Foi batizado simplesmente com o nome de Bartolomeu Lourenço, em 19 de dezembro de 1685, na Igreja Paroquial da vila de Santos pelo padre António Correia Peres. Era o quarto filho de Francisco Lourenço Rodrigues, cirurgião,[3] e Maria Álvares. Será mais tarde, em 1718, que adota a si o apelido "de Gusmão", em homenagem ao preceptor e protetor, o jesuítaAlexandre de Gusmão[4]
O casal teria tido ao todo doze descendentes, seis homens e seis mulheres, um dos quais, Alexandre de Gusmão, viria a se tornar importante diplomata no reinado de D. João V. Já a maioria dos seus irmãos optou ou foi orientada pelos pais a devotar-se à vida eclesiástica, dentre esses, Bartolomeu.
O menino cursou as primeiras letras provavelmente na própria Capitania de São Vicente, no Colégio São Miguel, então o único estabelecimento educacional da região. Prosseguiu os estudos na Capitania da Baía de Todos os Santos. Aí ingressou no Seminário de Belém, em Cachoeira, onde teria início a sua profícua carreira de inventor.
A edificação, situada sobre um monte de cem metros de altura, possuía precário abastecimento de água, que tinha que ser captada e transportada em vasos a partir de um brejo subjacente. Percebendo o problema, Bartolomeu inteligentemente planejou e construiu um maquinismo para levar a água do brejo até o seminário por meio de um cano longo. O invento, testado com absoluto sucesso, foi considerado admirável e de grande utilidade, inclusive pelo próprio reitor e fundador do seminário, o renomado sacerdote Alexandre de Gusmão.
Terminado o curso no Seminário de Belém em 1699, Bartolomeu transferiu-se para Salvador, capital do Brasil à época, e ingressou na Companhia de Jesus, de onde saiu antes de ser ordenado, em 1701.
Viajou para Portugal, onde chegou já famoso pela memória extraordinária, ficando hospedado em Lisboa, na casa do 3º Marquês de Fontes, que se impressionara com os dotes intelectuais do jovem. Contava ele então com dezesseis anos.
Em 1702, Bartolomeu retornou ao Brasil e deu início ao processo de sua ordenação sacerdotal. Três anos depois ele requereu à Câmara da Bahia a patente para o seu aparelho inventado anos antes - o invento para fazer subir água a toda a distância e altura que se quiser levar. A patente foi expedida em 23 de março de 1707 pelo rei Dom João V. Foi essa a primeira patente de invenção outorgada a alguém nascido em território brasileiro.
Em 1708, já ordenado padre, Bartolomeu embarcou mais uma vez para Portugal. Logo após sua chegada, em 1º de Dezembro matriculou-se na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra. Passados alguns meses, contudo, abandonou a faculdade para instalar-se em Lisboa, aonde foi recebido com sumo agrado pelo Rei Dom João V e pela Rainha Maria Ana de Áustria, apresentado que fora aos soberanos por um dos maiores fidalgos da Corte, D. Rodrigo Anes de Sá Almeida e Menezes. Esse homem era ninguém menos que o 3º Marquês de Fontes, o mesmo que o havia recolhido à sua casa aquando da sua primeira estada em Portugal.
Na capital portuguesa o padre Bartolomeu Lourenço pediu patente ou "petição de privilégio[1]" para um “instrumento para se andar pelo ar” – que se revelaria ser, mais tarde, o que hoje se conhece por aeróstato ou balão –, a qual foi concedida no dia 19 de Abril de 1709.[5] O fato causou celeuma na cidade e a notícia rapidamente se espalhou para alguns reinos europeus. O invento, divulgado por meia Europa em estampas fantasiosas que, em geral, o retratavam como uma barca com formato de pássaro, ficou conhecido como “Passarola”.
Não só no além-fronteiras que o seu prestígio pelo seu saber deve ter aumentado imenso pois, em 1722, é nomeado fidalgo-capelão da casa real portuguesa.[4]
A Passarola
As primeiras ilustrações da Passarola haviam sido na verdade elaboradas pelo filho primogênito do 3º Marquês de Fontes, D. Joaquim Francisco de Sá Almeida e Meneses, com a conivência de Bartolomeu. O 8º Conde de Penaguião e futuro 2º Marquês de Abrantes contava 14 anos em 1709 e era, então, aluno de matemática do padre, sendo a única pessoa à qual ele permitia livre acesso ao recinto em que o engenho voador era guardado. Como o rapaz vivesse assediado por curiosos, que constantemente lhe faziam indagações acerca da invenção, resolveu ele, para deixar de ser importunado, elaborar o exótico desenho da Passarola, em que tudo era propositadamente falseado. E para preservar o verdadeiro princípio da invenção – o Princípio de Arquimedes –, atribuiu a ascensão da engenhoca ao magnetismo, que era então a resposta para quase todos os mistérios científicos. Esperava dessa maneira melhor proteger o segredo confiado à sua guarda e ludibriar os bisbilhoteiros. Comunicou o plano a Bartolomeu, que o aprovou, e fingiu deixar o desenho escapar por descuido. A Passarola, inspirada ao que parece na fauna fabulosa de algumas lendas do Brasil, acabou sendo rapidamente copiada, logo se espalhando pela Europa em várias versões, para grande riso dos dois embusteiros.
Toda essa trama seria descoberta anos depois por um poeta italiano, Pier Jacopo Martello (1625 – 1727), e revelada por ele na edição de 1723 do livro Versi e prose, em que fazia um longo e meticuloso histórico das tentativas do homem para voar, das mais antigas às mais recentes daquele tempo.
As experiências com balões
Em Agosto, finalmente, Bartolomeu Lourenço fez perante a corte portuguesa cinco experiências com balões de pequenas dimensões construídos por ele: na primeira, realizada no dia 3 na Casa do Forte (Palácio Real), o protótipo utilizado pegou fogo antes de subir; na segunda, feita no dia 5 noutra dependência do palácio, a Casa Real, o aeróstato, provido no fundo duma tigela com álcool em combustão, se elevou a 4 metros, quando começou a arder ainda no ar, sendo imediatamente derrubado por dois serviçais armados de paus, receosos dum incêndio aos cortinados do recinto; na terceira, feita no dia 6 novamente na Casa do Forte, o balão, contendo no interior uma vela acesa, logrou fazer um voo curto, mas se queimou no pouso; na quarta, feita no dia 7 no Terreiro do Paço (hoje Praça do Comércio), o balonete elevou-se a grande altura, pousando lentamente minutos depois; na quinta, feita no dia 8 na Sala das Audiências, no interior do Palácio Real, o globo subiu até o teto do aposento, aí se demorando, quando enfim desceu com suavidade.
Em 3 de Outubro de 1709, na ponte da Casa da Índia, o padre fez nova demonstração do invento. O aparelho utilizado era maior que os anteriores, mas ainda incapaz de carregar um homem. A experiência teve êxito absoluto: o aeróstato subiu alto, flutuou por um tempo não medido e pousou sem estrépito.
Em 1843 o escritor Francisco Freire de Carvalho disse haver tomado conhecimento, por intermédio de um ancião chamado Timóteo Lecussan Verdier, de uma outra experiência aerostática, assistida pelo diplomata português Bernardo Simões Pessoa, em que o balão partiu da Torre de São Roque e caiu junto à costa da Cotovia por detrás de S. Pedro d’Alcântara. Segundo Carvalho, Verdier, por sua vez, assegurava que o relato da ascensão lhe fora transmitido pelo próprio Pessoa em tempos muito anteriores ao ano de 1783, quando dos primeiros voos de balões na França.
Lamentavelmente, todas essas experiências, embora assistidas por ilustres personalidades da sociedade portuguesa da época, não foram suficientes para a popularização do invento. Os pequenos balões exibidos, além de não haverem sido encarados como inovação importante ou útil, por serem desprovidos de qualquer tipo de controle - eram levados pelo vento -, foram considerados perigosos, pois podiam, como se vira, provocar incêndios. Esses fatores desestimularam a construção de um modelo grande, tripulável.
Bartolomeu Gusmão e a Inquisição
Neste templo de São Romão mártir repousam os
restos de Dom Bartolomeu Lourenço de Gusmão
presbítero português nascido na cidade de Santos- Brasil -
no ano de 1685, primeiro inventor do aérostato.
Faleceu nesta capital a 19 de novembro de 1724.
A cidade de Toledo dedica-lhe esta lembrança.
epitáfio no átrio da igreja de São Romão em Toledo
Entre 1713 e 1716 viajou pela Europa. Em 1713 registrou na Holanda o invento de uma “máquina para a drenagem da água alagadora das embarcações de alto mar” (patente que só veio a público em 2004 graças a pesquisas realizadas pelo arquivista e escritor brasileiro Rodrigo Moura Visoni).[6] Viveu em Paris, trabalhando como ervanário para se sustentar, até que encontrou seu irmão Alexandre, secretário do embaixador de Portugal na França.
O padre Bartolomeu de Gusmão voltou a Portugal, mas foi vítima de insidiosa campanha de difamação. Acusado pela Inquisição de simpatizar com cristãos-novos, foi obrigado a fugir para a Espanha, no final de Setembro de 1724, com um seu irmão mais novo, Frei João Álvares, pretendendo chegar à Inglaterra.
Segundo o testemunho que, mais tarde, João Álvares daria à Inquisição espanhola, Bartolomeu de Gusmão ter-se-ia convertido ao judaísmo, em 1722, depois de atravessar uma crise religiosa. O relato de João Álvares ao Santo Ofício, ainda que deva ser considerado com cautela, mostra, segundo Joaquim Fernandes, aspectos místicos, messiânicos e megalômanos do "padre voador".[7]
Em Toledo (Espanha), Bartolomeu adoece gravemente, recolhendo-se ao Hospital da Misericórdia daquela cidade, onde veio a falecer em 18 de novembro de 1724, aos 38 anos. Antes de morrer, porém, confessou-se e recebeu a comunhão, conforme o rito católico, e assim foi sepultado na Igreja de São Romão, em Toledo. Foram feitas, ao longo de décadas, várias tentativas para localizar a sua tumba, o que só ocorreu em 1856. Parte dos restos mortais foi transportada para o Brasil e se encontra, desde 2004, na Catedral Metropolitana de São Paulo.[8][9]
Na literatura
Figura como uma das personagens centrais do Memorial do Convento, romance de José Saramago. Na obra, Bartolomeu de Gusmão é ajudado por Baltazar Sete Sóis e Blimunda Sete Luas na construção da passarola.
ARRUDÃO, Matias. Bartolomeu Lourenço de Gusmão. São Paulo: Fundação Santos Dumont, 1959.
ASSIS, José Eugênio de Paula. Bartolomeu Lourenço de Gusmão. São Paulo: Coleção Saraiva, 1969.
AZEVEDO, João Lúcio de. Novas Epanáforas. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1932.
CARUSO, Francisco; MARQUES, Adílio Jorge. Bartolomeu de Gusmão: Raízes de um espírito inovador incompreendido. In: Bartolomeu Lourenço de Gusmão: o padre inventor. Volume I - Coleção Brasiliana da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, EDUERJ, 2011, v. I, p. 33-55.
CARVALHO, Rômulo de. História dos balões. Lisboa: Relógio d’Água, 1991.
CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid (tomo I, 1695-1735). Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1952.
FARIA, Vicomte de. Le précurseur des navigateurs aériens. Paris: Academie Aéronautique Bartholomeu de Gusmão, 1910.
FREITAS, Divaldo Gaspar de. A vida e as obras de Bartolomeu Lourenço de Gusmão. São Paulo: SEDAI, 1967.
GUSMÃO, Bartholomeu de. Reproduction fac-similé d'un dessin à la plume de sa description et de la pétition adressée au Jean V. (de Portugal) en langue latine et en écriture contemporaine (1709) retrouvés récemment dans les archives du Vatican du célèbre aéronef de Bartolomeu Lourenco de Gusmão "l'homme volant" portugais, né au Brésil (1685-1724) précurseur des navigateurs aériens et premier inventeur des aérostats. 1917 (Lausanne: Impr. Réunies S.A.) em francês e latim.
SILVA, José Soares da. Gazeta em forma de carta (anos de 1701-1716). Lisboa: Biblioteca Nacional, tomo I, 1933.
SIMÕES, Augusto Filipe. A invenção dos aeróstatos reivindicada. Évora: Typographia da Folha do Sul, 1868.
TAUNAY, Afonso d’Escragnolle. Obras diversas de Bartolomeu Lourenço de Gusmão, São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1934.
TAUNAY, Afonso d’Escragnolle. A vida gloriosa e trágica de Bartolomeu Lourenço de Gusmão. São Paulo: Imprensa Oficial, 1938.
TAUNAY, Afonso d’Escragnolle. Bartolomeu de Gusmão e sua prioridade aerostática. São Paulo: Imprensa Oficial, 1938.
TAUNAY, Afonso d’Escragnolle. Bartolomeu de Gusmão, inventor do aeróstato: a vida e a obra do primeiro inventor americano. São Paulo: Edições Leia, 1942.