As Conferências Radicais de 1869 foram palestras pronunciadas em teatros do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, entre 1869 e 1870. Experiência inédita na vida política brasileira, essas conferências buscaram levar o debate político para um espaço público novo, além da tribuna parlamentar e da imprensa tradicional, tratando de temas considerados urgentes para o país. Foram o embrião dos movimentos republicanos no Brasil.
Antecedentes
Em 1862 surgiu a chamada Liga Progressista, sigla que preconizava a união entre dissidências liberais e conservadoras, formando assim um grupo politicamente moderado e conciliador, liderado por Zacarias de Góis e Vasconcelos. Porém, com o passar do tempo, o novo partido começou a entrar em crise, com a radicalização das dissidências liberais. Parte dessas dissidências, então, resolveu abandonar o grupo progressista e fundar no Rio de Janeiro o jornal Opinião Liberal, em 1866. O jornal era dirigido por jovens lideranças e seria o porta-voz do radicalismo surgido três anos depois.
[...] a década de 1860 pode ter sido a mais fértil de todo o Segundo Reinado em termos de pensamento e debate político. [...] pode-se dizer que em nenhuma outra se discutiram tanto os grandes temas políticos, institucionais e sociais do país.[2]
Em 1868, foi criado o Centro Liberal (futuro Clube da Reforma), agremiação que buscou organizar os liberais após a crise política e reformular sua plataforma de governo. Por outro lado, no mesmo ano, dissidências liberais criaram o Clube Radical, buscando aprofundar as reformas propostas por seus antigos correligionários e adotando o jornal Opinião Liberal de 1866 como seu porta-voz.[3] Logo São Paulo e Pernambuco seguiram o exemplo da capital e fundaram seus próprios clubes e jornais radicais. A maneira encontrada por esses grupos para espalhar suas propostas foram as chamadas "Conferências Radicais", séries de palestras sobre os mais variados temas sócio-político-econômicos, buscando o alargamento do debate para um público mais amplo que aquele que lia jornais e assistia às sessões do parlamento. Porém, embora alegassem falar para e pelo “povo”, os radicais, assim como seu público, eram um grupo composto de homens de classe média, formado majoritariamente por advogados, médicos, jornalistas e professores, além de filhos de grandes aristocratas e alguns políticos conhecidos. Esses homens adotaram posições mais exaltadas em relação às propostas dos antigos liberais, chegando, inclusive, a questionar e atacar o regime monárquico vigente.
Conferências
Rio de Janeiro
As conferências do Rio de Janeiro foram organizadas pelo Clube Radical do Rio de Janeiro, entre março e julho de 1869. Tiveram como temas os seguintes:[4]
Liberdade de comércio, pronunciada por Pinto Junior em 13 de junho de 1869.
Proibição aos representantes da nação de aceitarem nomeação para empregos públicos e igualmente títulos e condecorações, pronunciada por Francisco Rangel Pestana em 20 de junho de 1869.
Senado temporário, pronunciada por Carlos Bernardino de Moura em 27 de junho de 1869.
Liberdade de cultos, pronunciada por Pedro Antônio Ferreira Viana em 04 de julho de 1869.
Descentralização, pronunciada por Graciliano Aristides do Prado Pimentel em 11 de julho de 1869.
São Paulo
As conferências de São Paulo foram organizadas pelo Clube Radical Paulistano, entre julho e setembro de 1869. Tiveram como temas os seguintes:[4]
Polícia eletiva, pronunciada por Leonardo de Almeida em 07 de novembro de 1869.
Fim e consequências
As Conferências Radicais – assim como os radicais organizados em grupo político – duraram pouco. Já em 1870, foi criado no Rio de Janeiro o Clube Republicano, sucessor do Clube Radical, uma vez que seus membros decidiram pelo rompimento com o regime e a adoção da pregação republicana e federalista. Logo os clubes provinciais seguiram o exemplo. A maior parte dos radicais foi responsável pelo Manifesto Republicano daquele ano e, em especial os de São Paulo, participou da fundação do Partido Republicano Paulista. Com a adesão de parte considerável da oligarquia cafeeira, desiludida com os rumos, segundo ela, abolicionistas do regime monárquico, os antigos radicais tiveram que moderar seu programa político, excluindo dele pautas como a emancipação dos escravos. Outros radicais, contudo, se reuniram aos antigos liberais, reunificando o partido.
O legado dos radicais pode ser visto, principalmente, por dois ângulos, o de sua tática de propaganda, única até então, e o do conteúdo de suas ideias, as mais radicais propostas até aquele momento. De sua tática de propaganda nasceram as chamadas “Conferências da Glória”, organizadas pelo Conselheiro Manuel Francisco Correia, na região carioca da Glória, Largo do Machado, durante a década de 1870. Também conhecidas como “Conferências Populares”, essas palestras se utilizavam da herança radical em seu modo de comunicação, mas tratavam de assuntos de cunho educacional, com temas referentes à Literatura, Filosofia, História, etc., contando, inclusive, com a presença assídua do Imperador D. Pedro II.
Do conteúdo de suas ideias, foram extraídas as principais reformas dos anos finais do Segundo Reinado, como a Lei do Ventre Livre, de 1871, e a Lei Saraiva, de 1881. Essas reformas, embora já inscritas no programa do Partido Liberal histórico, foram impulsionadas pelo discurso radical do final da década de 1860.
↑Carvalho, José Murilo de (19 de outubro de 2009). «O radicalismo político no Segundo Reinado». In: Schwarcz, Lilia Moritz; Botelho, André. Um enigma chamado Brasil: 29 intérpretes e um país. [S.l.]: Companhia das Letras