O Campeonato Municipal de Futebol Amador de São Paulo, também conhecido como Campeonato Varzeano de São Paulo, é a principal competição institucional de futebol varzeano da cidade de São Paulo. Tem sido promovido, de forma interruptiva, por entidades oficiais como a Federação Paulista de Futebol (FPF) ou também por órgãos de estado como a Secretaria Municipal de Esportes (SEME) da Prefeitura de São Paulo.
Introduzido por Charles Miller, o futebol na cidade de São Paulo era praticado em seus primórdios improvisadamente em algumas chácaras do Bom Retiro[1] e em campo várzea do Carmo, no vale do Rio Tamanduateí.[2] Enquanto a Chácara Dulley era frequentada por jovens de origem social mais abastada,[3] o campo da várzea do Carmo atraía praticantes das camadas populares, sobretudo por trabalhadores de bairros operários.[4] A despeito de suas condições precárias, a várzea do Carmo tornou-se reduto de partidas de futebol, o que originaria a expressão futebol varzeano ou futebol de várzea.[nota 1][2][5] De acordo com o jornalista Thomaz Mazzoni, o primeiro time de várzea paulistano foi o Éden Liberdade Football Club, fundado em 1897.[2]
No início do século XX, os clubes de elite se uniram para criar a Liga Paulista de Foot-Ball (LPF), a primeira associação de clubes de futebol do Brasil, e iniciaram o Campeonato da Liga Paulista.[6][7][8] Embora a prática do futebol tenha sido regulamentada por lei pelo prefeito Antônio da Silva Prado,[9] o futebol de times populares crescia à margem da LPF.[10] Entre 1903 e 1904, aproximadamente 100 equipes de várzea já existiam em São Paulo.[2] Por seu caráter elitista, a Liga Paulista não aceitava times populares como membros e seus filiados evitavam jogar contra equipes de várzea, mesmo que fossem amadoras.[4] Poucos times populares, como como o Clube Atlético Ypiranga, o Sport Club Corinthians Paulista e o Palestra Itália, competiram nas ligas da elite paulista.[2][11]
Na segunda metade da década de 1910, a Associação Paulista de Sports Athleticos (APSA) tornou-se a associação dominante do futebol em São Paulo, tendo inclusive absorvido a LPF em 1917.[12][13] A APSA criou duas novas divisões para os clubes de origem popular que não competiriam na divisão principal da entidade.[12] Entre 1929 e 1930, paralelamente à Associação Paulista, a Liga Athlética Varzeana de Esportes organizou competições para clubes de várzea da capital, embora os registros históricos sobre estes certames sejam escassos. No ano seguinte, em uma iniciativa inédita para o período, o jornal A Gazeta promoveu uma competição amadora da qual participaram centenas de equipes de várzea da capital.[14]
1940-1969: A era de ouro da várzea paulistana
No decorrer da década de 1930, o futebol paulista sofreu uma série de cisões em torno de conflitos entre o amadorismo e o profissionalismo da modalidade. Para tentar apaziguar as disputas, o governo do Estado de São Paulo decidiu que haveria em nível local uma entidade para organizar competições profissionais – a Liga de Futebol do Estado de São Paulo (LFESP) – e outra para amadoras – a Federação Paulista de Futebol Amador (FPFA).[nota 2] Ao encontro dessa reforma, uma lei federal do governo Vargas obrigou que houvesse somente uma entidade máxima de futebol por estado. Com isso, a LFESP tornou-se a Federação Paulista de Futebol, enquanto que a FPFA virou o departamento de futebol amador da recém-modelada entidade.[15]
Para acomodar as inúmeras equipes existentes que optaram por permanecer no amadorismo no estado, a FPF passou a organizar oficialmente diversas competições. Para os times da capital paulista, foram estabelecidos campeonatos autônomos para equipes amadoras, classistas e varzeanas.[nota 3] Enquanto o Campeonato Amador da Capital reunia um seleto grupo de clubes amadores não-classistas paulistanos, o Campeonato Varzeano da Capital era composto por dezenas de subligas distritais, cada qual abrangendo dezenas de times varzeanos e cujos vencedores qualificavam-se para uma fase final eliminatória a fim de se chegar ao campeão varzeano da temporada.[17] Já as ligas classistas eram exclusivamente compostas por times formados por funcionários de empresas dos setores específicos da indústria, comércio e serviços e também de funcionários públicos, como a Liga Comerciária (ACEA) e a Liga Industrial (LECI).[18] Ao final da temporada, os campeões dos certames amadores, classistas e varzeanos disputavam o Torneio dos Campeões Amadores da Capital, sendo que o vencedor da temporada disputava contra o campeão paulista amador do interior o título do Campeonato Paulista Amador de Futebol.[19] Esse sistema de ligas de futebol amadoras da FPF perdurou por muitos anos no futebol de São Paulo.[20][21]
Os primeiros vencedores da Divisão Principal de Amadores da Capital e da Divisão Varzeana foram respectivamente o Lapeaninho FC e o AA Guarani.
1970-1984: Hiato da FPF e atuação da SEME
Durante a primeira metade da década de 1970, a Federação Paulista de Futebol afastou-se da organização direta de competições oficiais para equipes amadoras da capital, o que representou o fim do sistema de ligas surgido nos anos quarenta.[22]
Enquanto emergiam torneios paralelos patrocinados por empresas, como o Desafio ao Galo (pelo canal de televisão Record) e a Copa Arizona (pela fabricante de cigarros Souza Cruz), a Secretaria Municipal de Esportes da Prefeitura de São Paulo decidiu assumir a responsabilidade de criar uma competição institucional para as dezenas de equipes varzeanas órfãs de um certame oficial na cidade. Em um momento no qual desapareciam muitos times e campos na capital paulista, o Campeonato Varzeano da Capital da SEME deu ares institucionais à várzea local. O primeiro Varzeano da SEME, em 1976, teve como vencedor o EC Corinthians do Imirim.[23]
1985-2014: Retomada da FPF e a Copa Kaiser/Seme
Após 13 anos afastada diretamente do futebol varzeano, período o qual prestou apenas suporte estrutural (como o trio de arbitragem e as bolas) aos torneios institucionais da SEME da década de 1970, a Federação Paulista de Futebol retomou a gestão de um campeonato municipal para equipes amadoras em 1985.[24][25][26] Com exceção de 1988, o Varzeano da FPF foi realizado em sete ocasiões até 1992.
No ano seguinte, Federação decidiu não realizar o certame daquele ano, tampouco a Secretaria Municipal de Esportes demonstrou interesse em bancar o maior torneio varzeano da cidade. Foi então que duas empresas privadas, a cervejaria Kaiser e o jornal A Gazeta Esportiva, organizaram conjuntamente a Copa A Gazeta Esportiva / Copa Kaiser. Embora não seja reconhecida oficialmente pela FPF, essa competição tornou-se o embrião para um novo campeonato varzeano de São Paulo. Com o apoio estrutural da Federação Paulista e o patrocínio da cervejaria, a SEME passou a organizar a Copa Kaiser/SEME de Futebol Amador. Sua primeira edição foi disputada oficialmente em 1995 e teve como campeão o CA Paulistano do Jardim Coimbra.[27]
O campeonato tornou-se um sucesso na várzea da cidade, a ponte de ser preciso instituir duas divisões, com acesso e descenso, para comportar centenas de equipes que se interessavam por participar a cada ano.[27] Na temporada 1999, a Antarctica comprou os direitos de patrocínio do Varzeano, chamado naquele ano de Copa Antarctica/Copa da Cidade,[28] mas a Kaiser retomou os naming rights da competição no ano seguinte.[29]
Entre 2005 e 2006, a Copa Kaiser/SEME não foi realizada, período no qual a Copa Metropolitana – uma competição idealizada pela então Secretaria da Juventude, Esporte e Lazer do governo estadual paulista[30] que contava com clubes paulistanos e da Grande São Paulo[30] – tornou-se o principal campeonato institucional da várzea paulistana. O fim da Copa Metropolitana após apenas três edições disputadas trouxe de volta, em 2007, a Copa Kaiser/SEME como a principal campeonato amador da cidade. Mas em 2014, a cervejaria anunciou o término do seu patrocínio.[31][32] A FPF chegou a anunciar a cervejaria Itaipava como a nova detentora dos naming rights do varzeano da cidade, que seria chamado de Copa São Paulo Itaipava de Futebol Amador.[33][34] No entanto, a competição foi cancelada poucas semanas antes do seu início previsto para 26 de julho de 2015.[34][35]
2015-presente: Ostracismo
Desde o fim da Copa Kaiser, a cidade de São Paulo conta com um único torneio de cunho institucional para clubes varzeanos vinculado aos Jogos da Cidade, organizados pela Prefeitura.[36] Embora seja disputado desde 2008 (inclusive, por alguns anos simultaneamente à antiga Copa Kaiser) e conte com a participação de centenas de times amadores, o torneio de futebol dos Jogos da Cidade não possui o mesmo prestígio dos campeonatos varzeanos oficiais de outrora.[37][38]
Com a ausência de Varzeano promovido pela FPF ou pela SEME, tem prevalevido entre as equipes varzeanas paulistanas a participação em campeonatos organizados por elas próprias – como a Copa Nove de Julho – ou por particulares – como a Copa Pionner e a Copa Martins Neto, entre outros.[nota 4]
↑Originalmente, a prática do futebol popular praticado pelos pobres e os clubes que dele tomavam parte dava-se nas margens dos rios e áreas adjacentes que estavam longe de serem ocupadas para empreendimentos habitacionais ou unidades industriais, já que eram superfícies inundáveis, mas pouco a pouco, a noção sobre várzea ganhou ainda mais abrangência, graças a ocupação populacional de outras partes da cidade que mesmo sem rios foram tratadas pela população como várzeas – como nas áreas de trilhos da linha de trem entre a Lapa e a Barra Funda, ou na avenida Celso Garcia. As próprias populações pobres que ocupavam essas áreas eram conhecidas como "varzeanas".
↑Essa separação entre amadores e profissionais é uma característica particular do futebol brasileiro em relação aos demais países.[15]
↑Embora todos competissem de forma amadora, estes três agrupamentos tinham estatutos, regulamentos e departamentos separados dentro da própria federação.[16]
↑Entre os atrativos destes certames paralelos, estão as premiações aos finalistas.[39][40]
↑Em 2020, a FPF homologou as edições entre 1942 e 1947 do Campeonato Amador da Capital, chamado à época de Divisão Principal de Amadores, como equivalentes a competição de segundo nível do futebol paulista daquele período.[41]
↑Em 1993, foi realizada em caráter não-oficial "Copa A Gazeta Esportiva / Copa Kaiser", que teve como campeão o Grêmio Botafogo FC e vice-campeão o EC Moleque Travesso.[83]
↑Desde 2008, em paralelo à Copa Kaiser/SEME de Futebol Amador, a SEME mantém um torneio de futebol para equipes amadoras dentro dos Jogos da Cidade.
Kussarev, Rodolfo; Itri, Bernardo, eds. (2021). 125 Anos de História - A Enciclopédia do Futebol Paulista 1ª ed. São Paulo: Federação Paulista de Futebol. ISBN659960630X
Kussarev, Rodolfo, ed. (2016). Esquecidos: arquivos do futebol paulista 1ª ed. Campinas: Datatoro
Carravetta, Elio (2006). Modernização da gestão do futebol brasileiro: perspectivas para a qualificação do rendimento competitivo. Porto Alegre: Age Editora. 206 páginas. ISBN8574972878