Um polímata (do grego πολυμαθής, transl.polymathēs, lit. "aquele que aprendeu muito")[1] é uma pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área. Em termos menos formais, um polímata pode referir-se simplesmente a alguém que detém um grande conhecimento em diversos assuntos. Muitos dos cientistas antigos foram polímatas de acordo com os padrões atuais.[2]
O Homem do Renascimento
Os termos de homem renascentista e, menos comumente, de homo universalis (em latim: "homem universal" ou "homem do mundo") estão relacionados e são usados para descrever uma pessoa bem educada e que se sobressai numa variedade de áreas.[3] Esta ideia desenvolveu-se durante o período renascentista italiano, condensada na afirmação de um de seus representantes mais conhecidos, Leon Battista Alberti (1404—1472): "um homem pode fazer todas as coisas que quiser". Isto incorporou os termos básicos do humanismo renascentista, que considerava o Homem como um ser forte e ilimitado em suas capacidades, e levou à noção de que as pessoas deveriam abraçar todo o conhecimento e desenvolver as suas capacidades ao máximo possível. Ainda, os renascentistas mais talentosos procuraram desenvolver as suas habilidades em todas as áreas do conhecimento, no desenvolvimento físico, nas conquistas sociais e nas artes.
A aptidão para várias áreas do saber é uma das principais características que podem distinguir um gênio. Um dos polímatas mais conhecidos mundialmente foi Leonardo da Vinci.[4]
Heráclito
O filósofo grego Heráclito de Éfeso usou do termo polymathía para criticar filósofos, poetas e historiadores, mas sobretudo a Homero, célebre poeta grego, cuja pluralidade de conhecimentos tornava o discurso superficial. Para Heráclito, não se poderia abraçar um discurso generalista, ou discorrer sobre aquilo a que não se tem conhecimento de fato (como quando num texto ficcional, o poeta descreve hábitos e atividades que não lhe são característicos na realidade).
Devido a isso, considera polímatas adversários do logos quem procura absorver o máximo de conhecimentos gerais, sem contudo buscar entender a própria natureza (physis) -- a qual só pode ser desvendada através do logos.
Embora a polimatia ou construtos similares tenham ganhado uma cobertura mais ampla nos meios populares, a polimatia como campo de estudo científico ainda está numa fase incipiente.[9][10] As abordagens existentes são variadas e oriundas de diversas áreas de atuação, com pesquisadores vindos de áreas tão diversas quanto psicologia, fisiologia, matemática, administração e educação. Ainda que iniciais, essas pesquisas já demonstram o quanto o crescimento dessa área é importante para compreensão humana e como sua divulgação impacta positivamente na transformação da sociedade em que vivemos hoje. Dado o pequeno número de autores que já publicaram sobre a polimatia em meios acadêmicos, o artigo secciona as diferentes visões sobre polimatia por grupos de autores.
Robert Root-Bernstein e colegas
Um dos grandes responsáveis por reacender a discussão sobre polimatia na academia é Robert Root-Bernstein. Ele é professor de fisiologia na Michigan State University e já foi agraciado com a bolsa MacArthur Fellowship, conhecida extraoficialmente como uma “bolsa para gênios", e é concedida a pesquisadores como premiação por originalidade e dedicação extraordinárias em suas atividades criativas e pela capacidade marcante de auto direcionamento.
Robert Root-Bernstein usa o contraponto entre os especialistas e os possuidores de proficiência e criatividade em múltiplos domínios, os polímatas, para argumentar sobre a importância da universalidade no processo criativo onde afirma que artes e ciências estão interligadas por processos de pensamento que ocorrem num estado pré-verbal e pré-comunicativo. Portanto, não é de surpreender que muitos dos cientistas mais inovadores tenham hobbies ou interesses sérios em atividades artísticas, e que alguns dos artistas mais inovadores têm interesse ou hobbies nas ciências.[11][12][13]
Sua pesquisa é um importante contraponto aos pesquisadores da área de criatividade que a veem como um fenômeno que de domínio específico em vez de domínio geral. Através da sua pesquisa, Root-Bernstein conclui existem certas habilidades e ferramenta de pensamento abrangentes que atravessam a barreira dos diferentes domínios:
“Quem discute a integração de ideias de diversos campos como a base da genialidade criativa não deveria perguntar ‘quem é criativo?’, mas “qual é a base do pensamento criativo? Da perspectiva da polimatia, a genialidade criativa é a capacidade de combinar ideias díspares (ou até mesmo aparentemente contraditórias), conjuntos de problemas, habilidades, talentos e conhecimentos de maneiras novas e úteis. A polimatia é, portanto, a principal fonte do potencial criativo de qualquer indivíduo.” (p. 854).[13]
Em Life Stages of Creativity,[14] Robert e Michele Root-Bernstein dialogam com a literatura da criatividade, trazendo a perspectiva da produtividade dentro das fases da vida criativa. Essa mesma produtividade da criatividade pode variar de acordo com a idade e profissões específicas.
Dois tipos diferentes de produtividade da criatividade são propostos por Robert e Michele Root-Bernstein, sendo eles a Produtividade Total (‘total productivity’) e a Produtividade Efetiva (‘effective productivity’). A produtividade total é definida como o número total de criações profissionais que uma pessoa gera durante qualquer período de tempo. Essas criações podem ser livros ou artigos publicados, pinturas, peças musicais compostas, esculturas concluídas, novos processos e etc.
A produtividade efetiva, em contraste, emprega critérios seletivos para avaliar o valor dos produtos. Nem toda pintura de um indivíduo é tão boa ou tão importante (para o individual ou para a comunidade de arte) como todos os outros. A produtividade eficaz é uma medida das mais importantes contribuições que um indivíduo faz, e assim separa o trigo metafórico do joio. A produtividade eficaz pode ser medida por meios variados, incluindo o número de referências a uma criação, se ela ainda é exibida, executada, usada (ou seja, se resistiu ao teste do tempo), seu "impacto" (por exemplo, quantas pessoas citam o trabalho em um determinado período de tempo) e assim por diante.
Root-Bernstein diz que existem muitas maneiras produtivas de navegar pelos estágios da vida criativa, porém cada um dos quais requer estratégias diferentes e cada um deles apresenta um conjunto diferente de obstáculos e oportunidades. Criatividade não precisa ser limitada a uma única disciplina
embora certamente possa ser.
Por fim, seus estudos sugerem que compreender a polimatia pode ajudar a fornecer um novo modelo para promover uma educação mais inovadora.
Beghetto, Kaufman e colegas
Partindo do ponto de vista do sistema de ensino e dos métodos para educação para a criatividade, os pesquisadores Ronald A. Beghetto, da Neag School of Education na Universidade de Connecticut e James Kaufman, também da Universidade de Connecticut, fizeram alguns apontamentos sobre o potencial criativo em artigo publicado em 2008: Do we all have multicreative potential? (tradução literal: “Todos nós temos potencial multicriativo?”). Beghetto e Kaufman fazem questionamentos iniciais como: será que apenas algumas pessoas são destinadas a serem multicriativas – capazes de contribuições únicas e significativas em domínios não relacionados?
Eles argumentam que todos os alunos têm potencial multicriativo e discutem esse argumento à luz de diferentes concepções de criatividade, afirmando que a probabilidade de expressar o potencial multicriativo varia entre os níveis de criatividade (mais provavelmente em níveis menores de criatividade; o menos provável em níveis profissionais e eminentes de criatividade). Ao final dos estudos, os pesquisadores oferecem considerações sobre como os educadores podem cultivar o potencial criativo de seus alunos.[15][16]
Bharath Sriraman
Em 2009, o professor e pesquisador indiano Bharath Sriraman da Universidade de Montana, realizou uma investigação experimental com 120 alunos da educação infantil, matriculados na pré-escola. O artigo chamado Mathematical paradoxes as pathways into beliefs and polymathy (tradução literal: “Paradoxos matemáticos como caminhos para crenças e polimatia”)[17] aborda o papel dos paradoxos matemáticos no fomento do pensamento polímata entre os alunos-professores da escola primária em formação no pre-service teacher education program, o programa americano de treinamento de professores que visa prepará-los antes de chegarem as salas de aula.
Depois de um estudo de três anos, o relatório do estudo indicou implicações para programa de formação dos professores de matemática, bem como a educação interdisciplinar. Uma abordagem hermenêutico-fenomenológica foi usada para recriar as emoções, vozes e lutas dos estudantes enquanto eles tentavam desvendar o paradoxo de Russell apresentado em sua forma linguística. Com base nas evidências reunidas, alguns argumentos foram feitos para os benefícios e perigos no uso de paradoxos na educação infantil de matemática para promover a polimatia, mudar crenças, descobrir estruturas e abrir novos caminhos para a pedagogia interdisciplinar.
Michael Araki
Michael Araki foi o primeiro pesquisador a formalizar num modelo geral como se dá o desenvolvimento de polimatia. Através de uma análise da literatura, o pesquisador concluiu que entre as diferentes conceituações da polimatia emergem três elementos comuns: abrangência, profundidade e integração.[9][10]
A abrangência é o elemento mais conspícuo da polimatia. Está intimamente ligado ao radical grego poli, que significa muitos ou vários. O contrário da abrangência é o estreitamento, ou embridamento do conhecimento, das experiências e das visões de mundo. A abrangência pode ser dividida em dois subcomponentes: a extensão e a diversidade. Extensão se refere à latitude ou amplitude de conhecimento de alguém e Diversidade se refere à qualidade de possuir conhecimento em domínios não adjacentes, não relacionados, ou não comuns.
A profundidade é o oposto da superficialidade. Quando uma pessoa possui abrangência mas lhe falta profundidade, ela é chamada de diletante — i.e., alguém que se interessa por diversas coisas, mas de forma leviana, e que não chega a aprofundar o seu conhecimento em nenhuma das suas áreas de interesse —, e não de polímata.
A integração se dá em três diferentes níveis: no nível das ideias, que é a capacidade de conectar, articular e sintetizar diferentes ideais (ver também mathemata) ou diferentes matrizes de pensamento; no nível da personalidade, isto é, a capacidade de integrar diversas atividades num todo sinérgico, o que abarca um todo também psicológico; e no nível meta-cognitivo, que é a capacidade que uma pessoa tem de arquitetar e manipular sua própria capacidade cognitiva integradora. Trazendo um novo olhar e novas perspectivas para o campo da polimatia, o artigo Polymathy: A New Outlook ( “Polimatia: Uma nova perspectiva”) publicado em 2018 no Journal of Genius and Eminence (tradução literal: “revista da genialidade e eminência”)[9] vem tratar do fenômeno e avança sobre um novo modelo que sistematiza as diferentes variáveis envolvidas em seu desenvolvimento. O artigo, dividido em quatro seções, envolve: (i) uma reflexão sobre a natureza da polimatia; uso do termo mathema como a unidade que sustenta o desenvolvimento do conhecimento polímata, e a identificação e discussão sobre os elementos que constituem as qualidades fundamentais da polimatia; (ii) a introdução da polimatia como um projeto de vida, inspirado em abordagens psicoeconômicas anteriores e trazendo uma nova perspectiva sobre o fenômeno; (iii) introdução de um modelo de desenvolvimento de polimatia que organiza os diferentes construtos envolvidos em um modelo nomológico que pode servir de base para futuros estudos; e (iv) uma discussão sobre as implicações para a pesquisa, prática e política.
Angela Cotellessa
Um dos estudos mais recentes sobre o tema é a Tese de Doutorado de Angela Cotellessa pela George Washington University e traz um estudo fenomenológico focado nas experiências vividas por polímatas modernos.[18] Os construtos de abertura à experiência, identidade, aprendizagem auto direcionada, polimatia ou multidisciplinarmente e diversidade funcional intrapessoal foram usados para embasar a pesquisa. A investigação centrou-se em polímatas realizados com carreiras que abrangem tanto as artes como as ciências. As narrativas dos participantes forneceram insights sobre como eles se tornaram e como estavam sendo suas experiências como polímatas. Após esse estudo, a pesquisadora finaliza o artigo com sete conclusões:
Para ser um polímata, é preciso aceitar que não se encaixa numa caixa comum e talvez até mesmo incorporar aparentes contradições; a polimatia está sendo intrapessoalmente diversa;
Os polímatas são expostos de forma ampla, fina, criativa e estrategicamente, e manipulam seus muitos interesses e obrigações por meio do gerenciamento efetivo do tempo;
Ser polímata pode tornar a vida mais rica, mas também pode ser bastante difícil;
Os polímatas são excelentes em serem criativos e resolver problemas criativamente;
A polimatia se desenvolve devido a uma combinação de natureza e educação e é mantida na idade adulta pela vontade de continuar a trabalhar para melhorar a si mesmo através da aprendizagem autodirigida;
A identidade de polímata é descoberta por não se encaixar; uma identidade polímata pode ser difícil de possuir e explicar aos outros;
Os recursos familiares e financeiros afetam a emergência da polimatia. Várias recomendações para teoria, prática e pesquisa também são fornecidas.
↑Root-Bernstein, Robert (2003). «Artistic Scientists And Scientific Artists: The Link Between Polymathy And Creativity». Creativity: From potential to realization, pp.127-151.
↑ abRoot-Bernstein, Robert (2009). «Multiple Giftedness in Adults: The Case of Polymaths». International Handbook on Giftedness
↑Root-Bernstein R. and Root-Bernstein M. (2011) Life Stages of Creativity. In: Runco MA, and Pritzker SR (eds.) Encyclopedia of Creativity, Second Edition, vol. 2, pp. 47-55 San Diego: Academic Press.
↑Cotellessa, Angela (2018). In Pursuit of Polymaths: Understanding Renaissance Persons of the 21 st Century. Washington, DC: Doctoral dissertation, The George Washington University|acessodata= requer |url= (ajuda)