O filme começa com Lígia (Leona Cavalli), uma garçonete que está farta de sua rotina extenuante e que é forçada a recusar rotineiramente as propostas sexuais dos clientes do bar. Um dos homens que dá em cima de Lígia é Isaac (Jonas Bloch), um necrófilo que gosta de sodomizar cadáveres e beber seu sangue. Ele mora no Hotel Texas, onde Dunga (Matheus Nachtergaele), um gay, trabalha como faz-tudo. Dunga se sente atraído por Wellington (Chico Díaz), um açougueiro que entrega carnes no hotel. Wellington, porém, é casado com Kika (Dira Paes), uma mulher que se orgulha de ser cristã evangélica. No entanto, Wellington trai a esposa com uma mulher chamada Dayse (Magdale Alves). Dayse se cansa de ser amante de Wellington e conta a Dunga sobre o relacionamento.
Dunga anonimamente revela a Kika que seu marido a está traindo, pensando que se ele pode destruir o casamento deles, ele e Wellington podem se tornar amantes. Kika encontra Wellington e Dayse juntos, os ataca e vai embora de vez. Wellington vai para o Hotel Texas em busca de consolo. Dunga quer levar Wellington para seu quarto, mas Wellington se desanima com o enterro do recém-falecido proprietário do hotel, Seu Bianor (Cosme Prezado Soares). Enquanto isso, Isaac é expulso do bar após tentar agarrar Lígia à força. Ele então é visto dirigindo seu carro e quando conhece Kika, ele a leva para seu apartamento e eles fazem sexo. No final do filme, Lígia é mostrada novamente reclamando de sua rotina. Segue-se uma montagem do cotidiano da cidade, terminando com a decisão de Kika de pintar o cabelo de amarelo manga, o mesmo tom que tanto atraiu Isaac para Lígia.
Escrevendo para o The New York Times, Stephen Holden interpretou a mensagem do filme da seguinte forma: "É assim que a metade inferior vive no Brasil e, por extensão, a humanidade em seu aspecto mais básico, vivendo sem as proteções cor-de-rosa que a riqueza oferece."[6] Por tratar desse tipo de tema, o filme foi rotulado como "violento". Em resposta, Assis disse que "filma a vida como ela é".[7] Jose Solis, do PopMatters, declarou que "apesar de sua aparência triste, o filme é uma celebração da vida".[8] Assis tentou contrastar a violência retratada pelos filmes de ação de Hollywood com as "pequenas violências" que as pessoas enfrentam todos os dias, tornando-as "poéticas e violentas ao mesmo tempo".[9] O personagem de Jonas Bloch atirando em cadáveres representa "um vício inofensivo e simbólico" da mesma forma que outros aspectos do filme "vem disso, dessa violência dentro de nós".[9]
Escrevendo no The New Yorker, Michael Sragow disse que: "O conteúdo humano... é o material da exploração artística."[10] Domingas Person, da revista IstoÉ Gente, escreveu que a frase "o ser humano é estômago e sexo", dita pelo padre no filme, é um bom resumo do "espírito" do filme.[11] Escrevendo para o Diário de Pernambuco, Luciana Veras declarou que o filme "fala dos excluídos que também almejam o mesmo que os personagens das novelas de Hollywood ou dos romances franceses: amor e felicidade".[12] Assis criticou o fato de vários diretores gostarem de "glamourizar a pobreza" e, como tal, caracterizou seus personagens para mostrar o vício do povo.[9] José Geraldo Couto, da Folha de S.Paulo, escreveu que o filme mostra que "os miseráveis não são queridos esperando a misericórdia dos outros, mas cheios de vida, dispostos a matar ou morrer para satisfazer seus desejos e instintos".[13] Deborah Young, da Variety, opinou que a cor amarela manga representa tanto "a sombra ictérica de seus sonhos desfeitos" quanto seu senso de "inconformidade e sensação de vida".[14]
Antecedentes e produção
Antes da Amarelo Manga, Cláudio Assis trabalhou como diretor de produção no filme Baile Perfumado, de 1996, e como diretor de três curtas-metragens.[15] Um deles, o Texas Hotel, serviu de inspiração para Amarelo Manga. Alessandro Giannini, de O Estado de S. Paulo, disse que o Texas Hotel é "uma espécie de 'teste privilegiado' de Amarelo Manga", enquanto Ken Fox do TV Guide descreveu o Amarelo Manga como uma "versão expandida" do Hotel Texas.[16] Couto escreveu que a "série gratuita de aberrações" apresentada no Texas Hotel se transformou em uma "narrativa articulada e cheia de significado".[13]
O custo de produção foi de R$ 450 mil. Assis ficou feliz com isso, lembrando que os filmes brasileiros custavam em média R$ 3 milhões na época.[11] As filmagens ocorreram nos subúrbios das cidades de Recife e Olinda, ambas no estado de Pernambuco. Foi filmado com câmeras 35 mm trazidas de São Paulo e Rio de Janeiro, e as filmagens ocorreram em cinco semanas entre setembro e outubro de 2001.[17]
Uma das primeiras ideias de Assis para o filme foi mostrar os pelos pubianos de uma garçonete que ele conhecia.[11] Embora não soubesse como incluir esse elemento, os pêlos púbicos de cor amarela combinaram com o livro Tempo Amarelo, do sociólogo Renato Carneiro Campos.[11] O título do filme foi emprestado do livro, no qual o autor descreve os "dentes podres das crianças, a cor da pobreza no país".[18] Assis queria fazer um filme que mostrasse "a cara do povo brasileiro. Somos do Terceiro Mundo e precisamos olhar para nós mesmos".[19]
Recepção
A estreia de Amarelo Manga foi realizada no Festival do Rio em 4 de outubro de 2002,[18] enquanto foi lançado nos cinemas nacionais em 15 de agosto de 2003.[11] Apesar de receber elogios da crítica de cinema, foi recebido moderadamente pelo público brasileiro.[20] Amarelo Manga arrecadou R$ 769.750,00, com uma audiência de 129.021 pessoas nas dezesseis salas brasileiras em que foi exibido, representando a décima segunda maior audiência de um filme nacional em 2003.[21]
Resposta da crítica
As críticas especializadas em geral foram bastante elogiosas ao filme, mas ressaltaram que muitos poderiam se chocar com muitas das imagens do filme, cuja estética brutal é apresentada em contraste com imagens corriqueiras do Recife. No IMDb, o filme tem nota 6,7, baseada em 1934 avaliações de usuários.[22]
Os personagens, as atuações dos atores e a trilha sonora foram elogiados por Person e Veras, com Veras observando que as caracterizações do filme evitavam estereótipos. A cinematografia do filme foi elogiada por Person e Veras assim como por Marcelo Hessel do Omelete e Alcino Leite Netto da Folha de S.Paulo, com Netto avaliando que a imagem não era "decorativa" nem "sobressalente", mas uma parte do filme.[23] A representação do filme sobre a vida real no Brasil foi elogiada por Hessel e Veras, com ambos comentando que Cidade de Deus é "cosmetizada" se comparada com Amarelo Manga, e Hessel afirmando que o filme é "um testemunho de valor documental e sociológico ".[12] A crítica de cinema do website CinePOP Andrea Don declarou que é um filme que os espectadores amariam ou odiariam, concluindo que "você não sairá da sala do cinema da mesma forma que entrou".[24] Em 2015, foi reconhecido pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema como o 86º melhor filme brasileiro de todos os tempos no Top 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.[4]
Amarelo Manga recebeu críticas mistas de críticos que falam inglês. No site agregador de resenhas Rotten Tomatoes, o filme tem uma classificação de 60% de aprovação com base em cinco resenhas, com uma pontuação média de 5,6/10.[25] No Metacritic, que atribui uma classificação normalizada de 100 com base nas resenhas dos críticos, o filme tem uma pontuação de 40 (indicando "críticas mistas ou médias") com base em cinco resenhas.[26] Um crítico do The Village Voice descreveu os personagens como "caricaturas balbuciantes" e o filme como uma "ninharia brasileira superficial".[27] Debora Young chamou Matheus Nachtergaele de "destaque", já que "ele incorpora o exagero selvagem do filme sem achatar como alguns dos outros personagens fazem".[28] Apesar de elogiar sua cinematografia, Keith Phipps do The A.V. Club disse que é "um filme que não tem nada a dizer".[29] Sragow, Young e Fox também elogiaram o trabalho do diretor de fotografia Carvalho; Na opinião de Sragow, a penúltima cena - a montagem - "possui uma eloqüência que eclipsa tudo o mais no filme".[10] Holden considerou os personagens "pessoas robustas e com todas as dimensões" e elogiou o "sabor surreal" do filme.[30] Solis elogiou, dizendo que "o verdadeiro prazer" do filme é que Assis "não recorre à exploração para tornar essas pessoas memoráveis".[8]
O crítico da Folha de S.Paulo Pedro Butcher diz que o filme remete a retomada vinda desde O Baile Perfumado, mas beira a fetichização do povo buscando fugir dos clichês, valendo a pena pelas imagens do Recife.[31] Já Marcelo Hessel, do Omelete, é mais elogioso, colocando que o filme é bastante sincero e contundente, e diferente do crítico da Folha, diz que a estética da pobreza, exibida sem vergonhas, evita o maniqueísmo e os clichês fugindo do apelo de que os marginalizados são vítimas e que o brasileiro é pacífico, não recomendando o filme para quem quer apenas passar o tempo.[23] Na mesma linha, Robledo Milani, do Papo de Cinema, coloca que o filme é um trabalho original e vivo, mas diz que não é para todos, levando quem o assiste ao extremo dos sentimentos de amar ou odiar - mas quem odiar estará perdendo "uma aula de cinema" e quem souber aprecia-lo será presenteado com grande louvor.[32] Valéria Geremia, no portal Críticos, Valéria Geremia, comenta que nenhuma das imagens chocantes do filme é gratuita, tendo justificativa ao expor a intimidade dos personagens e não tendo "falsos escrúpulos morais".[33]
Mídia Caseira
O filme foi lançado em DVD no Brasil pela Califórnia Filmes em 2004,[34] enquanto nos Estados Unidos foi lançado pela First Run Features em parceria com a Global Film Initiative na série "Global Lens 2004/2003" em 2005, e relançado em "The Best of Global Lens: Brazil" em 2011.[35]
No 35º Festival de Brasília, Amarelo Manga foi eleito o Melhor Filme pelo júri oficial, pelo júri popular e pela crítica; também recebeu os prêmios de Melhor Fotografia, Melhor Edição, Melhor Elenco e Melhor Ator para Chico Díaz.[36] Assis ganhou o prêmio de Melhor Filme de Estreia no 25º Festival de Cinema de Havana, onde o filme também ganhou o prêmio de Melhor Fotografia.[37] Também ganhou o prêmio de Melhor Fotografia no 7° Festival de Cinema Brasileiro de Miami.[38]Amarelo Manga venceu em todas as categorias de longa-metragem do 13º Cine Ceará – Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia, Melhor Roteiro, Melhor Direção de Arte, Melhor Trilha Sonora, Melhor Ator para Matheus Nachtergaele e Melhor Atriz para Dira Paes – e também recebeu um prêmio especial por seu figurino. Embora indicado em 13 categorias no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de 2004, venceu apenas na categoria de Melhor Fotografia.[39] No 53º Festival Internacional de Cinema de Berlim, ganhou o prêmio de Melhor Filme na seção Fórum,[40] e recebeu o Grande Prêmio no 15º Festival de Cinema da América Latina de Toulouse.[41] Também foi indicado ao Prêmio Ariel de Melhor Filme Ibero-Americano.[42]