Kyudo

Kyudo (em japonês: 弓道; lit. o caminho do arco), é a arte marcial japonesa do tiro com arco. Apesar da sua actual forma ter evoluído, ao longo das últimas décadas, para uma unificação, trata-se da mais antiga arte marcial japonesa, com as primeiras referências históricas a datarem do século VII da nossa era.

Propósitos do kyudo

Na sua forma actual, o kyudo é práticado como uma forma de desenvolvimento da pessoa em sentido integral, através do corpo nos seus componentes físicos e mentais. No Japão muitos arqueiros praticam o kyudo com uma vertente de desporto. Segundo o Manual de Kyudo da Federação Japonesa de Kyudo (ANKF), a verdade do kyudo está na unidade de três princípios, (1) a estabilidade do corpo, (2) a estabilidade da mente e (3) a estabilidade do arco. Dedicar-se e concentrar-se completamente no tiro é, então, um objectivo que está para além do mero acertar o alvo.

História do kyudo

O arco foi uma arma de guerra sobretudo entre os séculos XII e XVI. Para além disso, o tiro foi também, e desde os século VI, utilizado em cerimónias de corte. Como arma foi perdendo importância após a introdução das armas de fogo pelos portugueses no século XVI. As escolas de tiro com arco, então existentes, evoluem para formas de tiro onde a ênfase é colocada tanto nos aspectos técnicos e físicos quanto nos aspectos mentais e formais do tiro.

A palavra kyudo começa a utilizar-se ao longo do século XVII, a par da designação corrente que ainda hoje subsiste de kyujutsu; é a partir do início do século XX que a designação de kyudo se generaliza.

A partir de 1930 surgiram os primeiros esforços para unificar a prática do kyudo, uma vez que existência de várias escolas, cada uma com várias técnicas e formas de tiro, dificultava a prática conjunta. É em 1934 que surge o primeiro manual de kyudo que propõe um conjunto de princípios comuns.

No entanto, é só após a segunda guerra mundial, e com a formação da Federação Japonesa de Kyudo (ANKF), que o objectivo de unificar e normalizar os procedimentos do tiro oriundos das diversas escolas é atingido e aceito no Japão, permitindo o desenvolvimento do kyudo no mundo e estabelecer uma prática comum onde diferentes formas e estilos possam coexistir e atirar em conjunto. Como consequência é publicado em 1953 o Manual de Kyudo (com 4 volumes actualmente), que será revisto e ampliado em 1971 e do qual existe, para o volume 1, uma tradução oficial em inglês e uma adaptação em francês. Este manual é uma fonte e uma referência para todos os praticantes de kyudo qualquer que seja o seu nível. A Associação Portuguesa de Kyudo[1] (APK) possui uma tradução (não editada) do volume 1.

A síntese e unificação das diversas formas de tiro pela ANKF fez-se em paralelo com as escolas tradicionais. As tradições de tiro antigas são ainda mantidas e transmitidas em paralelo com o desenvolvimento do kyudo pela ANKF. Cada escola pratica o kyudo através da coexistência das suas formas com as da ANKF.

Alguns núcleos e escolas no Japão mantêm-se à margem da ANKF, evitando por exemplo o uso das graduações em Dan, e mantendo estritamente as suas formas tradicionais de tiro.

O arco japonês tem um significado cultural amplo no Japão. A sua utilização não se limita ao kyudo, sendo utilizado no tiro a cavalo (yabusame) e em cerimónias religiosas (shintoísmo sobretudo), nas actividades de alguns mosteiros zen e em cerimónias diversas como baptizados e aberturas de torneios de sumô.

Kyudo no mundo

A ANKF[2] (Federação Japonesa de Kyudo) foi, de 1953 até 2009, o órgão que regulava a prática do kyudo em todo o mundo.

Em 30 de fevereiro de 2009 foi fundada IKYF[3] (Federação Internacional de Kyudo), que atualmente é a entidade responsável mundialmente pela prática do kyudo.

Os países filiados à IKYF[4] são Japão, Austria, Bélgica, Canadá, Finlândia, França, Alemanha, Islândia, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Suiça, Inglaterra, Estados Unidos. O número de praticantes registados no mundo em 2016 era aproximadamente o seguinte: Japão - 120.000, Europa - 2.500, América - 600, Ásia (excepto Japão) - 300, África - 50, e Oceania - 150.

Também são reconhecidos pequenos núcleos em alguns países que praticam o kyudo e são reconhecidos pela ANKF: Argentina, Brasil, Dinamarca, Hungria, Letónia, Lituânia, México, Nova Zelândia, Polónia, Russia, Tailândia e Ucrânia.

Kyudo no Brasil

Em 2008, foi criada a Associação Brasileira de Kyudô - BKK (ブラジル弓道会)[5], no Rio de Janeiro. Embora ainda não seja oficialmente filiada à IKYF, a BKK já é reconhecida no site desta, encontrando-se sob orientação da Federação de Kyudo dos EUA (AKR) e sendo, desta maneira, a entidade representativa oficial do kyudo no Brasil. Além do Rio de Janeiro, existem grupos filiados e que recebem orientação da BKK em Brasília, São Paulo, Paraíba, Paraná, Bahia, Amazonas, entre outras localidades.

Kyudo em Portugal

A Associação Portuguesa de Kyudo - APK[6] foi fundada em 2001[7]. A APK está afilada na EKF sendo reconhecida pela IKYF e ANKF como a entidade oficial do kyudo em Portugal.

Em 2022 foi fundada a ANKP - Associação Nacional Kyudo Portugal [8].

Equipamento

Arco

Yumi (arco de Kyudô)

O arco japonês (yumi) é excepcionalmente longo (cerca de 2,20 m), ultrapassando a altura do próprio arqueiro (kyudoka). Os arcos são tradicionalmente feitos de bambu, madeira e couro utilizando técnicas que não mudaram em séculos, apesar de alguns kyudokas (principalmente os novos na arte) utilizarem arcos feitos de materiais sintéticos (fibra de vidro e carbono). Actualmente, mesmo alguns kyudokas veteranos utilizam arcos destes materiais, dada a grande vulnerabilidade do bambu em climas extremos.

Flecha

Ya (flecha de Kyudô)

A flecha (ya) é tradicionalmente feita de bambu, e era adornada com penas de águia ou de falcão. A maioria das flechas actualmente ainda são feitas de bambu Pseudosasa japonica (apesar de muitos kyudokas utilizarem as de alumínio ou fibra de carbono), e as penas actualmente são de aves que não correm perigo de extinção, como perus. Os arqueiros normalmente atiram com duas penas em cada flecha, (a primeira chama-se haya, a segunda otoya).

Luva

No tiro utiliza-se uma luva na mão direita chamada yugake, ou seja luva (kake) do arco (yumi). Esta luva é feita de pele de gamo ou veado, e possui um revestimento endurecido na região do polegar, além de um pequeno encaixe na sua base para que a corda do arco (tsuru) seja mais facilmente puxada. Existem diversos tipos de luvas consoante o número de dedos que têm. A luva de três dedos (polegar, indicador e médio) designa-se por mitsugake. A luva de quatro dedos (polegar, indicador, médio e anelar) chama-se yotsugake. A luva de cinco dedos designa-se por morogake sendo a menos comum.

Treino e prática

A prática do kyudo para um principiante inicia-se com os primeiros treinos em que os movimentos básicos do tiro (hassetsu) são aprendidos de mãos vazias, sem arco. Após 2-3 treinos o praticante inicia os movimentos com uma fisga ou elástico. Depois os mesmos movimentos são repetidos já com o arco, mas sem flechas. De seguida o praticante será levado para o primeiro tiro em frente de um alvo de palha (makiwara) situado a curta distância (+/- 2 metros) onde disparará as suas primeiras flechas já com a luva na mão direita. Depois durante dois ou três treinos passará a disparar ao alvo, primeiro a curta distância (5-6 metros), depois a meia distância (14 metros) depois a 20 metros e finalmente à distância normal do alvo, que é de 28 metros. Entre o início da aprendizagem e o primeiro tiro ao alvo a 28 metros poderão passar entre 1 a 3 meses, dependendo do número de treinos por semana e do praticante.

A par desta aprendizagem da técnica do tiro, o praticante inicia-se também desde o início nos movimentos formais, uma vez que os movimentos e deslocações na zona do tiro são feitos segundo um conjunto de princípios estabelecidos: a entrada na zona de tiro, a saudação, a aproximação à linha de tiro, o ajoelhar para preparação das flechas o levantar para o tiro, a sequência do tiro e a saída. A postura e a forma do corpo ao longo de todas as fases e movimentos é um aspecto essencial na prática do tiro.

Uma sessão de treinos depende do contexto em que se realiza, do tempo disponível e do número de praticantes envolvidos; sendo derivado não só, mas também, de antigas práticas guerreiras, a imprevisibilidade e capacidade de adaptação são parte essencial do kyudo. Tipicamente inicia-se um treino com alguns movimentos breves de aquecimento e exercícios respiratórios. Depois segue-se o tiro contra o alvo de palha (makiwara) a curta distância, podendo ainda ser antecedido pela prática dos movimentos do hassetsu sem arco. No tiro ao makiwara, o atirador concentra-se sobretudo na postura e na técnica sem a preocupação com o alvo. O treino de makiwara é fundamental para a evolução de qualquer atirador, qualquer que seja o seu nível e não apenas para os iniciados; no Japão muitas cerimónias públicas envolvendo ou não artes marciais são inauguradas com um tiro de cerimónia ao makiwara executado pelo mestre de mais alta graduação presente. Após o tiro ao makiwara os praticantes passam então a atirar contra ao alvo à distância de 28 metros. O tamanho do alvo é normalmente 36 cm de diâmetro (ou 12 sun, uma unidade de medida tradicional do Japão que equivale a cerca de 3,03 cm), e ficam a uma distância de 28 metros do kyudoka. Esta distância do alvo e a sua posição baixa, a 15 cm do chão, é aquela que permite que o atirador permaneça numa postura vertical correcta com o corpo firme e em extensão em todas as direcções (baixo-cima, direita-esquerda e frente-trás).

Técnica

O tiro efectua-se sempre com o arco na mão esquerda - yunde, a mão do arco - e a mão direita com luva segura a corda. Pode-se treinar individualmente, mas as diferentes formas de tiro são sempre de tiros em grupo em que os atiradores atiram segundo uma seqüência em tempos determinados e com movimentos coordenados entre si. Também por isso os atiradores estão todos virados para o mesmo lado.

O abrir do arco deve ser efectuado através de um movimento simultâneo dos braços direito e esquerdo que se inicia com ambas as mãos acima da altura da cabeça. Na extensão máxima a corda e a mão direita ficam bem atrás da cabeça. Apesar dos receios que a corda possa bater no rosto, é muito raro isso acontecer.

Imediatamente após o tiro, o yumi irá (para um kyudoka com prática) rodar na mão, fazendo com que a corda do arco pare na frente do antebraço externo. Este movimento, o yugaeri é uma combinação de técnica e da movimentação natural do arco. É único no kyudo.

Os movimentos executados durante o tiro seguem a seguinte sequência, designada hassetsu, conforme prescrito pela Federação Japonesa de Kyudo - All Nippon Kyudo Federation (ANKF) no Kyudo Kyohon (Manual de Kyudo):

  • Ashibumi - Abertura dos pés;
  • Dozukuri - Postura do corpo;
  • Yugamae - Preparação do arco (para o tiro);
  • Uchiokoshi - Elevar o arco;
  • Hikiwake - Abertura do arco;
  • Kai - Encontro (a posição de extensão máxima);
  • Hanare - Disparar da flecha;
  • Zanshin - Permanência da forma do corpo.

Graduações

O sistema de graduações baseia-se na atribuição de graus que vão de 1º dan a 10º dan. Abaixo de 1º dan poderão ser atribuídos os graus de kyu que vão de 5º a 1º. Tal como noutras artes marciais, a passagem de grau torna-se mais lenta conforme se evolui, correspondendo a uma maior exigência na evolução. Assim, e aproximadamente, considera-se que o 3º dan corresponde a um nível de evolução 3 anos acima do 2º dan, o 5º dan a um nível de evolução de 5 anos acima do 4º dan, e assim sucessivamente.

Para além dos graus, existem três títulos que correspondem a níveis de mestria do kyudo: Renshi (após 5º dan), Kyoshi (após 6º dan) e Hanshi (após 8º dan). No kyudo não é utilizado o sistema de cintos coloridos para distinguir os graduados. As graduações em todo o mundo são apenas atribuídas pela ANKF através da realização de exames que ocorrem no Japão, na Europa e no continente americano. Normalmente, são organizados estágios anuais na Europa e nos EUA com mestres japoneses da ANKF seguidos de atribuição de grau. Os graus de 9º dan e 10º dan e o título de Hanshi não são obtidos através de exame mas por nomeação da ANKF. O grupo de hanshis (8º, 9º e 10º dan) é muito restrito, existindo apenas cerca de 100 mestres, todos japoneses.

Escolas principais

All Nippon Kyudo Federation (ANKF)

A Federação Japonesa de Kyudo é, desde 1953, o órgão de cúpula do kyudo no Japão.

Escolas tradicionais

Várias escolas tradicionais continuam a existir, mas desde a formação da ANKF algumas têm desaparecido. A ANKF tem vindo a unificar a prática do kyudo num conjunto de princípios comuns, embora admitindo ainda algumas diferenças originárias das escolas principais.

Escolas tradicionais

  • Ogasawara Ryu - origem no século XII
  • Heki Ryu Chikurin-ha - com origem no século XV, ramo da escola Heki
  • Heki Ryu Insai-ha - com origem no século XV, ramo da escola Heki
  • Heki Ryu Sekka-ha - com origem no século XV, ramo da escola Heki
  • Honda Ryu - origem no século XIX.

Bibliografia

  • Kyudo Manual - Volume I, All Nippon Kyudo Federation (A.N.K.F.), Jinnan,Shibuya-Ku, Tokyo - 1994
  • Kyudo: The Essence and Practice of Japanese Archery, Hideharu Onuma com Dan e Jackie DeProspero, Kodansha Internatinal Ltd., Tokyo - 1993
  • Morisawa, Jackson S. - O segredo de acertar o alvo. 10ª ed. São Paulo, Brasil. Editora Pensamento, 1997.
  • Herrigel, Eugen - A arte cavalheiresca do arqueiro zen. 22ª ed. São Paulo, Brazil. Editora Pensamento-Cultrix, 2007.

Referências

  1. «APK - Associação Portuguesa de Kyudo» 
  2. «ANKF - All Nippon Kyudo Federation» 
  3. «IKYF - International Kyudo Federation» 
  4. «Entidades Filiadas da IKYF» 
  5. «BKK - Associação Brasileira de Kyudô» 
  6. Kyudo,ポルトガル弓道連盟,APK,APKyudo,APKyudo,Kyudopt, Associação Portuguesa de. «Associação Portuguesa de Kyudo». www.kyudo.pt. Consultado em 3 de novembro de 2018 
  7. «Associação Portuguesa de Kyudo». Diário da República Nº61, III Série. 13 de março de 2001 
  8. «Fundação da ANKP». ANKP. Consultado em 22 de outubro de 2024 

Ver também

Ligações externas

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