
- Nhande
- Ore
- Peẽ ou pende
- Ha'e kuery
Ao se prefixarem a temas, o fenômeno da geminação não ocorre. Portanto, temos xero, minha casa (e não xeero).
Verbos
Os verbos do guarani mbyá podem ser encaixados em duas categorias de conjugações.[7] A primeira, mais comum, são os verbos que da flexão A-, RE- ,etc.
Flexão A-
Pessoa
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Pre- fixo
|
iko
(estar)
|
ĩ
(estar)
|
1ª sing
|
a-
|
aiko
|
aĩ
|
2ª sing
|
re-
|
reiko
|
reĩ
|
3ª sing/pl
|
o-, ogue-
|
oiko
|
oĩ
|
1ª pl incl.
|
ja-, nha-
|
jaiko
|
nhaĩ
|
1ª pl excl.
|
ro-, rogue-
|
roiko
|
roĩ
|
2ª pl.
|
pe-
|
peiko
|
peĩ
|
ogue- e rogue- ocorrem quando o tema verbal inicia com 'e'. Nha- é usado quando o tema verbal contém alguma vogal nasal.
Além desta, há uma conjugação de "adjetivos" (que na verdade são verbos estativos), a chamada conjugação XE- ou XER-. Nesta categoria, contudo, há algumas palavras que expressam ação, como ayvu, falar:
Flexão XE-
Pessoa
|
Prefixo
|
ayvu
(falar)
|
porã
(ser bom)
|
1ª sing
|
xe-
|
xeayvu
|
xeporã
|
2ª sing
|
nde-, ne-
|
ndeayvu
|
neporã
|
3ª sing/pl
|
i-, ij-, inh-
|
ijayvu
|
iporã
|
1ª pl incl.
|
nhan(d)e-
|
nhandeayvu
|
nhaneporã
|
1ª pl excl.
|
ore-
|
oreayvu
|
oreporã
|
2ª pl.
|
pen(d)e-
|
pendeayvu
|
peneporã
|
Flexão XER-
Pessoa
|
Prefixo
|
exarai
(esquecer)
|
exaĩ
(ser saudável)
|
1ª sing
|
xer-
|
xerexarai
|
xerexaĩ
|
2ª sing
|
nder-, ner-
|
nderexarai
|
nerexaĩ
|
3ª sing/pl
|
h-
|
hexarai
|
hexaĩ
|
1ª pl incl.
|
nhan(d)er-
|
nhanderexarai
|
nhanerexaĩ
|
1ª pl excl.
|
orer-
|
orerexarai
|
orerexaĩ
|
2ª pl.
|
pen(d)er-
|
penderexarai
|
penerexaĩ
|
Quando o verbo contém algum fonema nasal, são usadas as formas ne(r)-, nhane(r)-, pene(r)-, sem a letra 'd'. (Em outras palavras, sem que o fonema /n/ se realize como [ⁿd].)
Flexão de posse
Para indicar posse, utilizam-se as flexões XE- e XER-, como nas tabelas acima, com apenas pequenas alterações.
Flexão de posse
Pessoa
|
Flexão XE-
|
Flexão XER-
|
1ª sing
|
xe-
|
xer-
|
2ª sing
|
nde-, ne-
|
nder-, ner-
|
3ª sing/pl
|
i- / o-
|
h- / gu-, ng-
|
1ª pl incl.
|
nhan(d)e-
|
nhan(d)er-
|
1ª pl excl.
|
ore-
|
orer-
|
2ª pl.
|
pen(d)e-
|
pen(d)er-
|
SN
|
SN -
|
SN r-
|
Há apenas uma diferença na terceira pessoa, pois esta admite duas formas: uma que indica um possuidor diferente do sujeito (i-, h-) e outra que indica que o possuidor é o mesmo que o sujeito (o-, gu-, ng-), podendo neste caso ser traduzido por "seu próprio, seus próprios", etc.[7]
No caso desta flexão reflexiva, há duas formas: uma com gu-, como em guekoa, "sua (própria) aldeia", e outra com ng-, como em ngoo, "sua (própria) casa.[7]
Quando há um sintagma nominal (SN), o objeto possuído geralmente é escrito separado. Assim, Ara Poty roo, "a casa de Ara Poty".
Aqui valem as mesmas regras relativas à nasalidade: palavras com fonemas nasais fazem cair o 'd' do grupo 'nd', permanecendo apenas o 'n'.[7]
Negação
A negação é feita da mesma forma para as três flexões (a-, xe-, xer-): acrescenta-se o circunfixo nda- ... -i ao verbo flexionado (ou na- ... -i, quando houver sons nasais nesse mesmo verbo flexionado). Todavia, cada uma delas apresenta certas irregularidades, indicada onde há explicação entre parênteses. Não serão indicadas irregularidades previsíveis, como a crase (vide seção Fonologia).[7]
Negação nas três flexões
Pessoa
|
Flexão a-
|
Flexão xe-
|
Flexão xer-
|
vy'a (alegrar-se)
|
'ayvu (falar)
|
exaĩ (ser saudável)
|
1ª sing
|
ndavy'ai
|
ndaxeayvui
|
naxerexaĩ
|
2ª sing
|
nderevy'ai
(nde + i)
|
nandeayvui
|
nanerexaĩ
|
3ª sing/pl
|
ndorovy'ai
(ndo + i)
|
nda'ijayvui
|
naexaĩ
(na- + Ø + i)
|
1ª pl incl.
|
ndajavy'ai
|
nanhandeayvui
|
nanhanerexaĩ
|
1ª pl excl.
|
ndorovy'ai
(ndo + i)
|
nda'oreayvui
|
na'orerexaĩ
|
2ª pl.
|
ndapevy'ai
|
napendeayvui
|
napenerexaĩ
|
Na flexão a-, há irregularidades na 2ª pessoa do singular, na 3ª pessoa e na 1ª pessoa do plural (exclusivo): há nde-, ndo- e ndo-, respectivamente, em vez de nda-.[7]
No caso de ndavy'ai e em outros, assinale-se o fenômeno da crase mencionado na seção sobre a fonologia.
Na terceira pessoa da flexão xer-, há a queda do 'h', havendo portanto morfema zero (Ø) em substituição. Assim,
- nda-Ø-ova-i
NEG-3p-virar.o.rosto-NEG
(ele) não virou o rosto
Quando há encontro vocálico de vogais diferentes, acrescenta-se uma oclusão glotal ('), como em na'orerexaĩ
Assinale-se que também aqui ocorre o fenômeno da mudança nd -> n quando há vogais nasais na raiz. Por isso, "eu não falo" é ndaxeayvui, com nda-, pois não há vogais nasais em xeayvu. O mesmo não se pode dizer da primeira pessoa do plural da mesma conjugação: nanhandeayvui, pois em nhandeayvui há vogal nasal. Cabe notar algo curioso neste último exemplo. Na afirmativa, o nhandeayvui, ocorreu o uso de nhande, com nd, pois ayvu não tem som nasal. Todavia, como a palavra que surge (nhandeyvu) já contém som nasal, aí sim, ocorre o uso apenas do 'n': nanhandeayvu. Portanto, em uma mesma palavra se faz presente tanto o alofone 'n' como o 'nd'.
Sintaxe
A ordem dos constituintes na oração independente em Mbyá é bem flexível, refletindo fatores discursivos (contextuais). Ou seja, além da frase ter seus constituintes gramaticais (sujeito, predicado, etc.), é comumente dividida em constituintes cuja definição é baseada em fatores contextuais; tópico e foco são elementos deste tipo. A "estrutura de foco" (ou de informação) é assinalada, em Mbyá, principalmente pela ordem das expressões, pela entonação e pela ocorrência de elementos tais como "focalizadores" e "partículas" entre seus constituintes.[3]
Switch reference
O mbyá apresenta um sistema de referência cruzada, conhecido em inglês por switch reference. Esse mecanismo serve para identificar se o sujeito de uma oração subordinada é o mesmo da oração principal.[8]
No mbyá em particular, há duas conjunções que indicam se uma oração subordinada tem o mesmo sujeito da oração principal, ou se o sujeito é diferente:[8]
- vy: conjunção que indica que o sujeito é o mesmo da oração principal (em inglês SS, same subject)
- ramõ/rã: indica que o sujeito é diferente (em inglês DS, different subject)
Ambas as conjunções apresentam o significado de "quando", "durante".[9]
Assim:[9]
- Ava o-o vy mboi o-exa
homem 3p-ir quando.SS cobra 3p-ver
Quando o homem foi, ele viu a cobra (mesmo sujeito)
- Ava o-o ramõ mboi o-exa
homem 3p-ir quando.DS cobra 3p-ver
Quando o homem foi, a cobra o viu (sujeito diferente).
Partículas
O mbyá é rico em partículas que cumprem funções sintáticas. Uma muito comum é ma, que cumpre a função de isolador. O ma separa o sujeito e o predicado de uma oração,[7] muitas vezes suprindo a falta de um verbo "ser" na língua.[7] Xerery ma Ara Poty, meu nome é Ara Poty.
O uso de tais partículas é variável, e depende muito do contexto discursivo.
Léxico
A língua Mbyá tem um vocabulário básico de cerca de 2500 verbetes e subverbetes, baseado na variedade falada no estado do Paraná, e contém notas sobre aspectos gramaticais e alguns dados sobre pronúncia e grafia. A morfologia e sintaxe foram pouco exploradas, com uma análise preliminar sobre o fenômeno da incorporação nominal na língua[10]. Há também uma discussão sobre alguns aspectos sintáticos e discursivos do Mbyá, no que se refere à hipótese do Mbyá apresentar um mecanismo de referência verbal cruzada, conhecido na literatura por switch reference.[3]
Vocabulário
A seguir há uma pequena amostra do léxico da língua, com algumas das palavras mais comuns, de modo que o leitor tenha uma ideia geral de como é o guarani mbyá.[7]
Os substantivos abaixo, quando estão em relação de posse, são sempre flexionados com xe-: xerery, meu nome, etc.. Portanto, é indicada entre parênteses apenas os casos em que ocorre flexão xer-. Nestes casos, os substantivos em forma absoluta frequentemente recebem o prefixo t- na forma absoluta: tekoa, aldeia, tery, nome, etc, e perdem esse 't' nas formas flexionadas.
Os nomes que começam com hífen na tabela abaixo só ocorrem com flexão: xeru, nderu (meu pai, teu pai, etc), sem forma absoluta.[7]
substantivos
Português
|
Mbyá
|
abóbora
|
andai
|
aldeia, lugar de viver
|
(t)ekoa (xer-)
|
amigo
|
irũ
|
cachimbo
|
petỹgua
|
casa
|
oo
|
cidade
|
tetã
|
criança
|
kyrĩ
|
crianças
|
kyrĩgue
|
força
|
mbaraete
|
nome
|
(t)ery (xer-)
|
pai
|
-u (xer-)
|
parente
|
-etarã (xer-)
|
professor
|
nhombo'ea
|
A seguir, os verbos com a flexão xe- ou xer- estão indicados com parênteses. Os da flexão a- não recebem marca.
verbos (flexões a-, xe-, xer-, estes últimos sendo frequentemente considerados "adjetivos")
Português
|
Mbyá
|
Nota
|
alegrar-se, estar feliz
|
-vy'a
|
[nota 1]
|
cantar, rezar
|
-poraei
|
[nota 2]
|
esquecer-se
|
-exarai (xer-)
|
|
estar (em algum lugar)
|
-ĩ
|
|
estar bravo
|
-vai (xe-)
|
|
estar triste
|
-poriau (xe-)
|
|
falar, expressar-se
|
-ayvu (xe-)
|
|
falar com, ler
|
-eroayvu
|
|
fazer
|
-japo
|
|
fumar
|
-pita
|
|
ir
|
-o
|
[nota 3]
|
ser bom, agradável
|
-porã (xe-)
|
|
trabalhar (lit. fazer algo)
|
-mba'ejapo
|
|
ver
|
-exa
|
|
vir
|
-ju
|
[nota 4]
|
Posposições e advérbios
Português
|
mbyá
|
com
|
reve
|
em, dentro
|
py
|
muito
|
vaipa
|
para (dativo)
|
pe
|
- Javy ju!
Bom dia!
- Mba'exa tu nderery?
Qual o seu nome?
- Xerery ma Gabriel
Meu nome é Gabriel
- Mamo tu reikó?
Onde você mora?
- Mamo tetã pygua tu ndee?
De que cidade você é?
- Mamo tekoa pygua tu ndee?
De que aldeia você é?
- Mamo gui (ou magui) tu ndee reju?
De onde você é? (Lit. de onde você vem?)
Notas
- ↑ flexão a-; caso raro em que um verbo que designa uma qualidade ou um estado assume a flexão a-
- ↑ Do prototupi-guarani *poratsei, que significava "dançar".
- ↑ Verbo irregular. Na primeira pessoa do singular e do plural vira aa e jaa, respectivamente
- ↑ Irregular. Apresenta a forma ou na terceira pessoa
Referências
- ↑ Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, Cedefes.org
- ↑ Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, Cedefes.org
- ↑ a b c d e f g h i j k Dooley, Robert A. (9 de março de 2006). «LÉXICO GUARANI, DIALETO MBYÁ» (PDF). https://www.sil.org/. Consultado em 15 de abril de 2023. Cópia arquivada (PDF) em 15 de abril de 2023
- ↑ «Línguas brasileiras : Para o conhecimento das línguas indígenas (Rodrigues 1986) - Biblioteca Digital Curt Nimuendajú». www.etnolinguistica.org. Consultado em 15 de abril de 2023
- ↑ «Guarani Retã - Povos Guarani na fronteira argentina, Brasil e Paraguai | Laboratório de Ensino e Material Didático». lemad.fflch.usp.br. Consultado em 15 de abril de 2023
- ↑ Canese, Natalia Krivoshein de; Decoud Larrosa, Reinaldo (1983). Gramatica de la lengua guarani. Col: Coleccion Nemity. Asuncion: N. Krivoshein de Canese
- ↑ a b c d e f g h i j k l GUARANI MBYA - Material da Escola Estadual Indígena Djekupe Amba Arandy - São Paulo-SP
- ↑ a b Thomas, Guillaume, Antono, Gregory, Bradford, Laurestine, Kiss, Angelika and Winkelman, Darragh. "'Switch-reference and its role in referential choice in Mbyá Guaraní narratives"' Corpus Linguistics and Linguistic Theory, vol. 17, no. 3, 2021, pp. 563-597. https://doi.org/10.1515/cllt-2020-0028
- ↑ a b Dooley, Robert A. 1999a. “A noncategorial approach to coherence relations: switch reference constructions in Mbyá Guaraní.” In Eugene E. Loos (org.), Logical relations in discourse, Dallas, TX: Summer Institute of Linguistics, 219-42.
- ↑ Martins, Marci Fileti (2003). «Descrição e analise de aspectos da gramatica do Guarani Mbya». bdtd.ibict.br. Consultado em 15 de abril de 2023
Ligações externas