Arautos do Evangelho (em latimEvangelii Præcones, cuja sigla é E.P.)[1] é uma Associação Internacional de Fiéis de Direito Pontifício, a primeira a ser erigida pela Santa Sé no terceiro milênio, por ocasião da festa litúrgica da Cátedra de São Pedro, em 22 de fevereiro em 2001.[1]
Dois anos antes da fundação, em agosto de 1997, João Scognamiglio Clá Dias criou a Associação Cultural Nossa Senhora de Fátima (ACNSF), vista como embrionária dos Arautos, cuja proposta é a difusão da mensagem mariana de Fátima, tida como contra-revolucionária.[2]
Presente em 78 países, a Ordem dos Arautos do Evangelho tem sua casa principal, a Basílica de Nossa Senhora do Rosário ou "Monte Thabor",[5] sediada nas imediações da Serra da Cantareira, entre as cidades de Caieiras e Mairiporã, região metropolitana de São Paulo, e seu conjunto de edifícios, erigido com auxílio de doações, ocupa uma área de 107 km² de floresta, em terreno doado pelo proprietário de uma hípica desativada. Na casa principal funciona também um seminário, onde os alunos aprendem italiano, inglês, espanhol, hebraico, grego, com ensino médio e cursos superiores de filosofia e teologia, baseados no pensamento de Tomás de Aquino, além de ciências da religião e canto gregoriano.[6][3][7]
Os Arautos possuem diversas similaridades com as ordens de cavalaria medievais, como os Templários, os Teutônicos, entre outras, que vão desde as regras internas, como votos de castidade, pobreza, devoção altruística e vida monástica rígida e disciplinada, até o direito de responder diretamente ao Papa, concedido por decreto do próprio Vaticano,[8] além de poder ordenar seus próprios padres e construir suas próprias igrejas.[3]
Organização
A autoridade suprema dos Arautos é a Assembleia Geral, a qual elege o Conselho Geral que assistirá o Presidente da associação. Conta também com conselhos regionais que administram os sodalícios nos diversos países em que atua. Além da organização interna, incluem-se também os colaboradores e membros honorários, os quais são pessoas e famílias que participam ativamente, seja contribuindo com a associação ou utilizando de seus ensinamentos e celebrações.[9]
Ordens
A sua estrutura comporta três ordens:
Ordem I: homens consagrados que se dedicam integralmente à Santa Igreja Católica Apostólica Romana e à própria entidade;
Ordem II: mulheres consagradas que se dedicam integralmente à Santa Igreja Católica Apostólica Romana e à própria entidade;
Ordem III: homens ou mulheres que se dedicam a ideais da entidade no emprego, na família e em seus círculos sociais.
A Sociedade Clerical Virgo Flos Carmeli é constituída por membros dos Arautos do Evangelho com vocação ao sacerdócio, após dezenas de anos de vida comunitária, estudos e muita dedicação, com o fim de melhor empreender a atividade evangelizadora, como se pode ler no art. 3º de seus estatutos:
A Sociedade nasce como expressão do carisma da Associação Arautos do Evangelho, com a especificidade da vocação sacerdotal, manifestando a vontade de atuar em comunhão de métodos e metas com a mencionada associação, e empenhando-se particularmente em que os fiéis que se sentem atraídos por este carisma tenham uma assistência ministerial, sobretudo, os que vivem em comunidade (PC 10).
Em 2005 foram ordenados os primeiros 15 sacerdotes da sociedade, provenientes de diferentes países, em celebração realizada pelo cardealarcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes.[3] A sociedade Virgo Flos Carmeli, bem como sua ramificação feminina Regina Virginum, foram elevadas a Sociedade de Vida Apostólica por Decreto Vaticano no dia 26 de abril de 2009.[10][11]
No ano de 2011, a Virgo Flos Carmeli já contava com 83 padres, 34 diáconos e 483 membros permanentes.[12]
Símbolos
Em seu medalhão estão contidos os três principais símbolos dos Arautos: as chaves de São Pedro (simbolizando o Papa), Maria Santíssima e a Santíssima Eucaristia. À cintura, uma corrente de ferro representa a fortíssima ligação de cada Arauto com Maria, ao ponto de se chamarem "Escravos de Jesus através de Maria". Pendente desta corrente está o Rosário, frequentemente recomendado por Maria em suas aparições.
Os membros dos arautos, tanto homens quanto mulheres, usam uniforme de estilo militar medieval, com túnica bege, ornada com o desenho da cruz de Santiago, botas de cano longo e um rosário na cintura.[6]
Igrejas
Os Arautos do Evangelho possuem duas igrejas principais, elevadas à categoria de Basílicas:
Em 31 de março de 2008, a Igreja de Nossa Senhora da Encarnação localizada em Lima, Peru, foi entregue aos cuidados dos Arautos.[14]
Em 14 de setembro de 2009, os Arautos deram início à edificação da Igreja de Nossa Senhora de Fátima na cidade de Tocancipá, a 25 km de Bogotá, Colômbia.[15][16]
Em 15 de dezembro de 2018 foi inaugurada solenemente a Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, na cidade de Ypacaraí, a 44 km de Assunção, Paraguai.[17]
Coro e orquestra
Visando a divulgação, bem como a evangelização, da música sacra, os Arautos do Evangelho mantêm entre suas atividades o Coro e Orquestra Internacional dos Arautos do Evangelho. Tal projeto se apresenta durante as missas realizadas pelos Arautos ou em festividades católicas como o Natal e Páscoa, dentre outros eventos de caráter religioso e culturais.[18][19][20]
Ainda no âmbito da divulgação da música sacra, os Arautos do Evangelho publicaram o livro Liber Cantualis - Os mais belos cânticos gregorianos pela editora Lumen Sapientiae.[23]
O livro é uma seleção de peças musicais usadas na liturgia católica, entre outras, contendo as letras em português e latim e a partitura para canto gregoriano.[24]
Controvérsias
Investigação pelo Vaticano
Em 2017, o Vaticano instituiu uma Visita Apostólica dos Arautos sob a direção da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Em 12 de junho de 2017, Monsenhor João Clá deixou o cargo de Superior Geral, mas continuou sendo "pai" dos Arautos.[25][26] A visita encontrou "deficiências no estilo de governo, na vida dos membros do Conselho, no cuidado pastoral das vocações, na formação de novas vocações, na administração, na administração de obras e na captação de recursos".[27] No dia 28 de setembro de 2019, o Papa Francisco nomeou o cardealRaymundo Damasceno Assis como Comissário Pontifício para tratar com os Arautos, no entanto, em 19 de outubro, os Arautos declararam que não reconheciam a legalidade da instituição do Comissário.[28][29]
Um elemento nesta investigação foi um vídeo apresentado por Andrea Tornielli,[30] em um artigo publicado no jornal italiano La Stampa,[25][31] que mostrava vários membros dos Arautos do Evangelho ouvindo uma descrição de um "exorcismo". Naquela época, os Arautos emitiram uma nota de esclarecimento afirmando que este era um vídeo antigo e que o vazamento havia ocorrido de forma inadequada, como ocorreu nos estudos teológicos. Além disso, esclareceu que todas as medidas apropriadas foram tomadas de acordo com o Direito Canônico e à luz da teologia católica.[32]
Em junho de 2021, um documento emitido pelo Vaticano determinou que os colégios do grupo fossem fechados após a conclusão deste ano letivo. Entre os motivos para a decisão, o Vaticano alega ter considerado "o tipo de disciplina excessivamente rígida praticada nas comunidades dos Arautos do Evangelho", afirmando que as famílias "são, na maioria das vezes, excluídas das vidas dos seus filhos e que os contatos com os pais não são suficientemente garantidos". O Vaticano também declara que a medida visa a "permitir aos mais jovens o indispensável relacionamento com as famílias e com o objetivo de prevenir qualquer situação que possa favorecer possíveis abusos de consciência e plágio contra menores". Os Arautos, por sua vez, informaram que os colégios da entidade "são instituições civis e autônomas, inspiradas no carisma dos Arautos do Evangelho, cuja mantenedora se chama INEDAE, Instituto Educacional Arautos do Evangelho" que "está submetido a autorização e avaliação de qualidade pelo poder público, não pelo poder eclesiástico", sendo que nenhum decreto emitido pelo Vaticano teria poder para fechar as instituições de ensino.[33] O grupo religioso também é investigado pelo Vaticano em Portugal.[34]
Acusações de abusos físicos e psicológicos
Em outubro de 2019, uma investigação do Ministério Público (MP), movida por ex-membros descontentes da cidade de Caieiras, na região metropolitana de São Paulo, foi aberta após a divulgação de vídeos de supostos exorcismos e de João Clá, fundador da Associação, agredindo crianças.[35][36] O MP constatou que os adolescentes não podem ter telefone celular pessoal e que todos usam um único aparelho, mas apenas para enviar mensagens por WhatsApp e que ficam visíveis a todos, o que, segundo os peritos, é uma violação do direito à privacidade dos jovens. Para ligar para as famílias, eles têm que usar telefones fixos. Os peritos também não encontraram livros sobre história do Brasil, literatura nacional ou livros didáticos, mas apenas enciclopédias antigas e livros escritos por João Clá. Para o MP, o ECA não é respeitado pelos Arautos.[37][38]
No dia 27 de outubro, o programa Fantástico, da TV Globo, marcou uma entrevista em uma igreja dentro do castelo do grupo, em Caieiras. No entanto, o representante dos Arautos, padre Alex Brito, exigiu que ocorresse uma gravação com internas que não foram citadas na reportagem e não são objeto de nenhuma denúncia. Na saída, a equipe foi hostilizada e xingada por seguidores e um homem chegou a dar um soco no carro da reportagem.[36] Ao Fantástico, três representantes dos Arautos do Evangelho repudiaram as acusações e disseram que o sistema de ensino que eles utilizam nos colégios segue o que é determinado pelo Ministério da Educação. Eles também se dizem vítimas de perseguição religiosa.[37]
No dia 12 de abril de 2022, a primeira instância da Justiça de São Paulo determinou que todas as crianças e os adolescentes estudam em regime de internato em escolas do grupo católico conservador voltem para casa até o dia 1 de julho após denúncias de humilhações, tortura, assédio e estupro.[46] No dia 4 de maio de 2022, no entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo considerou que não há provas suficientes no processo e derrubou a liminar de primeira instância.[47]
↑André Vargas, Guilherme Novelli e Giulio Ferrari (19 de setembro de 2019). IstoÉ, ed. «Os arautos do anticristo». Consultado em 28 de novembro de 2019