O acádio (lišānum akkadītum), também conhecido como acadiano ou assiro-babilônio,[1] era uma língua semítica, parte da família afro-asiática, falada na antiga Mesopotâmia,[2] particularmente pelos assírios e babilônios. A mais antiga língua semítica registrada, ela utilizava a escrita cuneiforme, que, por sua vez, havia sido derivada do antigo sumério, uma língua isolada sem qualquer parentesco. O nome da língua é derivado da cidade de Acádia, um dos principais centros da civilização mesopotâmica.
Os escribas acadianos escreviam a língua por meio da escrita cuneiforme, um sistema desenvolvido pelos sumérios que utilizava sinais em forma de cunha impressos em argila úmida. Da maneira que os escribas acadianos a empregavam, a escrita cuneiforme podia representar ou (a) logogramas sumérios (ou seja, caracteres desenvolvidos a partir de figuras que representavam palavras inteiras), (b) sílabas sumérias, (c) sílabas acádias, ou (d) complementos fonéticos. A escrita cuneiforme era inapropriada para o idioma acádio em diversos sentidos: entre suas falhas estava a impossibilidade de representar importantes fonemas das línguas semíticas, como a oclusiva glotal, as consoantes faringais, e as consoantes enfáticas. Além disso, a escrita cuneiforme era um silabário — isto é, uma consoante mais a vogal formavam uma unidade de escrita — o que era frequentemente pouco apropriado para uma língua semítica formada por raízes triconsonantais (três consoantes sem as vogais).
Desenvolvimento
O acádio é divido em diversas variedades de acordo com a geografia e o período histórico:[4]
Acádio antigo — 2500 – 1950 a.C.
Babilônio antigo/Assírio antigo — 1950 – 1530 a.C.
Pelo que pode ser descoberto por meio da ortografia cuneiforme, diversos fonemas proto-semíticos se perderam no acadiano. A oclusiva glotal proto-semítica *ʾ, assim como as fricativas*ʿ, He*h, *ḥ, *ġ se perdem como consoantes, tanto na mudança de som como de ortografia, dando origem a uma vogal e que não existia no proto-semítico. As fricativas laterais interdentais e fricativas laterais surdas (*ś, *ṣ́) se fundiram com as sibilantes, assim como no cananeu, restando 19 fonemas consonantais:
A tabela abaixo mostra os diferentes afixos ligados ao aspecto pretérito da raiz PRS do verbo "decidir", e como pode ser visto, os gêneros gramaticais diferem apenas na segunda pessoa do singular e terceira pessoa do plural.
G-Raiz
D-Raiz
Š-Raiz
N-Raiz
1° Pessoa do singular
a-prus-Ø
u-parris-Ø
u-šapris-Ø
a-pparis-Ø
1° Pessoa do plural
ni-prus-Ø
nu-parris-Ø
nu-šapris-Ø
ni-pparis-Ø
2° Pessoa do singular masc.
ta-prus-Ø
tu-parris-Ø
tu-šapris-Ø
ta-pparis-Ø
2° Pessoa do singular fem.
ta-prus-ī
tu-parris-ī
tu-šapris-ī
ta-ppars-ī
2° Pessoa do plural
ta-prus-ā
tu-parris-ā
tu-šapris-ā
ta-ppars-ā
3° Pessoa do singular
i-prus-Ø
u-parris-Ø
u-šapris-Ø
i-pparis-Ø
3° Pessoa do plural masc.
i-prus-ū
u-parris-ū
u-šapris-ū
i-ppars-ū
3° Pessoa do plural fem.
i-prus-ā
u-parris-ā
u-šapris-ā
i-ppars-ā
Padrão do verbo
Os verbos acádios possuem treze diferentes raízes gramaticais. As três modificações básicas da raiz simples (que recebe o número I, ou é chamada de Grundstamm, G-Stamm) são a duplicação da segunda letra da raiz (II ou Doppelungsstamm, D-Stamm), o prefixo "š" (III ou Š-Stamm) e o prefixo "n" (IV or N-Stamm). Uma segunda série de verbos é criada colocando-se um infixo: a sílaba tan é inserida entre as duas letras da raiz, criando um conjunto de raízes geralmente reflexivas. Estes dois conjuntos de quatro raízes são as mais usadas costumeiramente em acádio. A raiz final utiliza tanto o š-prefix como a duplicação da segunda letra da raiz. As raízes, sua nomenclatura e exemplos do predicativo da terceira pessoa masculina e singular do verbo parāsum (raiz PRS: 'decidir, distinguir, separar') são:
geminação do segundo radical, indicando o intensivo
raiz árabe II (fa‘‘ala) e hebraica pi‘el
III.1
Š
šuPRuS
preformativa "š", indicando o causativo
raiz árabe IV (’af‘ala) e hebraica hiph‘il
IV.1
N
naPRuS
preformativa "n", indicando o reflexivo/passivo
raiz árabe VII (infa‘ala) e hebraica niph‘al
I.2
Gt
PitRuS
raiz simples com o infixo "t" depois do primeiro radical, indicando recíproca ou reflexiva
raiz árabe VIII (ifta‘ala) e à aramaica ’ithpe‘al (tG)
II.2
Dt
PutaRRuS
segundo radical dobrado precedido pelo "t" infixado, indicando reflexivo intensivo
raiz árabe V (tafa‘‘ala) e hebraica hithpa‘el (tD)
III.2
Št
šutaPRuS
preformativo "š" com o infixo "t", indicando causativo reflexivo
raiz árabe X (istaf‘ala) e à aramaica ’ittaph‘al (tC)
IV.2
Nt
itaPRuS
performativo "n" com o infixo "t" precedido pelo primeiro radical, indicando reflexivo passivo
I.3
Gtn
PitaRRuS
raiz simples com o infixo "tan" depois do primeiro radical
II.3
Dtn
PutaRRuS
segundo radical duplicado precedido pelo infixo "tan"
III.3
Štn
šutaPRuS
preformativo "š" com o infixo "tan"
IV.3
Ntn
itaPRuS
preformativo "n" com o infixo "tan"
Os verbos acádios demonstram geralmente sua raiz consonantal, embora também existam algumas raízes com duas ou quatro consoantes. Existem três tempos verbais: presente, pretérito e permansivo. O tempo presente indica ações incompletas e o pretérito indica ações completas, enquanto o permansivo expressa um estado ou condição e geralmente está no particípio.
O acádio, ao contrário do árabe, tem plurais quase sempre regulares (ou seja, não tem plurais quebrados), embora algumas palavras masculinas tenham plurais femininos. Neste ponto, é similar ao hebraico.
Estativo
šarrum
rapšum
parsum
1° Pessoa do singular
šarr-āku
rapš-āku
pars-āku
1° Pessoa do plural
šarr-ānu
rapš-ānu
pars-ānu
2° Pessoa do singular masc.
šarr-āta
rapš-āta
pars-āta
2° Pessoa do singular fem.
šarr-āti
rapš-āti
pars-āti
2° Pessoa do plural masc.
šarr-ātunu
rapš-ātunu
pars-ātunu
2° Pessoa do plural fem.
šarr-ātina
rapš-ātina
pars-ātina
3° Pessoa do singular masc.
šar-Ø
rapaš-Ø
paris-Ø
3° Pessoa do singular fem.
šarr-at
rapš-at
pars-at
3° Pessoa do plural masc.
šarr-ū
rapš-ū
pars-ū
3° Pessoa do plural fem.
šarr-ā
rapš-ā
pars-ā
Numerais
#
Número cardinal (masc.)
Número cardinal (fem.)
Congruência (Gênero combina com o número cardinal)
A ordem das palavras no acádio era Sujeito+Objeto+Verbo (SOV), o que a diferencia da maioria das outras línguas semíticas antigas, tais como o árabe e o hebraico bíblico, que têm tipicamente uma ordem Verbo-Sujeito-Objeto (VSO). As línguas semíticas do sul da Etiópia de hoje em dia também possuem a ordem SOV, mas esta foi desenvolvida ao longo da era histórica pela língua ge'ez, tradicionalmente SVO. Já se especulou que esta ordem de palavras foi resultado da influência do sumério, que também era SOV. Há evidências de que os falantes nativos de ambas as línguas estavam em íntimo contato linguístico, formando uma única sociedade por pelo menos 500 anos, então é perfeitamente possível que um sprachbund possa ter sido formado. Maiores provas de que uma ordem originalmente VSO ou SVO podem ser encontradas no fato de que os pronomes de objeto direto e indireto são sufixados ao verbo. A ordem das palavras deve ter mudado para SVO/VSO no final do primeiro milênio a.C. até o primeiro milênio d.C., possivelmente sob a influência do aramaico.
Exemplo de texto
O texto a seguir é a 7° seção do Código de Hamurábi, escrito possivelmente no século XVIII a.C.
seja morto 3° pessoa, singular, passivo, tempo presente
Tradução: Se um homem comprou prata, ouro, um escravo, uma escrava, um boi, uma ovelha, um burro ou outra coisa das mãos de outro homem ou um escravo de um homem sem testemunhas ou contrato, ou recebeu (eles) para um depósito (também sem), então este homem é um ladrão, ele será morto.
↑ abConsoantes acadianas de ênfase são reconstruídas como ejetivas (Hetzron, Robert (1997) . "The Semitic languages ". Taylor & Francis, 1997. p8).
↑ abSomente são distinguidos de Ø (zero) reflexos de /ḥ/ e /ʻ/ com /e/-colorindo a vogal adjacente *a, e.g. PS *ˈbaʻ(a)l-um ('dono, senhor') → Akk. bēlu(m) (Dolgopolsky 1999, p. 35).
Cherry, A. (2003). A basic neo-Assyrian cuneiform syllabary. Toronto, Ont: Ashur Cherry, York University.
Cherry, A. (2003). Basic individual logograms (Akkadian). Toronto, Ont: Ashur Cherry, York University.
Gelb, I. J. (1961). Old Akkadian writing and grammar. Materials for the Assyrian dictionary, no. 2. Chicago: University of Chicago Press. ISBN 0-226-62304-1
Referências gerais
Bussmann, Hadumod (1996). Routledge Dictionary of Language and Linguistics. New York: Routledge. ISBN 0-415-20319-8
Caplice, Richard (1980). Introduction to Akkadian. Rome: Biblical Institute Press. (1983: ISBN 88-7653-440-7; 1988, 2002: ISBN 88-7653-566-7) (The 1980 edition is partly available online.)
Huehnergard, John (2005). A Grammar of Akkadian (Second Edition). Eisenbrauns. ISBN 1-57506-922-9
Marcus, David (1978). A Manual of Akkadian. University Press of America. ISBN 0-8191-0608-9
Mercer, Samuel A B (1961). Introductory Assyrian Grammar. New York: F Ungar. ISBN 0-486-42815-X
Soden, Wolfram von (1952). Grundriss der akkadischen Grammatik. Analecta Orientalia 33. Roma: Pontificium Institutum Biblicum. (3rd ed.: ISBN 88-7653-258-7)