Radioquímica

Trabalho de rádioquímica realizado em uma glovebox (caixa de luvas) que permite a manipulação de matérias perigosos.

A Radioquímica é o ramo da Química que estuda reacções químicas usando técnicas radioactivas. São utilizados isótopos radioactivos para determinar o mecanismo e extensão de reacções químicas, seguindo-se o decaimento radioactivo de reagentes, produtos e intermediários reaccionais.

As técnicas usadas em Radioquímica são aplicadas em áreas tão diversas como a Bioquímica, a Geologia e a Arqueologia.

Tipos de radiação utilizados

Os radioisótopos – isótopos instáveis e, portanto, radioactivos de elementos químicos – sofrem decaimento radioactivo, emitindo no processo radiação. Esta pode ser de três tipos, denominados alfa, beta e gama:

  1. A emissão alfa consiste na emissão de partículas alfa (que contêm dois protões e dois neutrões, sendo portanto equivalente a um núcleo de hélio) por um núcleo atómico. Quando ocorre esta emissão, a massa do átomo em decaimento diminui quatro unidades e o seu número atómico diminui em dois.
  2. A radiação beta consiste na transmutação de um neutrão num electrão e num protão. Quando este processo ocorre, o electrão formado é emitido pelo núcleo para a nuvem electrónica do átomo. Assim, a radiação beta consiste na emissão de electrões.
  3. A radiação gama é a emissão de energia electromagnética (como os raios X) pelo núcleo de um átomo. Esta radiação acompanha frequentemente o decaimento radioactivo alfa ou beta.

Os três tipos de radiação são distinguíveis pela diferença no seu poder de penetração na matéria. A radiação alfa é bloqueada por apenas uma folha de papel ou alguns centímetros de ar. A radiação beta pode ser bloqueada usando uma folha de alumínio com apenas alguns milímetros de espessura. A radiação gama é a mais penetrante, necessitando-se escudos protectores à base de metais pesados (normalmente chumbo ou bário) e de cimento para reduzir a sua intensidade.

Alguns elementos naturalmente radioactivos incluem o urânio e o rádio. Para o estudo de reacções que não envolvem normalmente elementos naturalmente radioactivos, usam-se compostos artificialmente enriquecidos com um isótopo radioactivo de um elemento que entre na sua composição. Exemplos de tais isótopos incluem o carbono-14, o fósforo-32 e o trítio.

Exemplos de aplicações

Em geral, o uso de radioisótopos tem a vantagem de permitir uma sensibilidade muito grande nos ensaios, ou seja, podem ser usadas quantidades pequenas de reagentes em tais reacções químicas.

Em Imunoquímica

A utilização de anticorpos marcados radioactivamente facilita a identificação de antígenos característicos de determinadas patologias (normalmente proteínas membranares de bactérias ou proteínas do envelope de vírus). Algumas técnicas em Imunoquímica que usam este tipo de marcação incluem o ELISA e o RIA.

Anticorpos que reconheçam marcadores tumorais podem ser marcados com isótopos radioactivos de modo a ministrar uma dose local de radiação para destruição do tumor. Isto é feito porque os anticorpos são fabricados de modo a reconhecerem apenas células cancerosas, produzindo um tipo de radioterapia muito específico.

Em Biologia Molecular

Técnicas radioquímicas são usadas de forma rotineira em Biologia Molecular. O DNA pode ser marcado radioactivamente promovendo a sua síntese na presença de nucleótidos contendo 32P e/ou 35S. Esta técnica foi usada em 1952 por Alfred D. Hershey e Martha Chase para demonstrar que é o DNA de um bacteriófago, e não as proteínas que o constituem, que entra na bactéria Escherichia coli quando esta é infectada, e providencia toda a informação que leva a bactéria a produzir novos bacteriófagos. Esta foi uma das experiências que determinou definitivamente que eram os ácidos nucleicos, não as proteínas, os portadores da informação hereditária.

Em Bioquímica

Foram diversas as descobertas em Bioquímica recorrendo a técnicas radioquímicas. O uso de metabolitos marcados radioactivamente permitiu o estabelecimento de muitas das sequências de reacções em vias metabólicas.

Foi possível demonstrar, por exemplo, que a reacção de descarboxilação do piruvato a acetil-CoA é irreversível, ao adicionar 14CO2 a acetil-CoA na presença da enzima que catalisa a reacção.[1]

O 14CO2 foi também usado na identificação de metabolitos do ciclo de Calvin. Expondo algas unicelulares a 14CO2 durante um curto período de tempo, seguindo-se a sua rápida disrupção e análise cromatográfica do conteúdo celular, foi possível demonstrar quais os metabolitos que se tornavam radioactivos, identificando-se o 3-fosfoglicerato como um dos primeiros intermediários na reacção.[1]

Metabolitos precursores de vias metabólicas, como o piruvato e o acetato, são também passíveis de marcação com 14C. Marcando-se átomos de carbono em posições específicas da estrutura da molécula, é possível verificar que metabolitos resultam marcados radioactivamente, e em que posições das suas respectivas estruturas moleculares tal marcação acontece. Este método permitiu a detecção e identificação dos metabolitos envolvidos em vias como a beta-oxidação de ácidos gordos ou o ciclo dos ácidos tricarboxílicos.

Em Arqueologia e Geologia

A datação radiométrica usa a presença de determinados isótopos radioactivos naturalmente existentes em objectos para averiguar a idade dos mesmos. Uma das técnicas mais populares, usada em Arqueologia, é a datação por carbono-14, em que objectos com milhares de anos podem ser datados com alguma precisão.[2] Em Geologia, é possível determinar a idade de rochas com vários milhões de anos, usando por exemplo o potássio-40 ou o urânio-235.[3]

Em Química Ambiental

A existência de radioisótopos no ambiente, sejam estes de origem natural ou artificial, é uma área de estudo da Química Ambiental que usa técnicas radioquímicas. São frequentemente analisadas situações em que isótopos radioactivos, produzidos natural ou artificialmente, possam afectar a saúde pública e o ambiente.

Um exemplo é a medição do nível de rádon (222Rn), um gás produzido pelo decaimento radioactivo do isótopo 226Ra. O rádon infiltra-se em edifícios e dissolve-se na água;[4][5] existem zonas em que a sua produção natural pode exceder os limites recomendados para exposição de seres humanos. Como o rádon é um gás, pode ser respirado e é uma possível causa de cancro do pulmão.

Referências

  1. a b David L. Nelson, Michael M. Cox , "Lehninger Principles of Biochemistry", 4ª edição, W. H. Freeman, 2005, ISBN 978-0716743392
  2. [1]
  3. «Cópia arquivada». Consultado em 30 de janeiro de 2007. Arquivado do original em 23 de novembro de 2006 
  4. P. Boffetta, "Human cancer from environmental pollutants: The epidemiological evidence", Mutation Research/Genetic Toxicology and Environmental Mutagenesis, 2006, 608, p.157-162
  5. M. Forte, R. Rusconi, M.T. Cazzaniga e G. Sgorbati, "The measurement of radioactivity in Italian drinking waters", Microchemical Journal, 2007, 85, p.98-102