Maternidade livre, responsável ou consciente é um lema feminista[2][3] que reivindica a liberdade da mulher para decidir sobre sua própria reprodução ou maternidade, utilizando o planejamento familiar - métodos anticonceptivos e a interrupção voluntária da gravidez- com o objetivo de engendrar ou não descendentes e, se for o caso, decidir sobre o número de filhos, bem como o momento e as circunstâncias, sejam sociais, econômicas e/ou pessoais, nas que se deseja tê-los.[4][5]
Antecedentes históricos da maternidade livre
Neomalthusianismo
A Teoria populacional malthusiana (finais do século XIX e princípios do século XX) considerava um problema o excesso de famílias numerosas e a reprodução ilimitada das classes pobres já que condenava-lhes a uma vida miserável. Para resolver esta situação propunham a tomada de consciência sobre a necessidade da procriação limitada ou procriação consciente do proletariado, a separação entre sexualidade e reprodução, a defesa da maternidade livre, a promoção do planejamento familiar, o cuidado dos meninos bem como o uso e difusão de métodos anticonceptivos artificiais.[6][7][8][9]
Paul Robin fundou em 1896 a Liga da Regeneração Humana da França cuja presidência de honra foi ocupada pelo inglês George Drysdale, autor de Elementos de Ciência Social, livro de 1854 que se tornou referência para o neomalthusianismo francês e espanhol. Seu irmão Charles R. Drysdale, também pioneiro do neomalthusianismo, escrevendo, entre outros, os livros The Population Question (1892) e The Cause of Poverty (1891).[10] A Liga da Regeneração Humana foi dissolvida em 1908. Eugene Humbert e Jeanne Humbert foram dois dos líderes do movimento que continuaram a difusão das ideias neomalthusianas e dos métodos anticonceptivos, inclusive mesmo após terem sido proibidos por lei em 1920. Esse ativismo e recusa em se adequar aos assuntos permitidos pela lei, os levaram a ser presos diversas vezes. Eugene Humbert foi diretor da revista Génération Consciente, denominado Órgão de propaganda para a limitação voluntária de nascimentos (Organe de propagande pour a limitation volontaire dês naissances, Néo-Malthusianisme).[6]
Entre as publicações neomalthusianas nas quais se reivindicava a maternidade livre, estão o opúsculo de 1906 de Paul Robin 'Livre amour, livre maternite' (amor livre, maternidade livre) e o livro de Jean Marestan de 1902 Le Mariage, l’amour livre et a livre maternité (O casamento, o amor livre a maternidade livre).[6] Em Espanha, em 1906 - Luis Bulffi de Quintana publica "¡Huelga de vientres! Medios prácticos para evitar las familias numerosas" (Greve de ventres! Meios práticos para evitar as famílias numerosas), um panfleto de 32 páginas sobre o controle da procriação. Desde o neomalthusianismo demandava-se a assunção de seus postulados pelo feminismo da época.[11]
Começos do planejamento familiar
O desejo de ter ou não filhos podia até ser discutido em privado na sociedade, no entanto, estava fora de alcance a possibilidade efetiva de ter acesso aos métodos anticonceptivos e, no caso do aborto induzido, poder fazer o procedimento em condições sanitárias e legais e evitar assim os abortos inseguros que causavam uma alta mortalidade materna. Surge então o conceito de planejamento familiar que inclui tanto a educação sexual como o acesso a métodos anticonceptivos e a prática da interrupção voluntária da gravidez.
A norte-americana Margaret Sanger (1879-1966) e a britânica Marie Stopes (1880-1958) são consideradas pioneiras na reivindicação do planejamento familiar, na abertura das primeira clínicas de controle de natalidade em seus países bem como na criação das primeiras associações nacionais e internacionais de controle da natalidade.
Margaret Sanger foi uma enfermeira ativista a favor do planejamento familiar e fundadora, em 1921, da "Liga americana para o controle da natalidade" (American Birth Controle League) que converter-se-ia em 1942 na 'Federação americana para o planejamento familiar' (Planned Parenthood Federation of America - PPFA) que, junto a outras associações similares de numerosos países, constituiu em 1952, na Índia, a Federação Internacional de Planejamento Familiar da que Sanger foi presidenta até 1959.[12][13][14]
Marie Stopes foi uma paleobotánica, acadêmica e ativista dos direitos da mulher e, como Sanger, pioneira no campo do controle da natalidade. Suas contribuições à paleontologia vegetal consideram-se significativas, tendo sido a primeira mulher acadêmica na Universidade de Manchester. Com seu segundo marido Humphrey Verdon Roe, fundou a primeira clínica para o controle da natalidade da Grã-Bretanha, em 1923. Stopes editou o boletim Birth Controle News onde se davam conselhos práticos explícitos. Ela acreditava que o casamento deveria ser sexualmente satisfatório para as duas pessoas envolvidas. Por isso, em março de 1918 publicou seu livro Married Love, um manual para vida sexual agradável para casais, que vendeu 2 mil cópias nas duas primeiras semanas após o lançamento, e 500 mil cópias até 1924. Esse manual foi polêmico e influente já que pôs no discurso público o tema do controle da natalidade. Stopes nunca esteve a favor do aborto induzido já que considerava que a prevenção -com o uso adequado de métodos anticonceptivos- era suficiente.[15]
Direitos reprodutivos, planejamento familiar e direitos sexuais
Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos que já são reconhecidos em leis nacionais, documentos internacionais de direitos humanos e outros documentos de consenso. Esses direitos baseiam-se no reconhecimento do direito básico de todos os casais e indivíduos de decidir livre e responsavelmente o número de filhos, o espaçamento dos nascimentos e de ter a informação e os meios para fazê-lo, bem como o direito de atingir o mais alto nível de saúde sexual e reprodutiva. Também inclui o direito de tomar decisões reprodutivas sem discriminação, coerção ou violência, conforme estabelecido em documentos de direitos humanos.
Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, Cairo, Egito, 5 a 13 de setembro de 1994, UN Doc. A/CONF.171/13/Rev.1 (1995)
A inclusão e integração do planejamento familiar dentro do campo dos direitos reprodutivos e da saúde reprodutiva produz-se pela primeira vez na Conferência Internacional para melhorar a saúde das Mulheres e da Crianças por meio do Planejamento Familiar, em Nairobi, Kenia, (5 a 9 de outubro de 1987).[16]
Em numerosos países os serviços de planejamento familiar têm passado a ser parte da rede sanitária. Os serviços de planejamento familiar oferecem umas conjunto prestações oferecidas por profissionais sanitários especializados que incluem atividades e práticas educativas, preventivas, médicas e sociais que permitem aos indivíduos, incluídos menores, determinar livremente o número e intervalo de seus filhos e selecionar o meio mais adequado a suas circunstâncias.[17] Para isso oferecem informação e acesso aos diferentes métodos anticonceptivos bem como assistência médica especializada para conseguir espaçar as gravidezes desejadas e evitar as gravidezes não desejadas. A finalidade última do planejamento familiar consiste em melhorar a saúde da mãe, seus filhos e a família em general. Neste sentido, as medidas preventivas de saúde básicas reconhecidas são o espaçamento dos partos, a limitação do tamanho da família e a programação dos nascimentos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece critérios médicos para eleger o uso de um ou outro método anticonceptivo. Estes critérios pretendem garantir que as mulheres e os homens de todo mundo tenham acesso a serviços de planejamento familiar seguros e de alta qualidade.[20][21][22][23]
O Aborto induzido ou interrupção voluntária ou intencional da gravidez consiste em provocar a finalização prematura do desenvolvimento vital do embrião ou feto antes de que a gestação avance, sua prática pode ser realizada seja como aborto com medicamentos ou como aborto cirúrgico. A prática do aborto induzido está qualificada de maneira muito diferente pelos países já que estes dão um tratamento jurídico do aborto muito diverso, desde o aborto livre durante um número de semanas de gestação até a proibição total, com criminalização da prática.
Aborto com medicamentos
O medicamento de referência é a Mifepristona, que em doses altas, se administra para a prática do aborto com medicamentos junto com Misoprostol e se usam entre as primeiras 7 a 9 semanas de gravidez (49 a 63 dias).[27]
Aborto cirúrgico
O aborto cirúrgico é o conjunto de técnicas cirúrgicas que têm o fim de provocar um aborto induzido (utilizando diferentes técnicas dependendo das circunstâncias, diagnóstico e tempo de gestação.[28]
Reprodução assistida e Inseminação artificial
Os tratamentos para promover a fertilidade são também demandados como parte da reivindicação da maternidade livre ante situações de infertilidade. A reprodução assistida ou fecundação artificial é a técnica de tratamento da esterilidade ou infertilidade que implica uma manipulação dos embriões. Pode levar-se a cabo por meio de inseminação artificial e fecundação in vitro.
Bibliografia
1906 - Paul Robin, 'Livre amour, livre maternite', Librairie de Regeneration, Paris (opúsculo com numerosas edições)
1906 - Luis Bulffi de Quintana, Greve de ventres! Meios práticos para evitar as famílias numerosas, Biblioteca Editorial Saúde e Força, Barcelona, 32 págs.
190? - Jean Marestan, 'Lhe Mariage, l’amour livre et a livre maternité'.
1907 - Nelly Roussel, 'Libertei-a da Maternité'.
Jean Marestan, 'O casal, o amor livre e a livre maternidade', Telleres Borneo, 1920 - 207 páginas
1971 - R. Guerrand, 'A livre maternité', 1896-1969, Tornai, Casterman.[29]
1983 - A. McLaren, 'Sexuality and Social Order: The Debate of Fertility of Women and Workers in France', 1770-1930, Nova York, Holmes & Meier.
1991 - Gisela Bock & Pat Thane, 'Maternity and Gender Policies: Women and the Rise of the European Welfare'.
1996 - Gisela Bock e Pat Thane (eds.) Maternidade e políticas de género, em feminismos, Madri.
2011 - Anne Cova - 'Féminismes et néo-malthusianismes sous a IIIe République: "Libertei-a da maternité", L'Harmattan.