Rita nasceu na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, em 1866. Passou os primeiros quatro anos de vida na Estância de Santa Isabel, localidade próxima a cidade de Pelotas. Sua família, além dela própria, da mãe e do pai, era composta por treze irmãos.[2]
Ao completar cinco anos de idade, em 1871, mudou-se com a família para a Estância do Areal, onde foi introduzida aos estudos. Dedicada e excepcional, concluiu o primário aos nove anos.[3]
Em decorrência das atividades exercidas pelo pai, estabeleceu moradia em diversas estâncias e, consequentemente, estudou em muitos colégios nos arredores de Pelotas.[3]
Durante a pré-adolescência, Rita começou a namorar Antônio Maria Amaro de Freitas, um primo distante com quem viria a casar e ter uma filha anos mais tarde. O romance, no entanto, não atrapalhou os planos da jovem de morar no Rio de Janeiro para que pudesse perseguir o sonho de cursar Medicina.[3]
Rita Lobato extraiu da infância e da adolescência o melhor que pode, era membro de uma família rica com 13 irmãos além dela, do pai (Francisco Lobato Lopes) e da mãe (Rita Carolina Velho Lopes). Rompeu os padrões sociais do seu tempo. Ainda jovem já convivia com os membros da elite da época e já havia viajado por diversas cidades, feito amizades que perdurariam por toda a vida. Ela foi extremamente estudiosa e aos 21 anos de idade mesmo com compromisso de casamento firmado com Antônio Maria Amaro de Freitas (seu primo) realizou o grande sonho de se formar pela Escola de Medicina da Universidade Federal da Bahia.[3]
Educação
Após a conclusão do ensino primário, Rita consolidou um desejo expresso desde a infância e optou por cursar Medicina. Quando criança, a menina revelou a mãe que gostaria de exercer a mesma profissão que Doutor Romano, um médico italiano que tinha a família em sua lista de clientes.[4]
Com o falecimento de Dona Rita Carolina, a filha prometeu evitar que situações como a que ocasionou a morte da mãe se repetissem. Sua meta passou a ser uma especialização em obstetrícia a fim de evitar outras mortes durante o parto.[2]
Para atingir seu objetivo, no entanto, deveria matricular-se em um curso preparatório. Na época, a única forma de garantir o desenvolvimento das competências necessárias para concorrer a uma vaga nos cursos mais disputados. Primordialmente masculinos e caros, os estudos eram de difícil acesso e raramente habilitavam mulheres na disputa por um ingresso à faculdade.[5]
Com o apoio da família, Rita mudou de cidade para enfim dedicar-se ao preparatório e deste modo adquirir chances mais altas de competir no mesmo nível dos concorrentes. É importante destacar que a independência econômica dos Lobato Velho foi decisiva para que a jovem tivesse acesso ao único caminho até a graduação. Outro fator que tornou possível seu acesso ao curso de Medicina foi o decreto imperial nº 7247, de 19 de abril de 1879. De acordo com o documento, assinado por D. Pedro II, tornava-se proibida a discriminação contra mulheres no ensino superior. Através do decreto, em vigência a partir de 1881, estudantes do sexo feminino poderiam adquirir títulos acadêmicos.[2][6]
Neste cenário, Francisco Lobato deixou o Rio Grande do Sul e mudou-se com os filhos para o Rio de Janeiro. Em 1884, o pai matriculou Rita e um de seus irmãos, Antônio, no curso de Medicina.[3]
Contrariando as noções pré-estabelecidas de que a educação superior feminina estava condicionada ao magistério como apoio à formação de professoras destinadas a lecionar em cursos primários, as mulheres que ousaram adentrar outros cursos facilitaram o processo educacional de futuras estudantes, que passaram a enfrentar com menor frequência as questões de ordem moral tão populares na época. As influências da ideologia vitoriana que norteavam as ações da sociedade brasileira começaram a ceder espaço para o investimento na profissionalização de acadêmicas do sexo feminino, com o apoio de personalidades como Ruy Barbosa. Em específico na Medicina, as estudantes pioneiras foram responsáveis pela desmistificação de teorias positivistas, deterministas, evolucionistas e higienistas que associavam a mulher ao estereótipo de fragilidade moral e intelectual.[7]
Embora querida pelo diretor Sabóia, antigo dirigente da Faculdade de Medicina, os estudos de Rita foram interrompidos ao fim do primeiro ano pelo conflito entre o irmão e a reitoria da instituição. A causa do episódio, que resultou em agressão corporal e discussões calorosas entre os envolvidos, foi a Reforma Felipe Franco de Sá. A medida alterou o regulamento das escolas superiores e declarou possível a antecipação de exames, entre outras modificações que alguns alunos julgaram prejudiciais.[8][3][4]
Na intenção de precaver os filhos contra retaliações pelo ocorrido, Francisco embarcou com a família no navio Vapor Ceará rumo a Salvador. Após a chegada, no dia 14 de maio de 1885, Rita e os irmãos receberam mais uma chance de completar os estudos.[9]
Matriculada no segundo ano da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Rita estava inicialmente receosa em relação a algum tipo de possível recepção hostil, mas surpreendeu-se com a ternura dos colegas. Além das amizades com os estudantes da nova classe, a jovem era muito próxima dos professores e celebrava eventos e festas nas residências dos próprios intelectuais. Alguns deles, com quem tinha maior proximidade, eram José Pedro de Souza, Manoel Joaquim Saraiva, Antônio Pacífico Pereira e Manuel Vitorino.[2][9]
Os seis anos de duração do curso de Medicina tornaram-se três devido ao empenho da estudante. Cinquenta dias após a primeira aula, Rita fez uso da norma que a tinha levado até Salvador e requereu o adiantamento de seus exames. Aprovada, continuou a estudar incessantemente e em março de 1886 já estava matriculada no terceiro ano. Cerca de dois meses depois, solicitou um novo adiantamento e foi aprovada mais uma vez. Em julho do mesmo ano a aluna prodígio cursava o quarto período e em outubro realizou as provas que a levariam ao quinto ano. Absurdamente avançada em relação aos parâmetros, decidiu tirar férias e passar cinco meses conhecendo a Bahia. Ao retornar, o quinto período foi completado em dois meses e meio, sendo o início datado em março de 1887 e a conclusão em junho. Na ocasião, aos 21 anos, ingressou e concluiu o sexto período em dois meses, finalizando sua jornada acadêmica em outubro do mesmo ano.[3]
Com notas sempre exemplares nas disciplinas de Física Médica, Química Mineral, Mineralogia Médica, Botânica, Zoologia Médica, Química Orgânica, Histologia, Anatomia Geral e Descritiva, Fisiologia, Anatomia, Fisiologia Patológica, Patologia Geral, História da Medicina, Toxicologia e Medicina Legal, só faltava apresentar a tese de conclusão do curso. Em um auditório lotado, Rita Lobato foi aprovada pela Comissão Revisora em 24 de novembro de 1887 com a tese "Paralelo entre os métodos preconizados na operação cesariana". Menos de um mês depois, em 10 de dezembro, foi consagrada como a primeira mulher formada em Medicina no Brasil durante sua cerimônia de formatura.[10]
A escolha do tema e o recorte atribuído a ele fizeram com que a recém-formada recebesse inúmeras críticas de homens e mulheres que consideravam o conteúdo do documento inadequado. Entretanto, Rita acreditava na subversão de um sistema de atendimento que prezava o pudor em detrimento da saúde. Quando começou a atender, mulheres que se recusavam a ser minuciosamente examinadas por médicos do sexo masculino passaram a frequentar seu consultório.[2][11]
Carreira e matrimônio
Ao se formar, Rita brevemente se despediu dos irmãos e retornou ao Rio Grande do Sul na companhia do pai. Antônio Maria Amaro de Freitas, com quem manteve um relacionamento à distância durante os anos de faculdade, a esperava por lá.[3]
Em pouco tempo, a médica começou a atender em consultório particular. Sua clientela era majoritariamente feminina.[3]
Rita e Antônio casaram em 18 de julho de 1889, na Estância Santa Vitória, em Jaguarão. Neste dia, adotou o nome Rita Lobato Freitas como oficial. Após um ano vivendo na cidade, o casal retornou a Porto Alegre. A partir desse momento, ela passou a atender em seu próprio domicílio, recebendo pacientes de todas as classes sociais.[2]
Em 26 de outubro de 1890 nasceu Isis Lobato Freitas, a primeira e única filha do casal. Meses após dar à luz a menina, Rita viajou ao lado da família para a Europa. No retorno, durante o ano seguinte, adquiriram a Estância de Capivari, onde Antônio definitivamente abandonou sua formação em Direito para dedicar-se aos trabalhos rurais e à mineração.[2]
Nove anos depois, em março de 1910, Rita Lobato deixou a família já consolidada para retomar os estudos. Na intenção de adquirir conhecimento acerca dos novos procedimentos e descobertas na área da Medicina, a doutora passou a residir em Buenos Aires por cinco meses, onde frequentou cursos e palestras, estagiou em hospitais portenhos e atendeu à conferências do setor.[2][3]
No retorno ao Brasil, continuou a trabalhar sob influência de seus ideais e do respeito à memória da mãe: atendia aos ricos e pobres de Capivari, Rio Pardo e arredores.[3]
Em 1925, a filha de Rita e Antônio subiu ao altar. Logo após a cerimônia de casamento, a médica decidiu se aposentar e encerrar as atividades na área. O material cirúrgico utilizado em sua antiga clínica foi doado à Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre.[2]
Família
Rita Lobato era muito próxima dos familiares e do marido, já que estes eram seus maiores apoiadores. Enquanto viva, recebeu a notícia da morte de muitos deles com profunda tristeza.[12]
A mãe, Rita Carolina Velho Lopes, faleceu após dar à luz ao décimo quarto filho. Na época, Rita, aos 17 anos, testemunhou a morte da progenitora em decorrência de uma hemorragia grave gerada por complicações no parto e prometeu nunca deixar que a história se repetisse em suas mãos.[12]
Em carta deixada para a família e lida postumamente, Dona Carolina pedia: “Minha filha, se fores médica algum dia, praticas sempre a caridade”. Tais palavras jamais foram esquecidas e a médica atendeu aos desejos da mãe até o fim de seu exercício na Medicina.[2]
Vítima da varíola, um dos irmãos de Rita faleceu em 1885, aos onze anos de idade.[13]
Em 1898, o mais velho entre os treze irmãos veio a falecer em São Paulo.[3]
A morte do pai ocorreu meses depois, no mesmo ano. Francisco Lobato caminhava ao lado de Rita todos os dias até a faculdade, aguardando o fim das aulas e o retorno da filha sentado em frente à praça da instituição. Por essa e outras razões, a doutora encontrava-se verdadeiramente abalada com o fatídico acontecimento.[12]
O envolvimento com a política levou Rita Lobato ao cenário político. Após filiar-se ao Partido Libertador, a médica disputou, em 1934, o cargo de vereadora de Rio Pardo, no Rio Grande do Sul. Em 21 de agosto do mesmo ano, foi eleita como a primeira mulher a ocupar a posição na localidade.[3][15]
Embora a ascensão do Estado Novo, derivado do golpe getulista de 1937, tenha interrompido seu mandato ao interditar as câmaras municipais, a médica continuou a apoiar e lutar pelo que acreditava até o fim da vida. Nem o acidente vascular cerebral que sofreu em 1940, já aos 73 anos, a impediu de estar atenta aos desdobramentos da política nacional.[3][15]
Morte
Durante os últimos meses de vida, mesmo vítima parcial de deficiência auditiva e visual, manteve-se lúcida e altiva. Rita Lobato Velho Lopes faleceu na Estância de Capivari, em Rio Pardo, no interior do Rio Grande do Sul, aos 87 anos, em 6 de janeiro de 1954.[3][4] Seu corpo está sepultado no Cemitério Municipal de Rio Pardo.[16]