A diferença entre os termos Inconfidência e Conjuração pode ser elucidada com base histórica e semântica.
Inconfidência era originalmente utilizado no século XVIII com o significado de traição ou deslealdade ao rei, conforme explicado pelo professor Luiz Carlos Villalta. O termo foi adotado pela coroa portuguesa para desqualificar aqueles que se insurgiam contra seu domínio, sendo um dos movimentos mais conhecidos sob esse nome a Inconfidência Mineira, desmantelada em 1789, liderada por figuras como Tiradentes, que buscavam a independência de Minas Gerais do jugo colonial português.[1]
Por outro lado, Conjuração Mineira é um termo mais recentemente adotado para descrever o mesmo movimento. Esse termo se aproxima mais dos ideais e intenções dos participantes da revolta, pois denota uma ação planejada para alcançar um objetivo político específico, neste caso, a emancipação de Minas Gerais. A palavra conjuração também carrega menos carga pejorativa do que inconfidência, pois não implica automaticamente traição, mas sim um movimento de resistência contra uma autoridade percebida como opressiva.[1]
Ao adotar o termo Conjuração, reconhece-se a legitimidade dos anseios por liberdade e autonomia política dos rebeldes, situando-os dentro de um movimento mais amplo de resistência e transformação social na época, e há de se ressaltar que seu uso tem sido mais amplamente aceito e adotado na historiografia contemporânea, refletindo uma revisão crítica da terminologia histórica e uma tentativa de representar de maneira mais fiel os eventos e motivações dos envolvidos.[2]
Contexto de sedições nas Minas
Desde a primeira metade do século XVIII ocorreram na capitania de Minas Gerais sucessivos motins. As razões para tais ocorrências variavam em torno de questões como tributação, abastecimento de alimentos e ações das autoridades, com destaque para a Guerra dos Emboabas e a Revolta de Filipe dos Santos. Enquanto alguns levantes buscavam apenas a restauração de um equilíbrio de poder, outros afrontaram a imposição da soberania régia. Foi o caso da sedição do sertão do rio São Francisco, ocorrida em 1736 e que se voltou contra as autoridades reais e a capitação — cobrança dos quintos reais realizada com base no número de escravos.[3]
Durante o reinado de José I (1750–1777), eclodiram inconfidências em locais isolados de Minas — Curvelo (1760-1763), Mariana (1769), Sabará (1775) e de novo Curvelo (1776) —, sempre em função de atritos com autoridades e seus aliados. Ao contrário da Inconfidência Mineira, esses motins anteriores implicavam manifestações concretas de violência, com a população na rua, arruaças, vivas à liberdade e referência a apoios de outras potências colonizadoras.[3]
A partir do final do século XVIII, houve uma diminuição na produção de ouro nas Minas Gerais.[4] Como resposta a essa situação, a Coroa portuguesa tomou medidas para intensificar o controle fiscal sobre sua colônia na América do Sul. Em 1785, foi promulgada uma proibição das atividades fabris e artesanais na colônia. Esta medida foi justificada sob a alegação de que os colonos estavam desviando seus esforços das atividades agrícolas e da exploração das terras para se dedicarem às manufaturas, o que resultaria em prejuízos para a agricultura e a exploração das sesmarias. Além disso, foram implementadas taxações severas sobre os produtos provenientes da metrópole.[5]
Antecedentes
Vila Rica
Os principais acontecimentos da Inconfidência Mineira ocorreram em Vila Rica. Consta que as primeiras pessoas ali chegaram por volta do final do século XVII, sendo que o primitivo arraial tomou grande impulso entre os anos de 1700 a 1705. Em 1711, os diversos agrupamentos populacionais da região acabaram sendo reunidos num só núcleo, sendo elevado à categoria de “vila” com o nome de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Albuquerque, em homenagem a António de Noronha de Albuquerque, que ocupava o cargo de governador da recém-fundada capitania de São Paulo e das Minas do Ouro. João V, que passara a ocupar o trono português a partir do início de 1707 no lugar de seu pai, Pedro II de Portugal, abreviou-lhe o nome apenas para Vila Rica.[carece de fontes?]
Em pouco tempo, Vila Rica cresceu enormemente e, em 1723, já havia se tornado a capital das Minas Gerais. Por volta da metade do século XVIII, haveria de se transformar na maior cidade brasileira e o principal centro econômico da América portuguesa. Os homens mais ricos da colônia fariam da cidade o local de suas residências, bem como os mais destacados intelectuais. Existiam muitas construções de dois andares, as ruas centrais eram pavimentadas com pedras, ao contrário da maior parte das cidades do Brasil, e as igrejas apresentavam altares revestidos com ouro.[6] Em 1786 apenas vinte e sete estudantes brasileiros estudavam na Universidade de Coimbra, sendo doze deles oriundos da capitania das Minas.[7]
Casas de Fundição
Todas as terras do Brasil pertenciam ao Reino de Portugal, personificado pela pessoa de seu rei. Este permitiria a qualquer súdito explorar as suas riquezas, exigindo em troca apenas uma pequena parcela para si, ou seja, o quinto. O grande problema era a forma como se procedia à arrecadação. Ninguém poderia sair da capitania, levando ouro que não tivesse sido quintado. Aliás, a partir do início do funcionamento das casas de fundição, ninguém mais poderia carregar ouro em pó. Esta medida provocou enorme descontentamento na população, pois nem todos tinham ouro suficiente para ser transformados em barras, como os mais pobres, que nunca juntavam o suficiente e, por isso, continuaram vivendo como se a lei não os alcançasse. Além do mais, tal proibição acabou gerando problemas sérios no comércio, uma vez que o ouro em pó constituía-se na principal moeda de troca da época, pois era fácil pesar e fragmentar.[8]
Em setembro de 1717, o Conde de Assumar criou a primeira casa de fundição em Minas. Até a construção delas, os mineradores que pagavam os impostos sobre a extração do ouro recebiam certificados de pagamento. Quem não exibisse este documento, teria todo seu ouro confiscado. Em 11 de fevereiro de 1719, Dom João V assina uma lei criando as casas de fundição, mudando novamente as regras para a cobrança do imposto. Proibia-se terminantemente a circulação de ouro em pó. Quem fosse apanhado com isso e não estivesse se dirigindo para as Casas de Fundição seria tratado como contrabandista, teria seus bens confiscados e poderia, até mesmo, ser deportado para a África. Era mais uma tentativa que visava acabar com o contrabando e que, evidentemente, não deu certo. Todo o ouro extraído das minas deveria ser levado até as casas de fundição, onde seria pesado e transformado em barras, recebendo o selo real. Neste processo, descontavam-se automaticamente não só os vinte por cento referentes ao quinto, como também todas as despesas da própria fundição. Tão logo as casa de fundição começaram a funcionar, João V teve a grata satisfação de ver a sua receita real aumentar enormemente. Em 1724 foram arrecadadas em torno de 36 arrobas de ouro. No ano seguinte, a arrecadação deu um salto extraordinário, subindo para 133 arrobas.[9]
Capitação e Derrama
Após a euforia inicial dos primeiros anos, João V, passou a achar que seus leais súditos estavam sonegando os impostos e lesando a Real Fazenda. Não importava quanto ouro arrecadassem. Para a corte portuguesa, as minas eram infinitas e, se não se alcançava a quantia desejada, era porque os mineradores empalmavam a parte que cabia ao rei por direito. As casas de fundição não serviam mais para seus intentos. Então, a Coroa decidiu acabar com elas, substituindo-as por um novo sistema de arrecadação: a Capitação, no qual os impostos eram "pagos por cabeça". O plano foi colocado em prática após o novo governador, André de Melo e Castro, Conde de Galveias, tomar posse a 1 de setembro de 1732. Estipulou-se que o valor pago seria da ordem de 17 gramas de ouro por escravo a cada seis meses.[10]
A arrecadação real em 1749 tinha sido de quase 1800 quilos de ouro. Porém, a coroa portuguesa não estava satisfeita e decidiu restabelecer o regime dos quintos arrecadados nas casas de fundição. Em 1783 foi nomeado para governador da capitania de Minas Gerais Luís da Cunha Meneses, reputado pela sua arbitrariedade e violência. Sem compreender a real razão do declínio da produção aurífera - o esgotamento das jazidas de aluvião - e atribuindo o fato ao "descaminho" (contrabando), Meneses estabeleceu uma cota mínima a ser paga por ano: cem arrobas de ouro. Caso este valor não fosse atingido, a Coroa lançava a derrama, uma contribuição coletiva, rateada entre todos os moradores da capitania, mineradores ou não, para cobrir os prejuízos do rei.[4]
Até 1766, a cota foi sempre atingida. Contudo, com o esgotamento das minas, os mineiros não conseguiram mais pagar o tributo, que foi se acumulando ano a ano. Então, por volta de 1788, começa-se a se falar que a derrama seria cobrada e todos iriam à falência.[11]
A intenção dessa conspiração, conhecida como Inconfidência Mineira, era libertar Minas Gerais do domínio português e estabelecer um país independente. No entanto, naquele momento, não havia uma intenção de libertar toda a colônia brasileira, pois a identidade nacional ainda não havia se consolidado. Inspirados pelos ideais iluministas da França e pela independência dos Estados Unidos da América, os conspiradores optaram pela forma de governo republicana. É importante ressaltar que não havia a intenção de abolir a escravidão, uma vez que muitos dos participantes do movimento eram proprietários de escravizados.[carece de fontes?]
As reuniões conspiratórias ocorriam em diferentes locais, incluindo as casas de Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, onde foram discutidos os planos e as leis para a nova ordem. Foi nesse contexto que a bandeira da nova República foi concebida: um pavilhão branco com um triângulo e a inscrição em latim Libertas Quæ Sera Tamen, que os poetas inconfidentes interpretaram como "liberdade ainda que tardia", tendo parte desse verso sido adaptada da primeira écloga de Virgílio.[carece de fontes?]
No entanto, o novo governador das Minas Gerais, Luís António Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, visconde de Barbacena, foi enviado com ordens expressas para impor a derrama, um tributo que despertava grande insatisfação entre a população. Os conspiradores decidiram que a revolução deveria ocorrer no dia em que a derrama fosse decretada, na esperança de contar com o apoio do povo descontente e de tropas sublevadas, almejando assim a vitória do movimento.[carece de fontes?]
Os réus foram acusados do crime de "lesa-majestade" como previsto pelas Ordenações Filipinas, Livro V, título 6, materializado em "inconfidência" (falta de fidelidade ao rei):
"Lesa-majestade quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que o comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que ele conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente: assim o erro de traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha descendem, posto que não tenham culpa."[14][nota 1]
Os líderes do movimento foram detidos e enviados para o Rio de Janeiro. Ainda em Vila Rica (atual Ouro Preto), Cláudio Manuel da Costa morreu na prisão na Casa dos Contos, onde estava preso assim como outros conspiradores com altos títulos sociais, e onde se acredita que tenha sido assassinado, suspeitando-se, em nossos dias, que a mando do próprio Governador. Durante o inquérito judicial, todos negaram a sua participação no movimento, menos o alferes Joaquim José da Silva Xavier, que assumiu a responsabilidade de chefia do movimento.[carece de fontes?]
Em 18 de abril de 1792 foi lida a sentença no Rio de Janeiro. Doze dos inconfidentes foram condenados à morte. Mas, em audiência no dia seguinte, foi lido decreto de Maria I de Portugal pelo qual todos, à exceção de Tiradentes, tiveram a pena comutada.[15]
Os degredados civis e militares foram remetidos para as colônias portuguesas na África, e os religiosos recolhidos a conventos em Portugal. Entre os primeiros, viriam a falecer pouco depois de terem chegado à África, o contratador Domingos de Abreu Vieira, o poeta Alvarenga Peixoto e o médico Domingos Vidal Barbosa Lage. Os sobreviventes reergueram-se integrados no comércio e na administração local, alguns mesmo tendo se reintegrado na vida política brasileira.[16]
Condenados à morte
As penas de morte foram comutadas em pena de degredo, exceto a de Joaquim José da Silva Xavier, executado em 21 de abril de 1792.
Tiradentes foi o único condenado à morte por enforcamento, sendo a sentença executada publicamente em 21 de abril de 1792, no Campo da Lampadosa. Outros inconfidentes haviam sido condenados à morte, mas tiveram suas penas comutadas para degredo. Após a execução, o corpo foi levado em uma carreta do Exército para a Casa do Trem (hoje parte do Museu Histórico Nacional), onde foi esquartejado. O tronco do corpo foi entregue à Santa Casa da Misericórdia, sendo enterrado como indigente. A cabeça e os quatro pedaços do corpo foram salgados, para não apodrecerem rapidamente, acondicionados em sacos de couro e enviados para as Minas Gerais, sendo pregados em pontos do Caminho Novo onde Tiradentes pregou suas ideias revolucionárias. A cabeça foi exposta em Vila Rica (atual Ouro Preto), no alto de um poste defronte à sede do governo. O castigo era exemplar, a fim de dissuadir qualquer outra tentativa de questionamento do poder da metrópole.[carece de fontes?]
A conjuração mineira e os Estados Unidos
Em outubro de 1786, Thomas Jefferson, então embaixador dos Estados Unidos na França, recebeu uma correspondência oriunda da Universidade de Montpellier, assinada com o pseudônimo de Vendek. O missivista dizia ter assunto muito importante a tratar, porém queria que Jefferson recomendasse um canal seguro para a correspondência. Jefferson procurou fazer imediatamente, sendo que em maio do ano seguinte, 1787, a pretexto de visitar as antiguidades de Nîmes, Jefferson acertou um encontro com Vendek. Jefferson comunicou a sua conversa com Vendek à comissão para a correspondência secreta do congresso continental americano: "Eles consideram a Revolução Norte-Americana como um precedente para a sua", escreveu o embaixador; "pensam que os Estados Unidos é que poderiam dar-lhes um apoio honesto e, por vários motivos, simpatizam conosco (...) no caso de uma revolução vitoriosa no Brasil, um governo republicano seria instalado".[17]
Vendek era José Joaquim Maia e Barbalho, estudante da Universidade de Coimbra (1782–1785) e da Universidade de Montpellier (1786–1787). Jefferson respondeu a Maia que não tinha autoridade para assumir um compromisso oficial, mas que uma revolução vitoriosa no Brasil, obviamente, disse ele, "não seria desinteressante para os Estados Unidos, e a perspectiva de lucros poderia, talvez, atrair um certo número de pessoas para a sua causa, e motivos mais elevados atrairiam outras".[18] mostra-se.
O episódio ficou conhecido como "Missão Vendek". Domingos Vidal Barbosa Lage confessou que José Joaquim Maia e Barbalho teria ficado profundamente decepcionado com a atitude de Thomas Jefferson, que aconselhara o Brasil a conquistar sua liberdade através das próprias forças, sem oferecer apoio logístico. José Joaquim Maia e Barbalho disse que o embaixador norte-americano havia o julgado “pela casca”, ou seja, por sua aparência e pelas suas roupas.[19]
O Dia da Liberdade ou Dia Nacional da Liberdade foi instituído no Brasil através da Lei nº 13 117, de 7 de maio de 2015.[20] A data já era comemorada nos Estados de Minas Gerais.[21] e do Rio de Janeiro[22] O Dia Nacional da Liberdade remete à data do batismo de Joaquim José da Silva Xavier (12 de novembro de 1746).
↑A mesma acusação de "lesa-majestade" fora formulada em 1759, sob o reinado de José I de Portugal, contra a família Távora, uma das famílias mais prestigiadas da nobreza do reino, no processo dos Távora, considerada culpada e condenada a morte cruel: tiveram os membros quebrados e foram queimados vivos, em cerimônia pública em Lisboa. Os participantes da Inconfidência de Goa tiveram sofreram a mesma acusação e processo bastante semelhante.
Ver também
Outros projetos Wikimedia também contêm material sobre este tema:
↑RESENDE, Maria Efigência Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos (2014). História de Minas Gerais - A Província de Minas (Vol. 1). Belo Horizonte: Autêntica. ISBN9788582171394
↑ abLuiz Carlos Villalta (1º de dezembro de 2013). «Inconfidentes desde sempre». Revista de História da Biblioteca Nacional. Consultado em 30 de janeiro de 2015. Arquivado do original em 10 de fevereiro de 2015
↑ abMAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa - A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808.
↑Alvará que proíbe as fábricas e manufaturas no Brasil [1]
Aquino, Rubim Santos Leão de; Marco Antônio Bueno Bello ; Gilson Magalhães Domingues (1998). Um sonho de liberdade. a conjuração de Minas. São Paulo: Editora Moderna. 176 páginas. ISBN8516021009A referência emprega parâmetros obsoletos |coautor= (ajuda) (em português)
Furtado, João Pinto (2002). O manto de Penélope. História, Mito e Memórias da Inconfidência Mineira (1788-1789). São Paulo: Companhia das Letras. 328 páginas. ISBN9788535902631 (em português)
Martino, José (2014). 1789. A Inconfidência Mineira e a Vida Cotidiana nas Minas do Século XVIII. São Paulo: Editora Excalibur. 293 páginas. ISBNB00QU8L6AY Verifique |isbn= (ajuda) (em português)
Rodrigues, André Figueiredo (2002). O Clero e a Conjuração Mineira. São Paulo: Humanitas. 208 páginas. ISBN85-86087-96-3 (em português)
Rodrigues, André Figueiredo (2010). A Fortuna dos Inconfidentes. Caminhos e descaminhos dos bens de conjurados mineiros (1760-1850). São Paulo: Editora Globo. 319 páginas. ISBN978-85-250-4802-8 (em português)