As plantas da família Cucurbitaceae, vulgarmente referidas como cucurbitáceas, podem ser dióicas ou monóicas, sendo na sua maioria anuais que morrem imediatamente após produzirem as sementes. Apresentam uma ampla distribuição global, mas ocorrem principalmente nos trópicos e subtrópicos. Os frutos desta família são na sua vasta maioria do tipo pepónio (ou pepónide), frequentemente considerados como um tipo específico de pseudobaga. Todas as espécies são sensíveis à geada.
As Cucurbitaceae são uma família de plantas tipicamente trepadoras por gavinhas, em geral herbáceas geófitas ou anuais, com o ovário ínfero. O fruto imaturo é um pepónio, que ao maturar se diversifica, adaptando-se a diferentes formas de dispersão das sementes.
As plantas desta família produzem cucurbitacinas, compostos que fazem com que a partes vegetativas e os frutos imaturos, e por vezes também os maduros, apresentem um sabor muito amargo e sejam tóxicos para a maioria dos animais. As partes amargas de algumas cucurbitáceas estão entre os sabores mais amargos conhecidos provenientes de plantas.[8] Para além disso, geralmente contêm alcalóides e outras saponinas triterpenóides amargas, tetra ou pentacíclicas.[9]
As cucurbitacinas são um grupo diversificado de compostos, mas partilham uma parte da via biossintética, pois um único gene basta para explicar a presença ou ausência desta família de compostos nas diferentes partes da planta. As variedades cultivadas para consumo humano foram seleccionadas por forma a perderam as cucurbitacinas em alguns órgãos.
Morfologia
As plantas da família Cucurbitaceae são herbáceas ou lianas sublenhosas e possuem, em geral, gavinhas espiraladas, e muitas vezes ramificadas, que são dispostas lateralmente nos nós.[9] A única espécie com hábito arbóreo em toda a família é Dendrosicyos socotranus, um paquicaule que ganhou o hábito arborescente a partir do hábito trepador ancestral.[10]
A maioria dos membros desta família tem uma raiz principal pronunciada, que atinge cerca de um metro de profundidade no pepino (Cucumis sativus) e mais de dois metros nas abóboras (Cucurbita). Perto da superfície, formam uma densa rede de raízes laterais que cobrem à superfície do solo uma área pelo menos tão grande, se não maior, que os órgãos acima do solo. Nos eixos de avanço das hastes, formam-se raízes adventícias, mesmo sem contacto directo da haste com o solo. Alguns representantes xerófitos formam raízes de armazenamento que lhes permitem sobreviver a períodos secos. Em Acanthosicyos, as raízes atingem 15 metros de profundidade.
As folhas são simples, alternas ou espiraladas, frequentemente palmado-lobadas e com venação palmada. Podem ter as margens mais ou menos serreadas e dentes cucurbitóides (muitas nervuras convergindo no dente e terminando em um ápice glandular expandido e mais ou menos translúcido). Não possuem estípulas. Algumas espécies exibem nectários extraflorais. A maioria das espécies apresenta tricomas (pêlos) simples com parede calcificada e com um cistólito (concreção de carbonato de cálcio) na base.[9][11][12]
As flores estão organizadas em inflorescências axilares, variáveis em tipo, às vezes reduzidas a apenas uma flor terminal. As flores são geralmente unissexuais, actinomorfas, com perianto bisseriado e diclamídeo, com hipanto bem desenvolvido. As sépalas são geralmente imbricadas e em número de cinco, quase sempre conatas (intimamente unidas desde a origem) e às vezes reduzidas. As pétalas são geralmente cinco, conatas, campanuladas, com um tubo estreito e lobos expandidos no ápice, ou quase planas. A coloração varia entre o branco, passando pelo amarelo e alaranjado, e o vermelho. É frequente nesta família a ocorrência de flores que se abrem somente por um dia. Os estames são de três à cinco, adnatos ao hipanto, diversamente conatos e modificados, geralmente parecendo ser três ou apenas um, com anteras uniloculares. Os grãos de pólen têm três ou mais sulcos ou poros. Os carpelos são geralmente três, conatos, com ovário ínfero de placentação parietal e geralmente três estigmas. Os óvulos são geralmente numerosos por placenta. Possuem nectários diversos, incluindo extra-florais.[9][11][12]
Nas Cucurbitaceae ocorre um fruto do tipo baga modificado que é designado por pepónio (ou pepónide). No fruto do tipo pepónio, o hipanto e o epicarpo formam uma casca coreácea e no interior ocorre crescimento das placentas preenchendo o lóculo. As sementes são achatadas com testa composta por várias camadas, sendo que a mais externa pode ser carnosa. O endosperma é escasso ou ausente.[9]
Por serem vistosas e possuírem néctar, as flores de Cucurbitaceae atraem diversos insectos, aves e morcegos. O androceu possui coloração e aspecto semelhante ao gineceu, pelo que os polinizadores visitam tanto flores estaminadas (masculinas) quanto carpeladas (femininas). A polinização cruzada é promovida pela dioicia e presença de flores unissexuais.[9] A dispersão das bagas é maioritariamente do tipo zoocórico (feita por animais). No género Momordica ocorre abertura espontânea das cápsulas com exposição das sementes que são coloridas e carnosas para dispersão por aves.[9] O género Ecballium tem frutos do tipo elatério que expelem as sementes a largas distâncias.
Caracteres diferenciais
Como característica morfológica diferenciadora em relação a grupos com hábito semelhante, as Cucurbitaceae apresentam apenas uma folha por nó. Na sua vasta maioria são trepadeiras herbáceas ou lianas com folhas geralmente cobertas por tricomas (pêlos) espessos e ásperos, sem estípulas, com venação palmada. Na axila da folha há geralmente um rebento vegetativo, uma flor, deslocada para o lado, e uma gavinha ramificada, ou alguma organização mais complexa. As plantas são dióicas ou monóicas, e as flores têm hipanto, um androceu complexo, frequentemente formado por anteras onduladas sigmoidais, com uma única teca, e um ovário ínfero com placentação parietal. A corola é geralmente mais ou menos amarela, por vezes avermelhada. As sementes são mais ou menos achatadas.[13]
As cucurbitáceas diferenciam-se das família similares Vitaceae (as vides) e Passifloraceae (maracujá) pela posição das gavinhas, que é lateral em relação ao pecíolo foliar, ou pelo menos não oposta ao pecíolo como em Vitaceae, nem na axila da folha como em Passifloraceae.[14]
Detalhe de um nó de Cucurbita maxima: gavinha, folha (pecíolo para cima à esquerda), uma gema vegetativa e uma gema floral masculina.
Nó de Cucurbita pepo: gavinha, folha, duas gemas florais masculinas.
Anteras onduladas sigmoidais nos estames fundidos de uma gema floral masculina de Cucurbita (neste género as anteras ficam rectas ao maturarem).
Na sua presente circunscrição, as Cucurbitaceae são formalmente definidas como «herbáceas rastejantes ou trepadoras mediante gavinhas inseridas nos nós dos caules (gavinhas caulinares); mostram folhas alternas, em geral simples, mais ou menos lobadas, carnosas, ásperas ao tacto (escabras) e com cistólitos. As flores são unissexuais, as masculinas com gineceu vestigial, geralmente monoicas (Bryonia craetica excepcionalmente é dioica), regulares, gamopétalas, pentâmeras, com perianto duplo e estames atípicos: filamento sigmóide rematado por uma antera com uma única teca, estames livres ou soldados em 3 grupos: (2)+(2)+1. Nas formas primitivas apresentam as pétalas livres e o ovário ínfero; algumas apresentam inflorescênciascimosas. Os frutos são muito variáveis, mas quase sempre são bagas (Bryonia) ou bagas modificadas (pepónides), mas por vezes apresentam-se como cápsulas (Momordica) ou em elatério (Ecballium)».
[15][16][17][18]
Distribuição
As Cucurbitaceae apresentam uma ampla distribuição cosmopolita, mas ocorrem principalmente nos trópicos e subtrópicos, com poucas espécies de regiões temperadas.[9] A maioria dos centros de diversidade ocorre nas regiões tropicais.
Usos
Muitas cucurbitáceas apresentam grande importância para a moderna horticultura e vários géneros de abóboras, e muitas outras espécies e variedades de cucurbitáceas de fruto maduro e de fruto imaturo "doce" (não amargo), pertencem a este grupo.
As plantas desta família são cultivadas nos trópicos e nas regiões temperadas, onde com os seus frutos comestíveis estão entre as primeiras plantas cultivadas no Velho e no Novo Mundo. A família Cucurbitaceae está entre as famílias de plantas com maior em número e percentagem de espécies utilizadas como alimento humano.[19]
De entre as mais de 975 espécie e cerca de 95-98 géneros,[3] que se conhecem, as mais importantes do ponto de vista económico pertencem aos seguintes géneros:
Luffa – várias espécies, conhecidas por loofah ou buchas, produzem frutos que quando completamente maduros são fibrosos e esponjosos, são utilizados como esfregão ou esponja corporal para higiene da pele.
Como são espécies de fácil cultivo, muitas espécies e cultivares têm mais importância económica do que normalmente se lhe reconhece, já que são tipicamente utilizadas como alimento de quem as cultiva e para comercialização local nos lugares onde são cultivadas, em sistemas agrícolas pequenos e sustentáveis, cujos dados estatísticos são geralmente ignorados. Praticamente todos as hortas familiares das regiões de climas temperados a quentes cultivam pelo menos uma variedade de fruto comestível pertencente a esta família.
Filogenia e sistemática
A filogenia das Cucurbitaceae é complexa e tem sido objecto de múltiplos estudos. Um dos mais antigos fósseis de cucurbitáceas até agora identificado foi atribuído a †Cucurbitaciphyllum lobatum, uma espécie do Paleoceno, descoberta em depósitos de Shirley Canal, Montana. Foi inicialmente descrita em 1924 pelo paleobotânico Frank Hall Knowlton. A folha fóssil é palmada, trilobada, com as reentrâncias dos lobos arredondado e margem inteira ou serrada. A presenta um padrão foliar similar aos membros extantes dos géneros Kedrostis, Melothria e Zehneria.[21]
A hipótese filogenética mais consensual de classificação da ordem Cucurbitales em famílias e géneros (com especial detalhe no caso da família Cucurbitaceae dada a sua diversidade e interesse económico) é a adoptada pelo sistema APG IV e tem a por base uma revisão filogenética global do grupo publicada em 2011.[24] A estrutura segue de perto a adoptada na obra de referência The Families and Genera of Vascular Plants (2011) editada por Klaus Kubitzki (o sistema de Kubitzki).[25]
A família Cucurbitaceae é tradicionalmente dividida em subfamílias, tribos e subtribos. As duas subfamílias são Nhandiroboideae, com uma única tribo (Zanonieae) e cinco subtribos, e Cucurbitoideae com dez tribos e nove subtribos.[34] Estudos filogenéticos baseados em caracteres moleculares dão suporte à classificação das subfamílias e da maioria das tribos, mas indicam que a maioria das subtribos não são monofiléticas.[35]
Lineu na sua obra Species Plantarum (1753) criou o nome genérico Cucurbita L. que naquela descrição inicial continha apenas 5 espécies, das quais na actualidade 3 são consideradas variedades de Cucurbita pepo, enquanto as restantes 2 espécies foram transferidas para outros géneros: a cabaça Lagenaria siceraria; e a melancia Citrullus lanatus.[41] Mais tarde, Antoine-Laurent de Jussieu repartiu os géneros por famílias e utilizou Cucurbita como género tipo da família Cucurbitaceae, publicada na sua obra Genera Plantarum 393–394. 1789.[42]
A classificação actual mais consensual é a baseada nas publicações do Angiosperm Philogeny Group (o APG), especialmente a descrição da família e a listagem dos seus géneros.[44] Uma lista das cucurbitáceas da Índia foi recentemente publicada.[45][46]
Classificação tribal
A classificação mais consensual das Cucurbitaceae estabelece a sua repartição por 15 tribos:[47][48]
A família Cucurbitaceae apresenta uma enorme diversidade de espécies e uma enorme diversidade morfológica, particularmente no que concerne ao fruto.[49][50][51][52] Como muitas espécies produzem frutos comestíveis, para além daquelas que são objecto de cultura comercial, existem centenas de cultivares que apenas têm expressão local, particularmente nas regiões tropicais. O géneros apresentados são apenas uma pequena amostra, pretendendo-se apenas demonstrar a variabilidade morfológica e de usos.
Género Luffa
O fruto de Luffa após amadurecer é um pixídio com mesocarpo fibroso.
Luffa
Vista distal da flor
Vista lateral da flor masculina (esquerda), gemas masculinas da inflorescência e flor feminina com as pétalas já encerrados (direita).
Fruto maturando, pétalas murchas.
Fruto maduro, pedúnculo a murchar.
Fruto maduro, pedúnculo murcho, opérculo desprendido no sector distal.
Vista distal, as sementes saem stravés do opérculo, mesocarpo fibroso.
Vista lateral, parte do exocarpo removida.
Exocarpo e parte do mesocarpo fibroso removidas, com as sementes aplanadas orientadas horizontalmente ao longo do eixo floral.
A distribuição natural do género Coccinia está restrita ao continente africano, salvo uma espécie comestível, Coccinia grandis. O fruto de Coccinia matura numa baga avermelhada ou alaranjada desde o sector distal ao proximal.[20]
Frutos a maturar de a: Coccinia hirtella, b: Coccinia sessilifolia (como a planta, coberto por uma capa cerosa), cCoccinia megarrhiza e C. megarrhiza x C. trilobata.
Coccinia grandis é a única do género cuja distribuição abarca regiões fora de África, os frutos consomem-se imaturos como verdura de estação. Também são comestíveis maduros.
Género Trichosanthes
Os frutos de Trichosanthes são similares exteriormente a Coccinia (as sementes podem ser escuras), mas as suas espécies estão distribuídas pela Ásia tropical[53] e Australia[53] salvo Trichosanthes cucumerina var. anguina que se cultiva também en África. Para além das diferenças no fruto, apresenta pétalas tipicamente brancas e fimbriadas, de tubo floral alongado e fragantes, adaptados à polinização nocturna por lepidópteros.[54]
Hábito, fruto e sementes de T. napoiensis e T. pedata na China.
Trichosanthes cucumerina var. anguina comsome-se imaturo, como verdura de estação, a sua polpa madura como substituto do tomate. Flor com pétalas a desabrochar.
A única árvore da família Cucurbitaceae é a espécie Dendrosicyos socotranus, um paquicaule que ganhou o hábito arborescente a partir do hábito trepador ancestral.[10] Em inglês a espécie é conhecida pelo nome comum de cucumber tree, a árvore do pepino, devido ao carácter de pepónio dos seus frutos. O ramos herbáceos são pendentes. Sobrevive como uma relíquia na ilha de Socotorá (frente à costa do Corno de África) mas é muito mais antiga que a própria ilha, pelo que se postula que anteriormente estivesse mais amplamente distribuída.[36]
Existem cerca de 975 espécies identificadas dentro das Cucurbitaceae que estão distribuídas em cerca de 95 a 100 géneros.[7][55]
Géneros e sua distribuição
As famílias filogeneticamente mais próximas das Cucurbitaceae no contexto da ordem Cucurbitales são as Begoniaceae, as Datiscaceae e as Tetramelaceae.[56] A seguinte listagem segue a classificação eleborada por Charles Jeffrey em 2005,[57] com as alterações que resultam dos trabalhos do APG:
CucumisL. (52 espécies na África, Madagáscar, Ásia até ao norte da Austrália; inclui CucumellaChiov. (11 espécies), DicoelospermumC.B.Clarke (1 espécie), MukiaArn. (6 espécies), MyrmecosicyosC.Jeffrey (1 espécie) e OreosyceHook. f. (1 espécie), em 2007 transferida para Cucumis[61])
No Brasil ocorrem cerca de 30 géneros distribuídos em todos os estados e em todos os domínios fitogeográficos: amazônia, caatinga, cerrado, mata atlântica, pampa e pantanal.[62] Os géneros presentes são os seguintes:
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