A Usina Hidrelétrica de Itatinga, ou simplesmente Usina de Itatinga, é uma usina localizada no município brasileiro de Bertioga, quando este ainda era um distrito da cidade de Santos.[1] Apesar de não ser protegida por tombamento, Itatinga é frequentemente referida como patrimônio cultural, seja pela comunidade local, pela mídia ou mesmo pela empresa que atualmente opera o complexo, a Codesp e em 2000 foi aberto, junto ao Condephaat, o processo de estudo de tombamento da usina. Nele consta uma série de documentos relacionados tanto à história e às características da usina, quanto a seu possível tombamento.[2]
Histórico
Ela foi construída em 1910 com o objetivo de fornecer energia elétrica ao porto de Santos e a cidades adjacentes.[1] Mas sua história começa em 1903, quando a então Companhia Docas de Santos, administrada pelas famílias Guinle e Gaffrée, comprou a Fazenda Palaes, no sopé da Serra do Mar, em Bertioga, a exatos 30 km do Porto de Santos. A ideia era que através da construção de uma usina hidrelétrica própria, pudesse dar sequência às obras de melhoria técnica do Porto de Santos, visto que este passaria a demandar maior suprimento de energia elétrica em função da modernidade de seus equipamentos e instalações. Também de acordo com os registros históricos da Codesp, Itatinga na realidade veio para substituir uma usina termoelétrica também de propriedade da Companhia Docas, eletrificando as instalações do porto e a iluminação do cais, armazéns e escritórios. Mas foi somente em 21 de fevereiro de 1911 que foi concluída a troca de todos as máquinas a vapor por motores elétricos.[3]
A construção da Usina de Itatinga está diretamente ligada à concessão, em finais do século XIX, de direitos para exploração e melhoramentos do Porto de Santos a um grupo de empresários que viria a ser denominado Companhia Docas de Santos (CDS).[2] Em meio à gestão das atividades portuárias, a CDS obteve concessão para construir uma usina hidrelétrica em 1901, conforme consta no decreto nº 4.088, de 22 de julho de 1901.[2] Dessa forma, a própria companhia poderia gerar a energia utilizada na iluminação do porto, no maquinário de suas oficinas e no cais.[2]
Após as devidas concessões de aproveitamento de recursos hídricos e os estudos sobre topografia e hidrografia da região, feitos pelo engenheiro Guilherme Benjamin Weinschenck, que estava à frente das obras de modernização então em curso no Porto de Santos, foi estabelecido arranjo geral da usina, no qual se indicavam a localização da represa, câmara d’água, casa de força e o traçado aproximado da linha de transmissão.[2] A estruturação adotada mostrou-se coerente com as composições típicas apresentadas nos tratados de hidrelétricas do período.[2] Seu sistema de geração de energia ficaria nos limites do atual município de Bertioga (SP), que naquele momento fazia parte do município de Santos. Já o sistema de transmissão atravessaria as cidades de Bertioga, Guarujá e Santos.[2]
A Mão de Obra da Usina:
Apesar de Weinscheck estar à frente da construção de Itatinga, pode-se dizer que a usina foi projetada por diversas mãos brasileiras e estrangeiras. Mesmo sendo fruto do trabalho de pessoas de várias nações, a Usina de Itatinga, assim como as demais obras que integravam o programa de melhoramento do Porto de Santos, foram forjadas como produtos exclusivamente nacionais. “Eram brasileiros os seus idealizadores, brasileiros os capitais que empregavam, brasileiro o projeto e brasileiro haveria de ser o engenheiro capaz de construí-lo” (ROCHA, 1947, p.14). O discurso nacionalista é recorrente em obras que tratam da história da CDS, bem como em reportagens de jornal sobre a companhia, publicadas no início do século XX.[4]
A força de trabalho de Itatinga é mencionada em apenas dois artigos. Em ambos os casos, é abordada en passant e relacionada a fatalidades. Em 1912, a recém-inaugurada Usina de Itatinga, “a perfect modern system” (1912, p.584), foi objeto de um artigo publicado na revista Electrical World. Ao tratar da construção do canal que liga a represa à câmara d’água, o autor afirma que: "Inúmeros acidentes ocorreram durante a construção do canal. Apenas um deslizamento de terra soterrou doze homens. Se considerarmos a localização, a chuva quase incessante, o calor intenso e o trabalho negro ignorante, terá uma leve ideia das dificuldades que tiveram de superar em todos os ramos desta instalação." (1912, p. 584) Ao lado das características do território e do clima, “o ignorante trabalho negro” é considerada como um obstáculo para a concretização da usina. O julgamento do autor do artigo – um engenheiro, provavelmente – pode ser entendido como mecanismo para desresponsabilizar os engenheiros e a companhia das mortes ocorridas durante as obras. Atribuir a culpa à raça dos trabalhadores é uma forma de reelaboração de um discurso racista e recorrente de que negros, índios e povos aborígenes são preguiçosos, irracionais e negligentes. Reafirmando, assim, um discurso imperialista de que os brancos são laboriosos, eficazes, racionais e, portanto, isentos de culpa nas fatalidades ocorridas na usina. O fragmento apresentado acima leva a crer que acidentes de trabalho eram relativamente comuns durante a construção do canal. Não obstante, não foi encontrado nenhum outro registro a respeito de acidentes no canal ou no restante da usina. Não é possível, então, estabelecer a quantidade de trabalhadores acidentados, fatalmente ou não, durante a construção. Além de sujeitos a acidentes, os trabalhadores da usina estavam expostos à malária, como apresenta o artigo de Benchimol e Silva (2008): “Ferrovias, doenças e medicina tropical no Brasil da Primeira República” tem como objeto o impacto da malária no âmbito da modernização republicana (BENCHIMOL & SILVA, 2008). No segmento do texto relacionado à usina, o “Relatório da viagem e pesquizas das Docas de Santos – Itatinga” (1905) e “Prophylaxia do impaludismo” (1906-1907), escritos por Carlos Chagas, constituem as principais referências. Um surto de paludismo praticamente paralisou as obras de Itatinga, que mobilizavam cerca de três mil pessoas, entre dezembro de 1904 e maio de 1905 (BENCHIMOL & SILVA, 2008, p. 731). O médico sanitarista Carlos Chagas foi, então, chamado pela CDS para conter a epidemia. Seu trabalho em Itatinga, que se estende de dezembro de 1905 a maio de 1906, tem início com a investigação das condições epidemiológicas da região e do modo de vida e trabalho da população, com especial interesse em suas habitações (BENCHIMOL & SILVA, 2008, p. 731). A campanha de Chagas consistiu na eliminação das larvas, proteção das casas, isolamento daqueles que apresentassem o parasito no sangue e tratamento dos doentes crônicos e das crianças infectadas (CHAGAS, 1905 apud BENCHIMOL & SILVA, 2008, p. 731). Uma das medidas adotadas foi a criação de valas nos principais núcleos de habitação para afastar os criadouros do mosquito (CHAGAS, 1906-1907 apud BENCHIMOL & SILVA, 2008, p. 731). A partir de então o desenvolvimento e a manutenção de sistemas de valas para a drenagem da água passa a ser uma atividade constante na usina. Em janeiro de 1906, um mês após o início da campanha, havia 16 doentes. No mês seguinte, o número de doentes caiu para três e em março, mês que Chagas entregou seu relatório final, não havia mais nenhum caso, apesar das chuvas abundantes (CHAGAS, 1905, p. 20-23 apud BENCHIMOL & SILVA, 2008, p. 733). Ao abordar os trabalhos desenvolvidos por Chagas, o artigo menciona uma série de aspectos relativos aos trabalhadores e seus modos de vida. Conforme consta no “Relatório da viagem e pesquizas das Docas de Santos”, os moradores de Itatinga eram divididos em dois núcleos e “residiam em grandes barracões sem qualquer proteção contra os mosquitos” (CHAGAS, 1905 apud BENCHIMOL & SILVA, 2008, p. 731). Conforme o médico, os barracões utilizados como habitação deveriam “ter uma única entrada, com tambores instalados no lado de fora, sendo importante que as portas fechassem rápida e automaticamente” (CHAGAS, 1906-1907, p. 17-23 apud BENCHIMOL & SILVA, 2008, p. 732). Chagas menciona a presença de famílias com crianças no local (CHAGAS, 1905, p. 1-2, Apud BENCHIMOL & SILVA, 2008, p. 731). Este relato leva a crer que havia mulheres habitando este grande canteiro de obras. Não se sabe se elas integravam ou não a força de trabalho ou quais tarefas realizavam, já que não foi encontrado um único registro que mencione a existência ou o papel das mulheres na construção de Itatinga. No caso de Itatinga, a regra clássica de recolhimento dos trabalhadores indenes antes do crepúsculo da tarde não foi seguida, já que constituía, segundo Chagas, “exigência demasiado atentatória do bem-estar dos operários, que tinham por hábito reunirem-se ao ar livre depois de um dia árduo de trabalho” (CHAGAS, 1906-1907, p. 20-23 apud BENCHIMOL & SILVA, 2008, p. 732). Esta passagem, somada ao relato de famílias residindo no local, dá pistas das dinâmicas existentes na usina então em construção. Além de canteiro de obras e espaço de trabalho, Itatinga era espaço onde se desenvolviam diversas atividades do universo cotidiano, mesmo antes de sua conclusão.[4]
As moradias descritas por Chagas são uma parte da extensa rede de infraestrutura criada para que a construção deste grande complexo, em uma área de difícil acesso, fosse possível. Foram construídos diversos edifícios provisórios com a finalidade de alojar os trabalhadores e abrigar o maquinário utilizado nas obras. Havia construções com estrutura em madeira vedada, tanto nas laterais como na cobertura, por folhas de zinco, assim como edificações com estrutura e vedação em madeira. Estima-se que estas estruturas eram construídas conforme as demandas dos trabalhos e desmontadas após a conclusão de cada segmento.[4]
Características
Instalada no rio Itatinga, em meio à mata fechada da Serra do Mar, conta com equipamentos alemães e americanos e deu ao porto de Santos o status de único porto do mundo a possuir sua própria hidrelétrica.[1]
Há um reservatório no topo da serra, de onde se ver o mar, tecnicamente conhecido como "Câmara de Equilíbrio". Neste ponto, foram construídas as câmaras d’águas, que marcam o início da canalização. A partir daí, o rio é canalizado em cinco tubos, que descem a serra até os geradores da usina. A coluna d'água é de 980 metros, sendo a maior do Brasil.[3]
A área é cercada por montanhas de 700 metros de altura, onde vivem as mais variadas espécies animais, como pássaros, atraídos por palmeiras que lhes fornecem alimentos.[5] No local foi construída ainda uma vila em estilo inglês para os funcionários, com 70 casas dispostas em uma única rua, que ladeavam a via férrea e seu bondinho, comércio com padaria e armazém, igreja, a qual veio desmontada da Inglaterra, uma escola fundamental, um clube, inaugurado em 1928, com o campo de futebol e outros equipamentos de lazer e um posto médico para atendimento emergencial e especializado.[1][5][6]
A via férrea e a linha de transmissão constituíram os elementos estruturadores da vila de Itatinga. A via férrea cruza por terra entre o Porto da Usina, ou Portinho, até o início da linha de tubos, e a linha de transmissão percorre o espaço aéreo no mesmo trajeto da via férrea, até a Fazenda Pelaes. Essas duas linhas, uma no chão e outra no ar, cortaram o terreno plano ao meio e para tirar melhor proveito dessa área e construir casas confortáveis e com quintais, a opção encontrada foi construir duas fileiras de casa, uma frente à outra e com as duas linhas no centro. A via férrea e o rebocador foram imprescindíveis para a vida na Vila e usina hidrelétrica de Itatinga. Não havia estradas de acesso para Bertioga até os anos 70, portanto tudo o que chegava ou saía de Itatinga passava pelo Canal de Bertioga e pelo Rio Itapanhaú até o porto da usina.[6]
A linha do bonde tem 80 cm de largura (bitola). O trajeto da mesma é da estação no Posto Fazenda até Itatinga, trajeto do início do século, mas as trilhas foram mudadas. Era usado também para escoar a produção de banana, num acordo entre a Fazenda Vergara e a CDS (Companhia Docas de Santos). Tem um trajeto de 7,5 km de extensão e o aterro tem cerca de 1 metro de espessura.[7]
A vila, faz parte da estratégia seguida por empresas que se distanciam dos centros urbanos, sendo uma Cidade-Empresa. Simbolizando a modernidade e o avanço das fronteiras mundiais do capitalismo industrial.[6]
Atualmente, o sistema elétrico operado pela Santos Port Authority (SPA), autoridade portuária e administradora do Porto de Santos, garante o fornecimento de energia para consumo da empresa e para suprimento aos arrendatários. A energia é prioritariamente proveniente da Usina de Itatinga, com capacidade de 15 MW, complementada em alta tensão pela concessionária local, Companhia Piratininga de Força e Luz (CPFL) com mais 8,6 MW, distribuídos entre subestações espalhadas pelo Porto Organizado. Itatinga responde, hoje, por aproximadamente 85% da energia comercializada pela SPA. No Brasil, a energia é distribuída com uma tensão de 13.8 quilovolt (KV).
Referências
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Conjunto arquitetônico e entorno | | |
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Salas e espaços de exibição | |
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Coleções e conjuntos de obras | |
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Outros | |
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