A génese do movimento espírita no país remonta a reuniões familiares de experimentação e a livros e revistas adquiridos por portugueses com contatos com a França desde a segunda metade do século XIX.
As primeiras edições dos primeiros livros da Codificação Espírita de Allan Kardec vieram a público em Portugal em 1882, como parte da "Biblioteca Ilustrada de Estudos Psichológicos", lançada pela Tipografia Modesto & C., na Calçada do Tijolo nº 39, em Lisboa.[1]
Esse período é marcado ainda pelo impacto, junto à opinião pública do país, das mensagens psicografadas pelo médium português Fernando de Lacerda, que haviam dado lugar à publicação dos três primeiros volumes de "Do País da Luz".
No início de 1910 um grupo de jovens constitui-se em Lisboa para o estudo e discussão de temas ligados ao Espiritismo, ao Ocultismo e ao Hipnotismo. Desejoso de repetir as experiências com as chamadas "mesas falantes", os jovens reuniram-se em torno de uma pequena mesa "pé-de-galo" mas, ao fim de oito meses de tentativas infrutíferas, quando a mesma começou a movimentar-se, um dos componentes do grupo adoeceu, e o grupo passou a reunir-se em um banco de jardim, no Campo de Ourique.
A 1 de janeiro de 1911, o grupo que se denominava "Universala Scienca Instituto" (em esperanto) passou a ter sede própria e, denunciados à polícia política, foi investigado pelas autoridades. Esclarecido que não se tratava de um grupo de conspiradores políticos, mas apenas de "espiritismo", o incidente valeu-lhes publicidade nos periódicos da capital à época, e o grupo contou com a adesãop de outros jovens, vindo a abrir uma filial, na cidade do Porto.
Devido à intensa agitação política e social vivida naquele momento crítico da Proclamação da República Portuguesa, e à diversidade de interesses entre os participantes, em fins desse mesmo ano tanto o grupo de Lisboa, quanto o do Porto, haviam encerrado as suas actividades.
Alguns de seus elementos, porém, fundaram o Instituto Internacional de Psicologia, que iniciou as suas actividades (1912) na conhecida rua Áurea, na Baixa de Lisboa. A entidade possuía seções para o estudo do Espiritismo, para o de Ocultismo e para o Hipno-Magnetismo. O dinamismo do grupo, que tinha como órgão de divulgação a revista "Novos Horizontes", contagiou muitas pessoas, não apenas em Portugal continental, mas também nas suas então colónias.
A eclosão da Primeira Guerra Mundial levou à dissolução do Instituto Internacional de Psicologia, com a suspensão da circulação de sua revista. O dinamismo do grupo, que tinha, a par do espiritismo, uma secção de Ocultismo e outra de Hipno-Magnetismo, havia contagiado muita gente, por todo o país, ilhas adjacentes e Colónias. As publicações espíritas vicejavam, e fora feito o necessário contraponto aos ideais materialistas, bem como aos dogmas religiosos que já não satisfaziam os que necessitavam de uma fé raciocinada.
A União Espírita Algarvia foi uma das primeiras entidades formadas em torno da doutrina espírita em Portugal, tendo sido a responsável pela organização, no Algarve, dos dois primeiros congressos espíritas no país, ainda a nível regional.
Dada a boa receptividade a esses eventos e conforme mobilização em que teve papel expressivo o periódico algarvio "Ecos do Além", foi organizado na capital do país o I Congresso Espírita Português, que teve lugar no Ateneu Comercial de Lisboa, nos dias 15, 16, 17 e 18 de Maio de 1925.[2] A afluência de público e a qualidade das comunicações apresentadas foram elevadas, o que se repercutiu, de modo geral, na imprensa daquela cidade. Entre os nomes então presentes, destacavam-se:
"O I Congresso Espírita Português, realizado em Lisboa nos dias 15, 16, 17 e 18 de Maio de 1925, foi, sem lisonja, uma admirável congregação de esforços, donde resultou um brilhantismo invulgar, a que toda a imprensa diária da capital prestou justas homenagens, pela elevação científica e moral que presidiu à discussão das teses apresentadas."[3]
A fundação da Federação Espírita Portuguesa
Cerca de um ano mais tarde, a 26 de maio de 1926[4], curiosamente dois dias antes da revolução do 28 de Maio, constituiu-se a Federação Espírita Portuguesa, com a condução do processo legal a cargo de António Joaquim Freire. Os seus propósitos estatutários eram os de promover a divulgação da Doutrina Espírita, a união dos espíritas portugueses, e o combate aos charlatães oportunistas que já então usavam indevidamente o qualificativo de "espírita" para iludirem os incautos e que faziam da mediunidade paga, e de outros expedientes, o seu modo de vida. A instituição foi inaugurada em sessão solene a 31 de julho de 1926, sendo António Freire o responsável pela nomeação do seu primeiro presidente, o Dr. Afonso Acácio Martins Velho.
A entidade organizava cursos de ciências psíquicas, conferências e saraus, e editava a "Revista de Espiritismo" ("Revista de Metapsicologia" ?), seu órgão oficial, fundada ainda em 1926.[5] Editava ainda o jornal "O Mensageiro Espírita". Implantou um laboratório de estudos metapsíquicos e uma biblioteca aberta ao público, com uma sala de leitura e empréstimo domiciliar de obras. Aos sócios admitidos era cobrada uma quota mensal, e a sua organização era constituída por uma Direcção, um Conselho Fiscal, uma Junta Consultiva, um Conselho Superior Deliberativo e uma Assembleia Geral.
A busca de uma sede
A sede da Federação, inicialmente à travessa André Valente nº 7 em Lisboa, foi transferida para a rua da Assunção nº 58, na mesma cidade. Sendo insuficientes estas instalações, em 1 de janeiro de 1931 foi transferida para a Costa do Castelo nº 68/1º andar, em Lisboa. Entretanto, um grupo de espíritas contraíra um empréstimo sem juros (8 de agosto de 1928) para a aquisição de um terreno para a construção de uma sede própria, abrindo-se uma subscrição para angariação de fundos para esse fim. Neste processo destacou-se Firmino de Assunção Teixeira (que viria a ser nomeado pela FEP como "sócio-benemérito") que legou à FEP um grande edifício situado na rua da Palma nºs 251-263. Contudo, o prédio necessitava de obras, e a FEP, reduzida a proveitos de quotas e pequenos donativos, não podia fazer face a semelhante encargo, pelo que decidiram arrendar o imóvel à empresa do Cinema Rex,[6] e arrendar uma casa mais modesta na Rua de S. Bento, na mesma cidade.[7]
Crises internas
Ao longo de sua existência, a instituição não ficou imune a momentos de crise em termos de gestão. Os períodos mais difíceis foram dois. O primeiro decorreu, na década de 1940 do afastamento de António Freire, por discordância com as decisões de alguns do elementos que compunham a Direção, alguns anos mais tarde. Posteriormente a esse desligamento, Freire publicou uma carta aberta na revista Além, da SPIP, onde fala acerca da sua expulsão (ocorrida após o seu desligamento) e da do Dr. António Eduardo Lobo Vilela do quadro de sócios da FEP. Nela referia a ação dos elementos daquela Direção, o inexplicável atraso nos pagamentos do legado de Firmino Teixeira às associações espíritas, e a ausência de devida prestação de contas daquela Federação aos seus associados.[8] Mais tarde, após ter retornado ao movimento, em 1950, o mesmo Freire subscreveu, com outros elementos responsáveis pela fundação da Federação, um abaixo-assinado, pedindo uma Assembleia-Geral para eleição de novos Corpos Sociais, o que veio a acontecer. Entretanto, ainda insatisfeito com o movimento federativo português, veio a afastar-se.
Ilegalização e espoliação das associações espíritas em 1953
Desde o início do Estado Novo que o Espiritismo não sofrera interferência de maior por parte do governo salazarista. No entanto, é de supor que o regime, no mesmo espírito que o levara a proibir a maçonaria portuguesa, considerasse o movimento espírita com extrema reserva, desconfiança e desagrado, por ser notoriamente condenado pela Igreja Católica[9] e por constituir um potencial refúgio ou rede de opositores políticos, à semelhança do que acontecera também com o movimento de renascimento judaico no Porto, liderado pelo perseguido capitão Barros Basto e do que viria a suceder com o movimento cineclubista em Portugal.
Em 1952, estalou uma polémica entre comentaristas de dois órgãos da imprensa católica — Rádio Renascença e o jornal Novidades — e um dirigente espírita, que ia respondendo aos ataques, colocando-se a FEP no centro de atenções perigosamente indesejadas. Em 1953, no decurso de um pedido da aprovação da abertura de um laboratório de investigações parapsicológicas e da aprovação de novos Estatutos da FEP, que foram liminarmente indeferidos, o Ministério do Interior, aproveitou a oportunidade que ingenuamente lhe era estendida para desferir o golpe fatal e, entre outras medidas, suspender a personalidade jurídica da FEP e, anticonstitucionalmente, determinar o confisco do património das entidades espíritas no país[10], como por exemplo, o prédio de que a FEP era proprietária na rua da Palma e o da Sociedade Portuense de Investigações Psíquicas (SPIP), na rua Álvares Cabral nºs 22-26, no Porto.[11]
Desse modo, na manhã de 7 de dezembro de 1953, a polícia invadiu a sede da FEP, confiscando-lhe todos os bens e propriedades, que foram entregues à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que, por sua vez, os entregou à Casa Pia, perdendo-se a valiosa biblioteca, com um acervo, à época, estimado em mais de 12.000 volumes. No entanto, a documentação administrativa da FEP, foi entregue em 1963 à guarda do Arquivo da Torre do Tombo, onde se encontra actualmente.[12]
Interditado o direito de reunião e de associação no país, dois periódicos congregam os espíritas portugueses: a revista "Estudos Psíquicos" (sob a direção de Isidoro Duarte Santos, então tenente da Marinha Portuguesa) e a revista "Fraternidade" da Associação de Beneficência Fraternidade (sob a direção de Eduardo Matos, lançada em 1964 e que ainda subsiste).
O pós-25 de Abril
Com a Revolução de 25 de Abril, que veio restaurar as liberdades cívicas e a democracia no país, o movimento espírita - mesmo perdidas as suas antigas lideranças - volta a reagrupar-se, reorganizando-se associativamente. Tem papel fundamental nesse momento a reorganização da FEP e as revistas "Estudos Psíquicos" e "Fraternidade".
Um requerimento de duas páginas, datado de 16 de dezembro de 1974, solicita ao Estado Português a restituição do vasto património da FEP alienado pela Ditadura Salazarista, mas nunca teve qualquer resposta.
O "ENJE - Encontro Nacional de Jovens Espíritas", inicia-se em 1985 nos subúrbios do Porto, com periodicidade semestral, mas, mais tarde, passa a realizar-se 1 vez por ano.
Em 8, 9 e 10 de Novembro de 1994 ocorre, promovido pela FEP, o II Congresso Nacional de Espiritismo, um grande êxito dentro e fora do movimento espírita.
Em 30 de abril de 1995 a FEP inaugura a sua nova sede própria, maior do que anterior.
↑Nesse prédio viria a funcionar depois o Teatro Laura Alves, de 1968 a 1987. Seguidamente, o prédio mudou novamente de dono, ali se instalando uma pensão de terceira categoria e lojas baratas no piso térreo. Em 25 de Maio de 2012, houve um grande incêndio que danificou seriamente o edifício, destruindo-lhe o telhado e os andares subjacentes. Em 2020, continua semi-arruinado, com uma cobertura de lona e tubagem a protegê-lo da chuva. Marisa Soares (26 de Maio de 2012). «Incêndio destruiu prédio do antigo Teatro Laura Alves». 26 de Maio de 2012. Consultado em 27 de Dezembro de 2020
↑«O espiritismo implica muitas vezes práticas divinatórias ou mágicas; por isso, a Igreja adverte os fiéis para que se acautelem dele.», Catecismo da Igreja Católica, §2117 Vaticano (1992). «Catecismo da Igreja Católica». 11-10-1992. Consultado em 27 de Dezembro de 2020