A Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto (FMUAN) é uma escola médica da Universidade Agostinho Neto, com infraestruturas localizadas nas cidades de Talatona, Luanda e Caxito.
História
Primórdios
A FMUAN reclama ser a sucessora da Aula de Medicina e Anatomia de Luanda, criada pela Carta Patente de D. Maria I, em 24 de abril de 1789, sob o comando do médico José Pinto de Azeredo, sendo portanto a instituição orgânica mais antiga da Universidade Agostinho Neto.[1][2] Seu primeiro edifício académico foi a Santa Casa da Misericórdia de Luanda.
Em 1791, as primeiras ministracções didácticas que compunham a "Aula de Medicina e Anatomia de Luanda" começaram após o seu primeiro diretor, o médico e físico-mor de Angola José Pinto de Azeredo, ter proferido o seu discurso inaugural chamado de "Oração de sapiência" no prédio da Santa Casa de Misericórdia. Integravam o corpo docente desta Aula de Medicina, além de Pinto de Azeredo, o médico militar Francisco Xavier de Cayros e o cirurgião Manuel da Cruz.[3][4]
Durante essa existência inicial, as autoridades coloniais demonstravam um grande desinteresse em seu funcionamento, como se pode observar na carta de 25 de Janeiro de 1792, escrita pelo governador-geral de Angola, Manuel de Almeida e Vasconcelos, na qual ele informava que a Aula de Medicina, Anatomia e Matemática era pouco frequentada.[3][4]
Em 28 de Novembro de 1794, a Aula de Medicina e Anatomia de Luanda formou seu primeiro aluno, quando ela passou diploma de curso a João Manoel de Abreu, colono português que já tinha efetuado os seus primeiros estudos de Farmácia em Portugal, atuando como boticário naquela cidade.[3] Esta instituição ainda graduou como médicos outros dois colonos portugueses: Guilherme José Pires e Francisco de Carvalho, ambos ajudantes de cirurgia que atuavam em órgãos militares da administração colonial portuguesa em Angola.[4]
O conteúdo do currículo ofertado pela Aula de Medicina e Anatomia de Luanda era composto pelo ensino das disciplinas de Anatomia, Fisiologia, Química, Matéria Médica e Prática de Medicina.[3]
A Aula de Medicina e Anatomia de Luanda será um dos primeiros espaços acadêmicos a propicionar as condições para a produção de um dos pioneiros estudos científicos de medicina tropical do mundo, ainda no século XVIII, quando o seu professor José Pinto de Azeredo publicou os resultados de sua experiência como médico, pesquisador e docente em 1799, por meio de uma edição fac-similada, por meio do livro "Ensaios sobre algumas enfermidades de Angola".[3][4]
Em agosto de 1797, houve a primeira mudança no quadro docente deste estabelecimento de ensino com a substituição de Pinto de Azevedo, que havia se mudado para Portugal, pelo médico Joaquim José Marques, que passou a ensinar na referida escola até 1799, quando foi substituído por José Maria Bontempo.[3][4]
Em 29 de dezembro de 1836 a Aula de Medicina passou a denominar-se Escola Médico-Cirúrgica de Luanda[1] e, em 2 de abril de 1845, alterou-se finalmente a denominação para Instituto Prático de Medicina da África Ocidental Portuguesa.[2]
No dia 11 de dezembro de 1851, um relatório ministerial encarecia o valor da iniciativa, apontava as dificuldades e as deficiências, distinguia a Escola Médica de Goa como a única que tinha obtido resultados aceitáveis e, por fim, em vez de propôr soluções, o decreto que encerrava aquele documento extinguia algumas dessas escolas e entre elas a de Luanda. Assim acabou uma experiência que durou mais de sessenta anos.[2]
Restauração
No retomar do ensino universitário em Angola, institucionalizando em Angola no ano de 1962, pelo decreto-lei 44530, de 21 de agosto, os Estudos Gerais Universitários de Angola (EGUA) inicialmente não tinham uma faculdade de medicina. Somente em 1963 a faculdade foi retomada, com a designação de Curso Médico-Cirúrgico dos Estudos Gerais Universitários de Angola.[5]
Pós-independência
De acordo com os médicos e pesquisadores Guilherme Bugalho Gomes, Mário Fresta, e Victor Kajibanga, a partir da independência angolana, a história da Faculdade de Medicina da UAN pode ser dividida em 3 períodos[6]:
- 1º período (1975-1977);
- 1º período (1978-1992);
- 3º período (1993-atualmente).
Primeiro período (1975-1977)
Neste primeiro momento da Faculdade de Medicina, após a independência, foi marcada como um período de transição em que a estrutura administrativa desta instituição era composta por órgãos colegiais que buscavam reproduzir os anseios de democratização despertados pela luta contra a colonização lusitana. Esta estrutura era formada por uma Comissão diretiva, pelo Conselho científico-pedagógico, por 5 departamentos de ensino e pela Comissão pedagógica[6].
Quase um ano passado sobre a data da independência nacional, em 28 de setembro de 1976, o então Ministro da Educação António Jacinto assina a Portaria 77-A/76 que transforma a Universidade de Luanda em Universidade de Angola, onde se extinguem nesta universidade os cursos, como o Curso Médico-Cirúrgico, e passam a denominar-se Faculdades. Assim, surge pela primeira vez a designação de Faculdade de Medicina.[5]
Segundo período (1978-1992)
Neste segundo período, a Faculdade de Medicina da UAN era gerida por um modelo burocrático-centralizado, no qual a influência do poder político exercido pelo Presidente da República era notória, tanto na nomeação dos órgãos, como em todo o funcionamento da FM-UAN.[6]
Nessa época foi criado o cargo de Diretor da Faculdade de Medicina, o qual atuava como uma liderança autocrática, pois ele se tornou o responsável por tomar todas as decisões sobre a gestão institucional desta unidade.[6]
Até o ano de 1981, a Faculdade de Medicina da Universidade de Angola situada em Luanda foi o único estabelecimento de ensino médico existente em todo território angolano, situação que mudou neste ano com a criação de um curso de medicina na cidade de Huambo. Porém, este curso ficou durante toda a década de 1980 sob tutela da Faculdade de Medicina situada em Luanda.[7]
A denominação de Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto decorreu da Resolução 1/85 do CDS, publicada em Diário da República 9 - 1ª Série em 28 de janeiro de 1985.[5]
Em 1991, a Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto em Luanda deixa de tutelar o curso de Huambo, a qual passa a atuar como uma unidade autónoma, porém, com seus diplomas sendo expedidos pela Universidade Agostinho Neto até o ano de 2000.[7]
Nesta época, houve grandes conflitos entre os académicos e os dirigentes da Faculdade, que eram nomeados pelo MPLA, que se confundia com o próprio estado angolano. Estas tensões culminaram na primeira grande crise institucional registada no ano de 1990, a qual levou à destituição da direção do período e ao recurso à uma Comissão Directiva Provisória da FM-UNA. Esta comissão durou um ano, quando em 1991, ocorreu a normalização funcional da Faculdade.[6]
Terceiro período (1993-atual)
Neste terceiro período de sua história contemporânea, a FM-UAN passou a adoptar um modelo burocrático-colegial, caracterizado uma maior democratização das instâncias administrativas por meio da realização de eleições para os seus órgãos diretivos e, também, pela participação ativa de seus intervenientes (professores, funcionários administrativos e estudantes) na vida da instituição.[6]
A Faculdade de Medicina será pioneira nessas medidas de democratização administrativa dentro da comunidade universitária da Universidade Agostinho Neto ao realizar em 1993 a primeira eleição para Diretor da Faculdade, medida que irá prosseguir pelos anos seguintes constituindo uma tradição dentro desta unidade.[6]
Em 7 de novembro de 2003, durante a gestão de Cristóvão F. C. Simões, então Diretor da FMUAN, foi criado o "Centro de Estudos Avançados em Educação e Formação Médica" (CEDUMED) no referido estabelecimento de ensino com o objetivo de qualificar o ensino médico oferecido pela instituição. Este estabelecimento foi sob a direcção do professor Mário Fresta.[8]
Em meados de 2004 surgiram os primeiros reflexos do CEDUMED com a oferta de seu primeiro curso de segundo ciclo: o mestrado em educação médica, que se tornou o primeiro curso de segundo ciclo voltado para o ensino médio oferecido em solo angolano. Este mestrado ofertado pela FMUAN tinha o propósito de qualificação didática, científica e administrativa do seu próprio quadro docente e, também, de outros médicos que atuavam em Angola.[8]
Foi em meados da década de 2000 que foi criado um dos primeiros periódicos académicos desta Faculdade: a Revista Angolana de Educação Médica (RAEM), quando publicou quatro números experimentais.[8]
Infraestrutura
As principais estruturas da Faculdade de Medicina estão localizadas, desde 2012, na Cidade Universitária da Universidade Agostinho Neto, na Camama, no município de Talatona. Porém a instituição ainda preserva seus antigos polos de ensino e prática no Hospital Universitário Américo Boavida, no Rangel, e na Maternidade-Escola Lucrécia Paim, na Maianga,[9] ambos em Luanda.
No Caxito a instituição mantém o Centro de Estágios da Faculdade de Medicina, além de manter parcerias com o Centro de Investigação em Saúde de Angola e o Hospital Geral do Bengo para prática de ensino.[10]
A nível de licenciatura a Faculdade oferta:[11]
A nível de pós-graduação oferta:
- Especialização em Neuropsicologia Clínica;
- Mestrado em Educação Médica;
- Mestrado em Epidemiologia de Campo e Treino Laboratorial;
- Mestrado em Saúde Pública.
A FMUAN ainda mantém a nível de investigação o Centro de Estudos em Educação e Formação Médica (CEDUMED).[12]
Pessoas notáveis
Período colonial
- José Pinto de Azeredo (ex-professor) - físico-mor de Angola, médico e pesquisador luso-brasileiro;
- João Manoel de Abreu (ex-aluno) - boticário português, foi o primeiro médico formado por esta instituição luandina em 1794. Atuou como cirurgião-mor em Benguela no século XIX.
Pós-independência
Referências
- ↑ a b «Os estudos de Medicina nos Séculos XVIII e XIX». Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto. Consultado em 28 de abril de 2016 [ligação inativa]
- ↑ a b c «Os Portugueses no Congo: Lição 6 - Cultura, educação e ensino em Angola». ReoCities Athens. Consultado em 28 de abril de 2016. Arquivado do original em 4 de junho de 2014
- ↑ a b c d e f Martins dos Santos (1998). «CULTURA, EDUCAÇÃO E ENSINO EM ANGOLA» (PDF). Edição do autor. Consultado em 5 de maio de 2024
- ↑ a b c d e Laurinda Abreu (2021). «Formações e carreiras médicas em Portugal no tempo de José Pinto de Azeredo (1764-1810)». História, Ciências, Saúde-Manguinhos. Scielo. Consultado em 5 de maio de 2024
- ↑ a b c Faculdade de Medicina. Universidade Agostinho Neto. 2018
- ↑ a b c d e f g Guilherme Bugalho Gomes, Mário Fresta, Victor Kajibanga (2021). «Modelos de organização duma faculdade de medicina - Estudo de caso da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto - Perspetiva histórica (1975-2007)». Anais do IHMT. Consultado em 5 de maio de 2024
- ↑ a b Albano V. L. Ferreira, Mário Fresta, Cristóvão F. C. Simões, Maria do Rosário B. Sambo (2021). «Desafios da Educação Médica e da Investigação em Saúde no Contexto de Angola». Revista Brasileira de Educação Médica. Scielo. Consultado em 5 de maio de 2024
- ↑ a b c Mário Fresta, Carlos Tuti (2021). «Mestrado em educação médica, uma estratégia para qualificar a educação médica em Angola». Anais do IHMT. Consultado em 5 de maio de 2024
- ↑ Origem da Maternidade Lucrécia Paim. Maternidade Lucrécia Paim. 2022.
- ↑ Reitora da Universidade Agostinho Neto visita Centro de Estádios da Faculdade de Medicina. Universidade Agostinho Neto. 9 de setembro de 2017
- ↑ Cursos. Universidade Agostinho Neto. 2017
- ↑ Centro de Estudos em Educação e Formação Médica. Universidade Agostinho Neto. 2017