Em meados do século XIX, o país sofria de graves problemas de transportes no interior, dependendo de uma rede de estradas muito primitiva, que tornava as viagens muito difíceis e lentas. No caso de Bragança, por exemplo, o percurso até Lisboa demorava cerca de quinze dias.[4] Foi principalmente devido a estas deficiências que se iniciou a construção das vias férreas em Portugal, à semelhança do que se fazia noutros países.[4]
Planeamento e construção
As primeiras propostas para a construção de uma ligação ferroviária a Bragança terá sido provavelmente feita entre 1876 e 1877, como parte de um estudo da Associação de Engenheiros Civis, no sentido de apurar quais as linhas férreas que deveriam ser instaladas na região setentrional do país.[5] Assim, foram apresentadas duas opções para a linha até Bragança, uma seguindo pelo Rio Tua, e outra saindo do Pocinho e circulando ao longo do Rio Sabor.[5]
Em 30 de Abril de 1884, a Junta Geral do Distrito de Bragança enviou uma representação à Câmara dos Deputados para pedir que o caminho de ferro de Foz Tua a Mirandela, então em construção, fosse continuado até Bragança.[6] Em 1886 o ministro das Obras Públicas, Emídio Navarro, ordenou o estudo das linhas consideradas como complementares na região de Trás-os-Montes, incluindo o de Mirandela a Bragança.[5] Em 27 de Setembro de 1887 foi inaugurado o lanço da Linha do Tua até Mirandela.[6] O pedido para prolongar a Linha do Tua até Bragança foi reiterado em 15 de Abril de 1888, quando os comerciantes de Bragança enviaram uma comunicação à Câmara dos Deputados, e no dia 2 de Julho de 1890, quando a Câmara Municipal de Bragança também enviou uma representação à Câmara dos Deputados.[6] Porém, o prolongamento da linha além de Mirandela foi suspenso na sequência da crise económica que atingiu o país na década de 1890, e só foi retomado após ter sido formada a administração dos Caminhos de Ferro do Estado, em 1899, que considerou a continuação da Linha do Tua como uma das suas prioridades.[7] Entretanto, em 1897 Moses Zagury já tinha pedido licença para construir uma linha em via estreita de Mirandela a Bragança, paralela à estrada real.[8]
No jornal Primeiro de Janeiro de 17 de Junho de 1899, foi anunciado que já se tinha decidido dar o nome de Elvino de Brito à avenida entre cidade de Bragança e a estação, que seria construída junto à Ermida do Senhor da Piedade, na margem direita do Rio Fervença.[9]
Em 25 de Setembro de 1901, foi publicada uma portaria que aprovou o projecto da linha entre Mirandela e Bragança.[10] Em 16 de Junho de 1903, a Gazeta dos Caminhos de Ferro reportou que em breve se iriam iniciar as obras para aquele lanço, prevendo-se que a linha chegaria a Romeu em dez meses, a Cortiços em vinte meses, e a Bragança em dois meses e meio, ficando portanto concluída em finais de 1905.[11] Em 1 de Agosto, a Gazeta noticiou que já se tinha iniciado a construção.[12] No dia 20 de Julho, ocorreu uma cerimónia no futuro local da estação de Bragança, com a presença do prelado da diocese, do governador civil, o empreiteiro da construção, João Lopes da Cruz, representantes das câmaras municipais de Bragança e do Vimioso, da Associação Comercial, da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, vários oficiais da guarnição, e muito povo.[12]
Em 1901, uma empresa britânica procurou construir a ligação de Mirandela a Bragança, mas as obras não chegaram a avançar.[13] Em 19 de Abril de 1902, foi assinado o contrato provisório para este troço com o empreiteiro João da Cruz,[14] ocasião que foi depois comemorada com uma estela na estação de Bragança.[13] Posteriormente, a concessão foi trespassada para a Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, que já tinha construído a linha do Tua a Mirandela.[13]
Em 31 de Dezembro de 1904, foi apresentado o projecto para a estação, que foi aprovado a 25 de Fevereiro do ano seguinte.[15] Em 26 de Outubro de 1906, chegou o primeiro comboio a Bragança, conduzido pelo maquinista Valentim Esteves.[16] A estação foi construída de forma a permitir uma futura continuação da linha até Puebla de Sanabria, em Espanha.[13]
Inauguração
Em 1 de Dezembro de 1906, foi inaugurado o troço entre Rossas e Bragança, ainda com esta estação inacabada.[17] O edifício foi projectado pelo arquitecto Veríssimo de Sá Correia.[18]
A cerimónia iniciou-se no dia 30 de Outubro, com a oferta de uma refeição aos mais pobres, e um cortejo acompanhado pela banda de música de Izeda, no qual participou o presidente da autarquia, Manoel Ochôa.[18] Ao romper da alvorada do dia seguinte, as bandas de música da Infantaria 9, Infantaria 10, de Izeda e dos Bombeiros Voluntários percorreram a cidade, tocando os hinos nacional e da restauração, tendo sido lançados foguetes.[18] Às 11 horas, faz-se o cortejo cívico, que era liderado pela banda de música de Izeda, seguida dos membros da comissão dos festejos, estudantes do seminário, estudantes do liceu, o corpo docente, representado pelo reitor e por vários professores, a banda dos Combeiros Voluntários, a corporação dos bombeiros, a Associação Artística, a Associação Comercial, a banda de infantaria 10, e várias autoridades militares, civis e judiciais, entre outras individualidades da cidade.[18] Era fechado pela banda de Infantaria 9, o governador civil, o Secretário geral, os funcionários da fazenda, e os funcionários das obras públicas, o presidente da Câmara de Vimioso, e representantes da Câmaras Municipais de Miranda do Douro, Mogadouro, e Bragança.[18] O cortejo partiu do Parque do Governo Civil até à estação, onde ficaram a aguardar a chegada do comboio inaugural, que chegou por volta do meio-dia.[18] Neste comboio viajavam os directores da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, e vários convidados.[18] Depois, o bispo da diocese benzeu o comboio, e assinou-se o auto da inauguração.[18] O cortejo dirigiu-se, em seguida, para o edifício do Governo Civil, onde teve lugar uma recepção na sala de honra.[18] Calcula-se que o comboio inaugural tenha sido esperado por cerca de 20 mil pessoas, na estação e nos campos vizinhos.[18] Para a cerimónia, as ruas da cidade estavam decoradas com bandeiras e alguns arcos triunfais.[18] Quando desceu a noite, por volta das 18 horas, foi feito um espectáculo de luzes com o acender de milhares de balões por toda a cidade, embora os balões na parte mais alta do castelo tenham sido destruidos por um golpe de vento.[18] Às 20 horas, iniciou-se uma marcha a fogos de bengala, até ao Campo de Santo António, onde foi lançado o fogo de artifício.[18] No dia seguinte, foi realizada a missa campal, num altar improvisado na Capela de Santo António.[18]
Com a chegada do caminho de ferro, foi desenvolvida a Rua do Conde de Ferreira, que passou a denominar-se Avenida da Estação;[1] posteriormente, o seu nome foi alterado para Avenida de João da Cruz, em homenagem ao empresário original da Linha de Mirandela a Bragança.[19]
Primeiros anos
Considera-se que a chegada do comboio a Bragança veio trazer um desenvolvimento da vida cultural na cidade, ao permitir a vinda de companhias profissionais e de actividades variadas de espectáculos, de Lisboa ou do Porto.[20]
Em Outubro de 1910, estava previsto que o rei D. Manuel II tivesse ido a Bragança, de comboio.[21] O jornal A Pátria Nova de 12 de Outubro de 1910 noticiou a chegada de João José de Freitas no dia 7 de Outubro, que vinha tomar posse como Governador Civil de Bragança, tendo sido recebido na estação por um grupo de apoiantes republicanos.[22]
Em 1911, pensou-se em prolongar o caminho de ferro de Bragança até Vinhais, de forma a desenvolver aquela vila.[23]
Durante os estudos para a revisão do Plano Geral da Rede Ferroviária, na década de 1920, formou-se uma comissão para analisar as ligações internacionais por caminho de ferro, e propor várias soluções que deveriam ser apresentadas durante a Conferência Económica Luso - Espanhola.[25] Uma das propostas foi o prolongamento da Linha do Tua além de Bragança até à fronteira com Espanha na direcção de Puebla de Sanabria, onde se uniria ao lanço espanhol que também já tinha sido classificado.[25] Também foi proposta, durante a conferência económica luso-espanhola de 1928, uma linha de Bragança a Castro de Alcañices, que foi recusada devido à oposição das autoridades militares.[26]
Em 1933, a Companhia Nacional instalou uma cobertura e calcetou o cais descoberto desta estação, construiu um muro de vedação, ampliou a casa do guarda da passagem de nível e ajardinou o recinto da estação.[27] Em 1935, realizou obras de conservação no edifício de passageiros.[28] Em 1939, fez obras de restauro no edifício de passageiros, e na residência do pessoal de tracção e do factor.[29]
Nos inícios do século XX, a Companhia Nacional introduziu um serviço rápido de Bragança a Tua, com a finalidade de dar ligação ao Comboio Porto-Medina, que percorria a Linha do Douro no seu percurso entre São Bento e a cidade espanhola de Medina del Campo.[30]
Em 1968, foi concluída uma alteração no traçado da Linha do Tua, desde a Ponte da Coxa até à estação de Bragança.[31] Também foram feitas obras na gare, cuja calçada foi substituída por um pavimento em betão.[31]
Declínio e encerramento
Na década de 1980, foi organizado um núcleo museológico na estação, no âmbito de um movimento de preservação e organização do património ferroviário nacional.[32] Em 1984, Bragança era apenas servida por serviços regionais, da operadora Caminhos de Ferro Portugueses.[33] Em 1988 foi lançado o álbum 88 dos já notáveis Xutos & Pontapés incluindo na faixa “Para ti, Maria” uma enfática referência à fraca acessibilidade ferroviária de Bragança a Lisboa: «nove horas de distância »« num comboio »« atrasado»,[34][35] refletindo idênticas dificuldades sentidas à época também no meio rodoviário.[36]
Em 15 de Dezembro de 1991, a empresa Caminhos de Ferro Portugueses encerrou o tráfego no lanço de Mirandela e Bragança, e em 13 de Outubro do ano seguinte retirou o material circulante de Bragança e levou-o até Mirandela, numa operação que causou grande celeuma.[37] Em 2001, iniciam-se as obras de reconversão da antiga estação ferroviária de Bragança num terminal rodoviário, que foi inaugurado em 24 de Janeiro de 2004.[13]
↑«O fundo especial dos caminhos de ferro»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 15 (345). Lisboa. 1 de Maio de 1902. p. 129-130. Consultado em 1 de Janeiro de 2024 – via Hemeroteca Municipal de Lisboa
↑«Há Quarenta Anos»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 49 (1184). 16 de Abril de 1937. p. 203. Consultado em 20 de Janeiro de 2015 – via Hemeroteca Digital de Lisboa
↑«Linhas Portuguesas»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 16 (372). 16 de Junho de 1903. p. 212. Consultado em 1 de Agosto de 2017 – via Hemeroteca Digital de Lisboa
↑ ab«Linhas Portuguezas»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 16 (375). 1 de Agosto de 1903. p. 260. Consultado em 1 de Agosto de 2017 – via Hemeroteca Digital de Lisboa
↑«Parte Official»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 15 (348). 16 de Junho de 1902. p. 181-182. Consultado em 20 de Janeiro de 2015 – via Hemeroteca Digital de Lisboa
↑«Parte Official»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 18 (412). 16 de Março de 1905. p. 84-85. Consultado em 20 de Janeiro de 2015 – via Hemeroteca Digital de Lisboa
↑«Serviço de Diligencias». Guia official dos caminhos de ferro de Portugal. Ano 39 (168). Outubro de 1913. p. 152-155. Consultado em 17 de Fevereiro de 2018 – via Biblioteca Nacional de Portugal
↑«Os nossos caminhos de ferro em 1935»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 48 (1155). 1 de Fevereiro de 1936. p. 96. Consultado em 20 de Janeiro de 2015 – via Hemeroteca Digital de Lisboa
↑«O que se fez em caminhos de ferro no ano de 1939»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 52 (1249). 1 de Janeiro de 1940. p. 35-40. Consultado em 20 de Janeiro de 2015 – via Hemeroteca Digital de Lisboa
↑MAIO, José da Guerra (1 de Maio de 1951). «O «Porto-Medina»»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 64 (1521). p. 87-88. Consultado em 20 de Janeiro de 2015 – via Hemeroteca Digital de Lisboa
↑ ab«Jornal do Mês»(PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 81 (1930). 16 de Outubro de 1968. p. 121-122. Consultado em 20 de Janeiro de 2015 – via Hemeroteca Digital de Lisboa
↑«Horário de Verão 1984»(PDF). Caminhos de Ferro Portugueses. 3 de Junho de 1984. p. 51. Consultado em 21 de Outubro de 2010 – via O Comboio em Portugal
↑Lena Coelho: “[entrevista]” Flash! (2021.07.22) in: António Araújo: “Laura Diogo. Como um rumor se torna uma cruz para toda a vida” Diário de Notícias (2023.07.16): «primeiro que se chegasse a Bragança », entre 1979 e 1987«, tinha que se sair »(de Lisboa?)« às sete da tarde do dia anterior para chegar lá às oito da manhã».
↑«CP retira automotoras de Bragança». Público. Ano 3 (955). Lisboa: Público, Comunicação Social, S. A. 15 de Outubro de 1992. p. 56
Bibliografia
JACOB, João; ALVES, Vítor (2010). Bragança: Roteiros Republicanos. Col: Colecção Roteiros Republicanos. Volume 15. Matosinhos: Quidnovi, Edição e Conteúdos, S. A. e Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República. 127 páginas. ISBN978-989-554-722-7 !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
MARTINS, João; BRION, Madalena; SOUSA, Miguel; et al. (1996). O Caminho de Ferro Revisitado: O Caminho de Ferro em Portugal de 1856 a 1996. Lisboa: Caminhos de Ferro Portugueses. 446 páginas !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
REIS, Francisco; GOMES, Rosa; GOMES, Gilberto; et al. (2006). Os Caminhos de Ferro Portugueses 1856-2006. Lisboa: CP-Comboios de Portugal e Público - Comunicação Social S. A. 238 páginas. ISBN989-619-078-X !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)