Descendente de negros praticantes da cabula, Waldo Motta passou os primeiros anos de vida na região de Braço do Rio, pertencente a Conceição da Barra (ES), município vizinho de São Mateus, para cuja sede se mudou posteriormente. Iniciou a carreira artística em 1979, com a publicação de plaquetes como Pano Rasgado (São Mateus: Edição do Autor, 1979), Os anjos proscritos e outros poemas (parceria com Wilbett R. Oliveira – São Mateus: Edição dos Autores, 1980), O signo na pele (São Mateus: Centro de Cultura Negra do Vale do Cricaré, 1981), As peripécias do coração (São Mateus: Centro de Cultura Negra do Vale do Cricaré, 1981), De saco cheio (São Mateus: Edição do Autor, 1983) e Salário da loucura (São Mateus; Vitória: Edição do Autor, 1984).[3] A coletânea desse período está em Eis o homem (Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida / Universidade Federal do Espírito Santo, 1987).[4]
Mudou-se para Vitória na década de 1980, quando iniciou, e não concluiu, o curso de Comunicação-Jornalismo na Universidade Federal do Espírito Santo e trabalhou ministrando oficinas no Departamento Estadual de Cultura (DEC-ES). A segunda fase de sua poética se inicia nos anos 1990, com pesquisa autodidata de hebraico, cabala e numerologia, entre outros, culminando com a publicação de Bundo e outros poemas (Campinas: Editora da Unicamp, 1996),[5] o livro que projeta o artista no cenário nacional e internacional,[6] indicado ao Prêmio Jabuti de Literatura1997.[7]
Indicado pelo Instituto Goethe, entre candidatos de 40 países, é premiado com uma bolsa de residência artística pelo Landeshauptstadt München Kulturreferat, na Alemanha, onde passa três meses, entre 2001 e 2002, na Vila Waldberta. Nesse interim, além de recitar poesias para alunos na Universidade de Munique, fez um curso básico de alemão, que lhe permitiu traduzir, da versão alemã para o português, o livro infantil Was ich am See zu sehen bekam, da escritora eslovaca Jana Bodnárová. Participou também, em 2002, do Programa Literário Writer-in-residence, na Universidade da Califórnia em Berkeley.[7]
Publicou traduções próprias, do hebraico para o português, de partes da Bíblia, tais como: Salmos 1,[8] 70,[9] 82[9] e 110,[10] além da narrativa cosmogônica inicial, em Gênesis.[9] Essas traduções, publicadas recentemente, precederam a criação de poemas anagramáticos, que lhe renderam, entre outros, o livro Recanto – Poema das 7 Letras (Vitória: Ímã, 2002).[11]
Ministrou várias oficinas de poesia e teatro, principalmente na FAFI, antiga Faculdade de Filosofia de Vitória. Como resultado de algumas dessas oficinas, idealizou, montou, roteirizou e dirigiu o espetáculo Terra sem mal – um mistério bufante e deleitoso, com apresentações na capital espírito-santense ao longo de 2009, no Centro Cultural Majestic e Mercado São Sebastião.[12] A peça teatral é baseada em um livro homônimo, ainda não publicado pelo autor.
Ainda em 2009, lança a segunda edição da coletânea Transpaixão, dessa vez indicada ao vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo.[13] Realiza palestra na Universidade de São Paulo em 2010, dentro do Programa Voz do Escritor.[14] Em 2011, juntamente com Reginaldo Secundo e outros artistas e agitadores culturais capixabas, cria a Rede Caranguejo, um movimento de reivindicação junto ao poder público por valorização dos artistas e ampliação do mercado de trabalho cultural.[15]
Salário da loucura. São Mateus; Vitória: Edição do Autor, 1984.
Eis o homem. Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida / Universidade Federal do Espírito Santo, 1987. Coletânea.
Poiezen. Vitória; São Paulo: Universidade Federal do Espírito Santo / Massao Ohno, 1990.
Bundo e outros poemas. Organização: Iumna Maria Simon e Berta Waldman. Campinas: Editora da Unicamp, 1996. Coletânea reunindo poemas dos livros Waw e Bundo.
Cidade cidadã. A cor da esperança. Organização: Adilson Vilaça. Vitória: Secretaria Municipal de Cidadania e Segurança Pública, 1998, v. 4. Publicação em homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra.
Waldo Motta se insere na linha dos poetas místicos, ainda pouco estudados no Brasil.[18] A obra do artista “foge aos enquadramentos usuais da literatura brasileira”[19] e tem imbricadas relações com os campos da religião e da ciência.[16] Erige-se sobre a ideia de uma identidade absoluta entre sexualidade e religião, tendo o ânus como veículo motriz de sua poética e cosmovisãohomoerótica.[16] Conforme o crítico Roberto Schwarz, trata-se de uma poesia que “toma o ânus do poeta como centro do universo simbólico. A partir daí mobiliza bastante leitura bíblica, disposição herética, leitura dos modernistas, capacidade de formulação, talento retórico e fúria social. O ponto de vista e a bibliografia fogem ao usual, mas o tratamento da opressão social, racial e sexual não tem nada de exótico”.[20]
Para Raul Antelo, Waldo Motta “reabre a agenda modernista”.[21] O dramaturgo José Celso Martinez Corrêa comparou-o a Antonin Artaud, pela junção poética entre teatro e vida.[5]Bundo é considerado por José Celso “um breviário de teatro”.[5] Este livro tornou-se polêmico porque oferece interpretações pouco convencionais para os textos sagrados, principalmente os contidos na bíblia, tornando-se uma espécie de “Evangelho do Deus Anal”.
Iumna Maria Simon destaca a “riqueza e variedade formais, raras hoje em dia, que revelam uma capacidade poderosa de incluir mundos e experiências as mais particulares, desde a gíria até referências míticas, religiosas e sexuais, ampliando a experiência existencial de um escritor que procurou entender sua homossexualidade por vias inusuais”.[19]
Posteriormente às pesquisas em hebraico, o artista estudou tupi-guarani, recriando poeticamente mitos indígenas como o de Jurupari.[22] O resultado está no livro ainda inédito, Terra sem mal, cujos textos foram usados em peça teatral de mesmo nome, em 2009. A fortuna crítica do autor, apesar de extensa, deixa alguns vazios, principalmente no que diz respeito aos anagramas em hebraico, ou naquilo que o poeta denomina de “poesia quântica” ou “física das partículas verbais”.
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