Constituiu-se na maior Armada até então enviada ao hemisfério sul, integrada por cinquenta e dois navios transportando quase catorze mil homens, sob o comando de D. Fadrique de Toledo Osório, Capitão Geral da Armada do Brasil. Esses navios bloquearam o porto de Salvador, obtendo a rendição holandesa e a sua retirada a 1 de maio desse ano.
A revolta contra os invasores foi tomando corpo, a partir das resistências locais. Após quase um ano de ocupação, a situação dos invasores era dramática. A falta de alimentos fomentava doenças e muitas insatisfações. O comando das tropas julgava-se esquecido pela Companhia das Índias que não enviava mantimentos e tropas frescas. O golpe de misericórdia nas aspirações batavas chegou na quinta-feira santa de 1625, dia 27 de março, com a aproximação rumo ao porto de Salvador de uma poderosa força naval de 56 vasos de guerra, mais de um milhar de peças de artilharia e cerca de 12 mil soldados, entre forças portuguesas, castelhanas e napolitanas. Essa força ficou eternizada como Jornada dos Vassalos, por conta da quantidade considerável de nobres que embarcaram, todos sob o comendo do militar espanhol D. Fadrique de Toledo Y Osório. Mas engana-se quem acha que os batavos se renderam à primeira visão de uma esquadra tão numerosa e bem municiada. Os poucos mais de dois mil holandeses empreenderam uma encarniçada resistência aos restauradores, só começando a fraquejar depois de quase um mês de intenso bombardeio da cidade e uma onda de deserções nas suas tropas, sobretudo de mercenários tedescos, franceses e ingleses. E ainda houve tempo para um amotinamento da tropa restante, insatisfeita e certamente já desejosa de uma rendição. A 30 de abril de 1625 a capitulação foi assinada pelos comandantes das forças envolvidas. Aos holandeses foi garantida uma retirada sem serem molestados, embarcando para a Europa. Aos escravos e homens livres que colaboraram com o invasor não houve essa complacência: todos pereceram na forca.[1]
Em Pernambuco e em Portugal haviam sido preparadas expedições de socorro, que precederam a esquadra luso-espanhola. Matias de Albuquerque, Governador da Capitania de Pernambuco, foi nomeado Governador-Geral, enviando de Olinda expressivos reforços para a guerrilha sediada no Arraial do rio Vermelho e no Recôncavo. Já Salvador Correia de Sá e Benevides seguira num comboio de 30 navios comandando a nau Nossa Senhora da Penha de França, com combatentes e mantimentos. No Rio de Janeiro recebera do Governador, seu pai, a incumbência de recrutar homens na capitania de São Vicente antes de rumar à Bahia. Nesta expedição, arriscada diante do domínio neerlandês dos mares, recrutou cerca de 200 homens, embarcados em duas caravelas e três canoas de guerra, e rumou a Salvador. Na Bahia, tendo chegado poucos dias antes ao campo dos invasores, distinguiu-se na conquista da praça a 1 de Maio de 1625. Na vitória teve também um papel destacado a destreza dos índios arqueiros trazidos por Salvador de Sá dos aldeamentos de jesuítas das Capitanias do Rio de Janeiro e São Vicente.
O enorme gasto da WIC com a fracassada invasão a Salvador foi recuperado quatro anos mais tarde, num audacioso ato de corso quando, no mar do Caribe, o Almirante Piet Heyn, a serviço da WIC, interceptou e saqueou a frota espanhola que transportava o carregamento anual de prata extraída nas colônias americanas, permitindo uma nova invasão, desta vez à Capitania de Pernambuco, que se estendeu de 1630 a 1654.
Testemunhos
A invasão neerlandesa de 1624-1625 a Salvador teve o testemunho de personalidades como o padre António Vieira. Na Bahia desde os seis anos de idade, ingressara na Companhia de Jesus como noviço em Maio de 1623 e, em 1624, quando da invasão, refugiara-se no interior da capitania onde iniciou a vocação missionária. Estes confrontos terão influenciado a sua posição quanto à questão da Região Nordeste do Brasil.[nota 1]
Frei Vicente do Salvador, aprisionado em Salvador pelos invasores até à sua retomada, terá ouvido a narração dos acontecimentos do próprio Salvador de Sá em 1625, deixando o seu testemunho na sua "Historia do Brazil" (1627).[3]
D. Manuel de Meneses, general da Armada de Portugal capitaneava a parte portuguesa (maioritária) da expedição. Escreveu a sua Relação da Restauração da Bahia em o anno de 1625, que apenas foi editada em 1859, por Francisco Adolfo de Varnhagen "a quem a fortuna deparára o original inedito em Madrid; e que depois de copiada e por elle conferida, foi enviada ao Instituto histórico do Brasil, e por este mandada publicar" (Inocêncio Francisco da Silva): saiu na Revista Trimensal, vol. XXII, pag. 357 a 412, e continuada da pag. 526 a 533.
A não publicação da relação duma vitória que na época deu ocasião a muito grandes regozijo (lembremos o quadro de Juan Bautista Maíno: "La recuperación de Bahía", e a peça de teatro de Lope de Vega: "El Brasil restituido"), vitória contada por um dos seus mais importantes capitães, tem algo de estranho: a solução desse enigma encontra-se sem dúvida no que Carlos Ziller Camenietzki e Gianriccardo Grassia Pastore chamaram a "Guerra de tintas" . A publicação da relação de D. Manuel não foi autorizada; efectivamente esta vitória deu lugar a uma guerra textual entre os portugueses e os espanhóis. Lembremos que na época Portugal estava sob dominação espanhola, uma dominação não oficial já que Portugal e Espanha eram dois reinos com um só rei numa configuração denominada de União Pessoal. Mas a dominação era efectiva e os fidalgos portugueses afastados dos lugares de comando essenciais manifestaram-se nessa ocasião, cada campo relevando o seu papel na vitória. D. Manuel não escapava a essa contenda, a sua relação mostrando em várias reflexões a sua frustração e a dos portugueses, por exemplo no momento da redição da Cidade, onde foram os castelhanos autorizados a entrar em primeiro.
O governo da Monarquia Católica percebeu o problema. Diante do andamento da guerra de tintas, o Conselho de Estado de D. Felipe IV não se furtou a tomar medidas voltadas à contenção dos ânimos: "a multiplicação de relações, crônicas e histórias do feito de Salvador foi proibida.[nota 2]
Partes desta relação encontram-se no artigo sobre D. Manuel de Meneses, assim como uma explicação mais detalhada da Guerra de Tintas.
Notas
↑Quando da segunda invasão holandesa ao Nordeste do Brasil (1630-1654), o padre António Vieira defenderia que Portugal entregasse a região às Províncias Unidas, pois gastava dez vezes mais com sua manutenção e defesa do que o que obtinha em contrapartida, além do fato de que os holandeses eram um inimigo militarmente muito superior. Quando eclodiu uma disputa entre Dominicanos (Inquisição) e Jesuítas (catequistas), o religioso, defensor infatigavel dos direitos humanos, da abolição da distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos e da abolição da escravatura, critico severo da Inquisição, ver-se-ia enfraquecido pela derrota da sua posição quanto à questão da Região Nordeste do Brasil.
↑Assim o declara Stuart Shwartz: "The council of State acted to "prevent the publication before Menezes could publish his".[4]
↑John Huxtable Elliott. "The old world and the new 1492-1650". Cambridge University Press, 1992, ISBN 0-521-42709-6
↑Roberto González Echevarría; Enrique Pupo-Walker. "The Cambridge History of Latin American Literature: Brazilian literature". Cambridge University Press, 1996. ISBN 0-521-41035-5
↑Consulta, Council of State, April 1623 [sic], British Library, London, Egerton 324, fol. 18".
Bibliografia
Bartolomeu Guerreiro. Jornada dos vassalos da coroa de Portugal (1625).
BOXER, C. R.. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686. São Paulo: Companhia Editora Nacional; Editora da Universidade de São Paulo, 1973.
BOXER, C. R.. Salvador de Sá and the struggle for Brazil and Angola, 1602-1686. Greenwood Press, 1975. ISBN 0-8371-7411-2
JAQUES, Tony. Dictionary of Battles And Sieges. Greenwood Publishing Group, 2006. ISBN 0-313-33536-2