Anjos da Noite é o único filme de longa-metragem dirigido por Wilson Barros. Em seu lançamento, o filme foi considerado cult e apelidado pela crítica como um dos integrantes de um movimento do cinema nacional chamado "Neon-realismo", o qual abraçava a modernidade da narrativa.[3] O diretor de fotografia responsável foi José Roberto Eliezer. O filme conta com recursos de orçamento fornecidos pela Embrafilme e pela iniciativa privada.[4] Para a música, Sérvulo Augusto assinou o contrato. As filmagens começaram em 1986 e tiveram locações em São Paulo.[4]
A trama é ambientada na noite paulista e gira em torno da solidão e das crises existenciais de diversos personagens que se cruzam pela cidade à procura de amor e aventura. O filme inicia-se acompanhando a resolução de dois assassinatos: o de um jovem executivo e o de um homem em uma banheira. Na cena inicial, vemos um monólogo da travesti Lola (Chiquinho Brandão), após assassinar seu amante na banheira do apartamento. Logo em sequência, o secretário Alfredo Nunes é morto por engano no lugar de Rudolph Asten, seu chefe. Esse erro é descoberto pela mídia e logo repercute pelos telejornais. É nesse momento em que dois outros personagens são apresentados: Malu Maneca (Zezé Motta) e Dr. Fofo (Cláudio Mamberti), uma empresária da noite paulsita e um delegado corrupto envolvido com narcotráfico e assassinatos.
Na agência da empresária Malu, a estudante de sociologia Cissa (Be Valério) está realizando uma pesquisa acadêmica e analisa a coleção de vídeos de Malu, a qual contém depoimentos de "damas da noite, transadores baratos, garotos de aluguel, doces travestis, tarados, gangsters tímidos e mascarados: meus anjos da noite", segundo a descrição da própria empresária. O assassino Bimbo (Aldo Bueno) chega à agência e questiona Cissa sobre a veracidade das gravações. Ele e a secretária Milene (Aída Leiner), sua amante, oferecem drogas e bebida à Cissa.
Concomitantemente na cidade, o diretor Jorge Tadeu (Antônio Fagundes) está ensaiando uma peça de teatro, a qual história se baseia na vida de um travesti que assassina seu amante em uma banheira. Para o elenco, Jorge se interessa por uma atriz, no entanto ele a leva para sua casa e exige uma noite de sexo em troca do papel. No apartamento de Jorge, a atriz encontra um cadáver na banheira, trazendo condições idênticas ao enredo da peça do diretor.
Nesse paralelo em que a verdade e ficção se misturam, um terceiro conjunto de ações é apresentado. Teddy (Guilherme Leme), um rapaz do interior que é abandonado pelo amante Guto (Marco Nanini) e trabalha como garoto de programa na agência de Malu. Ele passa então a atender o ex-namorado estabelecendo uma relação real e encenada. Ao fim do filme, durante o amanhecer, Cissa e Teddy se encontram em uma praça. Mesmo não se conhecendo, eles conversam de maneira melancólica sobre o vazio das relações pessoais.[1][4]
O filme foi escrito e dirigido pelo cineasta paulistano Wilson Barros, sendo esse o único filme de longa-metragem de sua breve carreira. Ele faleceu aos 43 anos, em 1992, por complicações derivadas da AIDS. Barros pertenceu a uma conhecida geração de cineastas paulistanos da década de 1980, a qual possuía em sua grande parte estudantes de cinema da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA). A produção audiovisual desse período ficou conhecida como "Cinema de Vila" devido ao núcleo de produção de filmes instalado no bairro de Vila Madalena, em São Paulo.[4] Tais produções são caracterizadas por acompanhar jornadas de personagens que não estão em busca de grandes sonhos de transformações sociais e pelo constante uso de tecnologias nas relações sociais, além de homenagear costumes urbanos apresentando um Brasil que está em constante modernização.[4]
Anjos da Noite é uma continuidade da observação do cotidiano urbano da cidade de São Paulo já trabalhada por Wilson Barros em seus curtas-metragens que antecedem o filme.[4] Aqui, a cidade é apresentada como uma "personagem múltipla", expressando o fracasso das relações sociais mediadas por barreiras, televisão e telefones impostos pela vida urbana. Esses aspectos já estão presentes nas obras Disaster Movie (1979) e Diversões Solitárias (1983), ambos curtas-metragens produzidos por Barros.[4]
Desenvolvimento
O filme teve apoio financeiro da Embrafilme após ter seu roteiro premiado pela agência de filmes. Seu orçamento ainda teve suporte da produtora Superfilmes e de seus coprodutores, que incluem a atriz Marília Pêra e o compositor Sérvulo Augusto.
Recepção
Resposta da crítica
Anjos da Noite foi recebido positivamente pelos críticos de cinema. O filme faz parte de um seleto grupo de produções audiovisuais que marcaram a década de 1980 no cinema brasileiro. Foi citado pelo psicólogo Tales Ab'Sáber em seu livro "A imagem fria: cinema e crise do sujeito no Brasil dos anos 80", onde o autor disse que Anjos da Noite é um dos mais complexos do período e que "dá mais perspectivas para uma leitura da cultura".[7] Ainda segundo Ab'Sáber, a construção da narrativa do filme, a qual traz uma constante quebra de ponto de vista do espectador, representa um " jogo de aparências e fundos falsos".[8]
A crítica elogiou a estrutura narrativa fragmentada, em harmonia com ideias do diretor.[4] Foi apontado como o filme traz um apagamento de fronteiras que separam a realidade e a ficção, além de uma fragmentação da cidade e dos personagens.[4] Nelson Brissac Peixoto, crítico do jornal Folha de S.Paulo, escreveu: "A narrativa passa sem parar da história imediata para o teatro, para o vídeo ou para um depoimento jornalístico".[9] Já Amir Labaki, também escrevendo para a Folha de S.Paulo, relacionou o filme com a literatura pós-moderna estadunidense, em especial à obra de John Barth. Ambos autores escrevem obras "canibalescas" e "autocríticas", cujas apresentam uma fragmentação em sintonia com a percepção do personagens de seu tempo.[10]
↑AB’ SABER, Tales. A cidade: técnica e superfície In: ______. A imagem fria: cinema e crise do sujeito no Brasil dos anos 80. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. p. 109-156. [S.l.: s.n.]
↑«PEIXOTO, Nelson Brissac. As imagens e os seres sublimes da cidade nua. Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 set. 1987, p. A-27.»
↑«LABAKI, Almir. Metalinguagem é a virtude de Anjos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 nov. 1987, p. A 37.»
↑«ANJOS DA NOITE». Cinemateca Brasileira. 2007. Consultado em 3 de agosto de 2020