O Anhangá[4], comumente retratado como um cervídeo branco, de porte atroz e olhos vermelhos de fogo, reconhecido pelos Tupi como o protetor da caça e da pesca[5] na região do Vale do Anhangabaú. Foi associado pelos colonizadores portugueses à figura do diabo para fins catequéticos.
Na cultura tupinambá
Os tupinambás acreditavam que o Anhangá poderia assumir muitas formas diferentes. Apesar de ter considerado maior ameaça para os mortos, seria visto com frequência e mesmo os vivos podiam ter corpo e alma punidos. A mera lembrança dos sofrimentos impostos pelos anhangás bastava para atormentá-los. Os tupinambás afirmavam temer esse espírito maligno mais do que qualquer outra coisa.[6][7] Esse espírito foi uma das maiores preocupações ao preparar os mortos para a viagem a Guajupiá. Ofereciam-se oferendas de comida e mantinham uma fogueira para aquecer o corpo. Comida era oferecida tanto para sustentar os mortos quanto para que o Anhangá consumisse a comida ao invés do morto. O fogo tinha como objetivo fornecer calor e proteção aos mortos, mantendo o Anhangá afastado. Os vivos também encorajaram os mortos, incentivando seus falecidos pais e avós, já em Guajupiá a não deixarem seus fogos se apagarem.[6][7][8]
Na cultura Mawé
Para os Mawés, Anhangás são retratados como uns dos vários demônios seguidores de Yurupari (Jurupari).[9] Essas criaturas são conhecidas e temidas por se transformar em diversas formas para enganar as pessoas, amaldiçoá-las, possuí-las, sequestrá-las, matá-las e comê-las.[9] Anhangá não sabe nadar ou tem medo de entrar na água por medo do Sukuyu'wera, espírito protetor das águas, seu inimigo.[9]
Protetor dos animais
Anhanga é descrito como “gênio da floresta protetor da fauna e da flora na mitologia tupi”, que “[...] não devora nem mata. Vinga os animais vitimados pela insaciabilidade dos caçadores”.[10][11][12]
Há descrições de que assume a forma de um veado branco com olhos de fogo e é o protetor da caça nas florestas, protegendo os animais contra os caçadores, sobretudo fêmeas com filhotes.[13] Quando a caça conseguia fugir, os indígenas diziam que Anhangá a havia protegido e ajudado a escapar.[14]
O Anhanga é um mito de confusão verbal. O Anhanga que sacudia de pavor a selvagem era o Anga, a alma errante, o fantasma, o espírito dos mortos. Apavorador. Não tinha corporificação. Era a coisa-má, o medo informe, convulso, prendendo os tímidos dentro das ocas ao calor do fogo, cercado pela noite escura dos trópicos. O Anhanga dos olhos de fogo e com o corpo de veado seria o nume protetor da espécie, convenção totêmica, superstição regional dos tupis, pois não se transmitiu aos outros indígenas e, passando para os mestiços, já perdera a função de padroeiro da caça de campo. [....] é de lógica pensar que o mito inicial, o ur-mythus, seria apenas Anga, a alma sem corpo, espalhando medo.[15][16]
Tonicidade
Quanto a pronúncia variável:
Machado de Assis, em Americanas, alerta para o fato de que segue a prosódiaoxítona por ser a de uso corrente e comum na poesia, mas que a verdadeira pronúncia do vocábulo seria a paroxítona. [...] A pronúncia original parecer ter sido a paroxítona [anhanga], mas anhangá começa a ocorrer desde o século XVII, sendo mais empregada na poesia.[11][17]
Colonialismo, Sincretismo e Indianismo
No missionarismo jesuíta
O missionário José de Anchieta, nos seus autoTupi-Medieval dá o nome Anhangupiara, palavra criada a partir da aglutinação dos substantivos anhangá e jupiara, a um anjo, cujo significado na tradução latinizante do tupi anchietano seria inimigo dos anhangás.[18]
Outro jesuíta, António Vieira, descreveu “Añangá” no Sermão das Incontinências, como entidade dúplice cultuada pelos indígenas.[19]
O substantivo caça em imbundo é n’hanga e caçador é ri-nhanga. Sendo Anhanga um mito de caça, é natural que os negros caçadores o conhecessem no Brasil, assimilando-o aos vocábulos quase homófonos de seu idioma.[15]
Na literatura moderna e missionarismo contemporâneo
Igrejas neopentecostais com forte presença em comunidades mawés fazem a releitura do Anhangá como anúncio do mal e manifestação demoníaca, a ser combatido por orações e cantos.[3]
Nos Dias de Hoje
Atualmente, o mito do Anhangá, também associado ao Curupira, Caiçara, Caapora, Pai do Mato, Mãe do Mato, Caipora e outras entidades protetoras das matas, continua a desempenhar um papel significativo na cultura brasileira, especialmente na preservação da natureza, celebrado em 17 de julho como parte do calendário oficial do Ministério do Meio Ambiente[24] e chama atenção para necessidade de preservação, busca conscientizar sobre a importância da preservação ambiental e do convívio harmonioso entre a natureza e a vida urbana, bem como celebrar a memória de Chico Mendes e da missionária Dorothy Satng.
Nesse contexto, o Anhangá é lembrado como guardião das florestas em ambientes urbanos em atividades escolares e pequenas festividades em todo territorio nacional, promovendo a consciência ambiental em várias cidades brasileiras.
Em São Paulo o dia do Anhangá é celebrado junto à estátua no Horto Florestal e no Vale do Anhnagabaú por grupos de artistas e intelectuais que buscam promover a conscientização ambiental.
Assim, a figura do Anhangá transcende o aspecto mitológico e assume um papel importante na promoção do equilíbrio sustentável entre o meio ambiente e a vida urbana.
Tupiniquim Ramos, Ricardo (2018). «RELIGIÃO E COSMOLOGIA TUPIS». In: de Oliveira Leite, Gildeci; Tupiniquim Ramos, Ricardo. Leitura de letras e cultura(PDF). 1. Salvador: [s.n.] pp. 59–61
Cascudo, Luís da Câmara (1988). Dicionário do folclore brasileiro. Belo Horizonte: Ed.a Itatiaia : Ed.a da Universidade de São Paulo. OCLC468775218
Houaiss, Antônio; Villar, Mauro; Franco, Francisco Manoel de Mello (2001). Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. OCLC260092175