Nota: Para a cidade turca de mesmo nome, veja Bodrum.
A Mesquita de Bodrum (em turco: Bodrum Camii - Mesih Paşa Camii, em homenagem ao seu fundador) é uma antiga igreja ortodoxa grega convertida numa mesquita pelos otomanos. A igreja era então conhecida pelo nome gregoMireleu (em grego: Eκκλησία του Μυρελαίου; romaniz.: Myrelaion)[1].
Alguns anos antes de 922, possivelmente durante as guerras contra Simeão I, da Bulgária, o drungárioRomano I Lecapeno comprou uma casa na quinta região de Constantinopla, não muito longe do Propôntida, num lugar chamado Myrelayon ("o lugar da mirra" em grego)[2]. Após sua ascensão ao trono imperial, este edifício se tornou o núcleo de um novo palácio imperial, que pretendia rivalizar com o vizinho Grande Palácio de Constantinopla, e ser também o templo familiar dos Lecapenos[3].
O palácio de Mireleu foi construído sobre uma rotunda gigante do século V que, com um diâmetro externo de 41,8 metros era a segunda maior do mundo antigo, segunda apenas à do Panteão[4]. No século X, a rotunda já não era mais utilizada e foi convertida - provavelmente pelo próprio Romano - em uma cisterna, cobrindo o interior com um sistema de abóbadas sustentado por pelo menos 70 colunas[5]. Perto do palácio, o imperador bizantino construiu uma igreja, que ele planejou desde o início utilizar como sepultura para sua família. O imperador então trouxe para lá três sarcófagos de mármore que pertenciam ao imperador Maurício e seus filhos e que estavam na igreja de São Mamede[6].
A primeira pessoa a ser enterrada ali foi a sua esposa Teodora, em dezembro de 922, seguida por seu filho mais velho e coimperador Cristóvão, que morreu em 931[6]. Ao fazê-lo, Romano interrompeu uma tradição de seiscentos anos pela qual todos os imperadores bizantinos desde Constantino I estavam enterrados na Igreja dos Santos Apóstolos.
Posteriormente, o imperador converteu seu palácio num convento e, após a sua deposição e morte no exílio como um monge na ilha de Prote em junho de 948, ele também foi enterrado ali. Além disso, sua filha, Helena Lecapena, viúva de Constantino VII Porfirogênito e a única ligação legítima de Romano com o Império, foi enterrada em Mireleu (e não em Santos Apóstolos), ao lado do marido[6].
O templo foi consumido por um incêndio em 1203, num evento ocorrido provavelmente em 18 de agosto quando um grupo de soldados flamengos, ajudados por marinheiros de Pisa e Veneza, iniciaram um gigantesco incêndio na parte sul de Constantinopla para cobrir sua retirada[7], durante a Quarta Cruzada. Durante a escavação arqueológica perto da mesquita, um fragmento de um pé de um uma estátua dos tetrarcas foi encontrado, confirmando assim a tradição de que este grupo (agora fixado na parede da Basílica de São Marcos em Veneza) fora roubado dali pelos venezianos em 1204[7]. Abandonado durante a ocupação latina de Constantinopla (1204 - 1261), o edifício foi consertado no final do século XIII, durante o período da restauração paleóloga.
Após a conquista otomana de Constantinopla em 1453, a Mireleu foi convertida numa mesquita pelo Grão-Vizir Mesih Paxá por volta do ano 1500, durante o reinado de Bajazeto II. A mesquita foi renomeada por conta de sua estrutura (o significado da palavra turcabodrum é "abóbada subterrânea", "porão"), mas ela também ficou conhecida pelo nome de seu fundador. O edifício foi novamente danificado por incêndios em 1784 e em 1911, quando ela foi finalmente abandonada.
Em 1930, uma escavação liderada por David Talbot Rice descobriu a cisterna circular. Em 1964-1965, uma restauração radical liderada pelo Museu Arqueológico de Istambul substituiu quase toda a alvenaria externa do edifício, quando foi interrompida. A "restauração" substituiu 90% do material original com novos blocos de concreto, o que modificou o formato das portas e janelas, apagou as juntas e eliminou os cursos em forma de serra que definiam as linhas originais do edíficio[8]. Em 1965, duas escavações em paralelo lideradas pelo especialista em história da arte Cecil L. Striker e R. Naumann se focaram respectivamente na sub-estrutura e no palácio imperial. O edifício foi finalmente restaurado em 1986, quando ele reabriu como uma mesquita. Em 1990, a cisterna também foi reformada e chegou a abrigar um shopping center por alguns anos. Agora o local é utilizado para as orações das mulheres.
Arquitetura
Edifício
O edifício, cuja alvenaria é inteiramente de tijolos, foi construído sobre uma fundação feita de cursos alternados de tijolos e pedras e tem um plano em forma de quincunce, com um lado de nove metros de comprimento[9].
A nave (naos) é coberta por um domo guarda-chuva, com a abóbada interrompida por janelas arqueadas, o que dá à estrutura um ritmo ondulado. As naves dos quatro lados são cobertas por abóbadas de berço. O edifício tem ainda um nártex do lado oeste e um santuário do leste. A área central do nártex está coberta por um domo e as duas laterais, por abóbadas de aresta. A nave está repartida por quatro pilares, que substituíram, no período otomano, as colunas originais (algo que aconteceu com muitas igrejas bizantinas). Diversas aberturas - janelas, Oeil-de-boeuf e arcos - permitem a entrada de luz no edifício.
O exterior é caracterizado pelos contrafortes cilíndricos que articulam a fachada[10]. O edifício tem ainda três absides poligonais. A central é a do santuário (bema), enquanto que as laterais são das duas capelas laterais em forma de trevo (pastofória), prótese e diacônico.
Os otomanos construíram um minarete de pedra perto do nártex. O edifício estava originalmente decorado com um revestimento de mármore e mosaicos, que desapareceram completamente. Como um todo, a Mesquita de Bodrum mostra uma forte semelhança com a igreja norte do complexo de Fenari Issa[11].
Sub-estrutura
A sub-estrutura, ao contrário do edifício, tem um aspecto austero e pouco elaborado. Originalmente, seu objetivo era apenas o de colocar a igreja no mesmo nível do palácio dos Lecapenos. Após a restauração no período dos paleólogos, ela foi utilizada como uma capela funerária. Durante as escavações ali realizadas, foram encontrados restos de um afresco representando uma mulher fazendo uma oferenda à TeótocoHodegetria[12].
O edifício é o primeiro exemplo de uma igreja funerária particular de um imperador bizantino, iniciando uma tradição típica do final das dinastias posteriores dos dinastia Comneno e dos paleólogos. Outros exemplos são o complexo do Pantocrator e a Igreja de São João Batista em Lips. Além disso, o edifício representa um belo exemplo do desenho quincunce de igreja, um novo tipo arquitetural da arquitetura bizantina intermediária[13].
Referências
↑A identificação com a igreja pode ser feita graças à minuciosa descrição dada por Petrus Gillius em sua obra topográfica sobre Constantinopla. Striker (1981), p. 3
↑O vendedor era um tal Kraterios. Striker (1981), p. 6.
Mathews, Thomas F. (1976). The Byzantine Churches of Istanbul: A Photographic Survey (em inglês). University Park: Pennsylvania State University Press. ISBN0-271-01210-2
Gülersoy, Çelik (1976). A guide to Istanbul (em inglês). Istanbul: Istanbul Kitaplığı. OCLC3849706
Striker, Cecil L. (1981). The Myrelaion (Bodrum Camii) in Istanbul (em inglês). Princeton NJ: Princeton University Press
Krautheimer, Richard (1986). Architettura paleocristiana e bizantina (em italiano). Turin: Einaudi. ISBN88-06-59261-0
Ligações externas
«Mesquita de Bodrum» (em inglês). Archnet. Consultado em 2 de agosto de 2011. Arquivado do original em 25 de maio de 2006
«Myrelaion Church» (em inglês). Byzantium 1200. Consultado em 2 de agosto de 2011