O suicídio no Japão (自殺, jisatsu) é uma importante questão social no país. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) o Japão, com 127 milhões de habitantes, tem uma das mais elevadas taxas de suicídio do mundo.[2] A opção de acabar com a vida não acarreta nenhum estigma social no Japão, pois a morte é considerada no país como uma passagem para outra existência, devido à influência do budismo. Os principais fatores ligados ao suicídio são o desemprego (sobretudo durante e após a recessão económica na década de 1990), o bullying nas escolas e as pressões sociais.[3][4] No acumulado de 2011, o Japão registou 30.651 suicídios, menos 1.039 casos do que em 2010, o que representa a primeira vez que o país teve num ano menos de 31 mil casos de suicídio desde 1998.[5] A polícia japonesa exorta o Governo, administrações locais e instituições privadas a trabalharem em conjunto para implementarem medidas eficazes para evitar os suicídios, apontando a necessidade de prevenir este tipo de casos entre os mais jovens e estudantes.[5] Segundo declarações do Governo nipónico, "um sentimento de ansiedade espalhou-se no seio da sociedade japonesa após a catástrofe e suspeita-se que este sentimento possa ter sido um fator de agravamento".[2]
Embora amplamente discutido, os números não representam a maior taxa de suicídio os entre países desenvolvidos — na qual a Coreia do Sul lidera, com uma média anual de 20,2 suicídios por 100 mil habitantes.[6] Após atingir o pico em 2003,[3][4] a taxa se encontra atualmente em 14,3 suicídios para cada 100 mil habitantes.[7] Embora ainda seja praticamente o dobro da taxa registrada no Reino Unido (7,6), o índice japonês tem caído gradualmente, atingindo a menor taxa já registrada em 2019.[4] A taxa atual é comparável àquela dos Estados Unidos (13,71) que, inclusive, possui uma taxa de suicídios entre homens maior (21,1 contra 20,5 no Japão).[7] Embora esteja crescendo, a taxa de suicídio entre jovens no Japão está entre as menores dos países desenvolvidos; são 2,8 por 100.000 habitantes contra 14,6 nos Estados Unidos e 11,2 no Reino Unido.[4]
O suicídio na cultura japonesa
A sociedade japonesa já há muito tempo fornece materiais únicos para estudos sociais sobre o suicídio. Isto pode dever-se ao fato do que é acreditado como que uma forma peculiar do país de cometer o suícidio, tal como, por exemplo, o haraquíri e o shinjyuu. Ao longo da história do Japão, o haraquíri era considerado um privilégio das classes superiores, e concedido apenas aos samurais. Já o shinjyuu, a forma de suicídio cometida entre pessoas íntimas, era mais comum entre os plebeus. Esta última forma de suicídio abrangia o suicídio de amantes, do qual foi desenvolvido um género literário — tal como o que se encontra nas peças de kabuki de Monzaemon Chikamatsu, e outros tipos de suicídios por familiares tais como o boshi-shinjyu (suicídio de mãe e filho/a), o ikka-shinjyu (o suicídio de toda a família), os quais ocorriam em todas as classes sociais. O ato de suicídio japonês é peculiar porque geralmente está associado a um significado de valor e vingança. O suicídio tem uma associação de larga data com a salvação do nome ou fama da pessoa ou da família. A análise do suicídio tem sido considerada como um passo importante na compreensão da cultura, sociedade e povo japonês. Entre os que foram fortemente levados por este tipo de motivação está, por exemplo, a antropóloga cultural americana, Ruth Benedict. No seu livro clássico sobre o Japão da ocasião da guerra - O crisântemo e a espada — ela analisa características do comportamento japonês.[8]
De acordo com Benedict, os japoneses, que não têm nem uma bússola interior forte nem o sentimento cristão da culpa, estando fortemente inclinados a salvar o seu nome, ou mesmo a fama da nação, através do suicídio.[9] Similarmente, Emile Durkheim, o francês fundador da sociologia profissional moderna, é também conhecido por estudos sobre o suicídio, em parte referindo-se ao ritual da autoimolação através do corte do ventre observado no Japão. De acordo com ele, o Japão é o tipo de sociedade onde existe prestígio social associado ao suicídio, e a recusa desta honraria tinha efeitos similares aos da punição real.[10] Por outro lado, o que deveria ser igualmente ou talvez ainda mais enfatizado neste contexto é que os japoneses, e não os observadores ocidentais, foram os que reconheceram e mais efetivamente utilizaram esta associação entre o suicídio e o ethos japonês. Maurício Pinguet, o autor de A morte voluntária no Japão, exemplificou a identidade cultural japonesa através da análise da "morte voluntária", mas nunca deixou de ressaltar que a frase "Nação do suicídio" foi primeiramente uma invenção japonesa nos últimos anos da década de 50.[11]
Durante o período do xogunato, no Japão é comum o encorajamento dos seus membros a cometer atos suicidas, ao implementar vocabulários relacionados com o salvamento da fama, para impedir uma possível rebelião contra o governo. A figura do Kamikaze foi idealizada para glorificar a guerra.[8]
Prevenção
Após o país atingir sua maior taxa de suicídios em 2003, autoridades locais, empregadores e ONGs se uniram para desenvolver uma série de iniciativas para combater a prática.[4] No simpósio de medidas contra o suicídio, ocorrido em maio de 2005, ONGs e membros do Parlamento fizeram pedidos junto ao Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar para desenvolver uma estratégia nacional de combate ao suicídio.[12] Em junho de 2006 foi sancionada a Lei Básica de Prevenção ao Suicídio.[12] Em seguida, a responsabilidade pela aplicação da política nacional contra o suicídio passou do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar para o Gabinete do Primeiro-Ministro tornando-se, assim, uma política de governo multiministerial.[12] No ano seguinte, os princípios gerais da política de prevenção ao suicídio entraram em vigor, tendo como meta prevenir o suicídio e oferecer apoio aos sobreviventes.[12] Em 2012, o texto foi emendado para enfatizar no apoio aos jovens e às pessoas que já tentaram o suicídio antes.[12] A verba anual do governo para a política de combate ao suicídio é de cerca de 3 bilhões de ienes (27,5 milhões de dólares).[12] A previsão do governo é de reduzir a taxa de suicídio em 30% (tendo como base os números de 2015) até 2026.[13][12]
As medidas da política de prevenção ao suicídio pretender unificar governo, agentes públicos, ONGs, empresas e a sociedade em ações coordenadas.[12] Além de medidas para reduzir o estresse nos locais de trabalho, como forma de combater o karoshi, foram criadas linhas de aconselhamento por telefone que operam 24 horas por dia.[4] O setor privado, pressionado na Justiça por familiares de empregados que se mataram, facilitou o acesso à licença por problemas psiquiátricos, assim como passou a oferecer mais auxílio psicológico para seus empregados.[14] Além disso, o governo aprovou uma lei obrigando todas as empresas com mais de 50 funcionários a realizar uma avaliação anual do nível de estresse dos empregados.[14] Em 2017 o governo anunciou a criação de canais de aconselhamento nas redes sociais.[13]
Métodos de suicídio
Os métodos mais comuns de suicídio no Japão são enforcamento, atirar-se de grandes alturas e overdose de fármacos.[15]
Embora o país possua um extenso sistema ferroviário, são raros os casos de pessoas que optam por tirar a própria vida atirando-se para debaixo de comboios,[16] método que ocupa a sexta posição em 2014 entre as formas de suicídio utilizadas. A causa, descrita como tobikomi pelo Centro de Prevenção ao Suicídio, também inclui outras formas de suicídio, como atirar-se a frente de qualquer outro veículo em movimento. Como método de combate ao suicídio, algumas companhias ferroviárias exigem das famílias do suicida o pagamento de uma indenização por estragos provocados e pela interrupção do tráfego.[17] Além disso, muitas estações instalam luzes azuis e espelhos nas plataformas onde a prática é mais comum; as luzes azuis têm um efeito calmante, enquanto que os espelhos servem para lembrar aos suicidas de seu valor próprio.[4]
Também são incomuns os suicídios causados por armas de fogo, graças à forte política de desarmamento do país.[18] Foram apenas 10 suicídios por arma em 2015.[19] Comparativamente, desde 2012 os Estados Unidos registram mais de 20.000 suicídios por ano por esse método.[20][21]
Um método recorrente na atualidade, que tem ganhado alguma popularidade, em parte devido aos anúncios publicitários na internet, é a utilização de produtos domésticos para obtenção de gás sulfídrico, letal se inalado. Em 2007, 29 terroristas suicidas utilizaram esse método, enquanto que no período entre março e junho de 2008, 208 suicidas teriam apresentado sintomas de intoxicação de gás,[22] ultrapassando os 500 casos no final do ano.[23] Este método é particularmente perigoso, pois existe um alto risco de ferir outras pessoas durante o processo. Um homem que em 2008 tentou cometer suicídio, inalando gás obtido de pesticidas e foi posteriormente hospitalizado, causou a intoxicação de outras 50 pessoas presentes no hospital, incluindo médicos, pacientes e enfermeiros.[24]
Ver também
Referências
Bibliografia