Poesia fonética é uma forma de composição poética na qual os aspectos fonéticos da linguagem humana são priorizados em relação aos valores semânticos e sintáticos mais convencionais, podendo, inclusive, não usar palavras[1] e tendendo a uma aproximação com a composição musical. É sinônimo ou se confunde com Poesia sonora ou Sonorista, Poesia fônica, Poesia auditiva ou Poesia acústica, podendo fazer parte de uma série de manifestações distintas com características em comum.[2] Pode se apresentar sob a forma de performance, de gravação de áudio ou como uma espécie de partitura, trazendo apenas a sua representação visual.
História
A poesia, toda ela, em sua origem, é fonética, em certo sentido. Ou seja, faz uso da voz humana. Nos seus primórdios, era transmitida através do uso da oralidade, pela declamação. Prestando maior atenção no significante e na função poética da linguagem, as vanguardas do início do século XX também se interessaram pelo aspecto sonoro da linguagem humana, muitas vezes desvinculando-a de seu aspecto racional e linguístico.
Assim, no século XX, surge entre as correntes de vanguarda uma poesia voltada exclusivamente para o uso dos aspectos fonéticos ou sonoros da expressão humana.
Primeiramente, na Itália, Marinetti define em manifesto a forma de declamação adequada a um poema Futurista em 1913, sendo a proposta relacionada à desenvolvida por Luigi Russolo, que cria o "ruidismo", dentro do âmbito da música. O poema futurista declamado, muito aproximado da ideia de música, produz a poesia precursora do poema fonético, podendo acompanhar-se de diferentes ruídos produzidos por instrumentos não musicais, realizar várias declamações simultâneas, utilizando o corpo e elementos visuais para uma composição performática. A parte fonética desse "texto" era feita de palavras em liberdade, gemidos, gritos, sussurros, etc.
Embora o russo Kruchenykh já produzisse poemas explorando simplesmente a ideia de fonemas e entonação pelo menos desde 1913 (Alturas - Língua universal, poema de 1912 ou 1913), seu trabalho neste sentido não teve sequência a partir da década de 1930,[4] não tendo repercussão imediata entre os poetas do resto do mundo.
Possivelmente por sua maior influência histórica, no entanto, o invento da poesia estritamente fonética, normalmente credita-se ao poeta Hugo Ball (Karawane, 1916, poema à base de neologismos e rumorismo variados) seguido por outros dadaístas como Tzara e Marcel Janco. Já em 1918, o artista austríaco Raoul Hausmann, participante dos grupos dadaístas de Zurique e depois de Berlim, recitou publicamente o poema cujo tema era a palavra inventada "fmsbwtözäu", um poema fonético feito para ser também visualizado em pôster, procedimento este quase idêntico ao do citado cubofurista Kruchenykh.
Próximo e influenciado por estes surge a figura do multi-artista Kurt Schwitters, criador do maior legado em termos de poesia fonética.
Dentro da linha da sua arte Merz, o artista alemão produz, a partir de 1921, obras como Ursonate, uma sonata feita de sons primitivos, pré-racionais, inúmeros sons produzidos pelo aparelho fonador humano. O poema é estruturado como uma composição musical de quatro movimentos, um prelúdio, um final e uma variação improvisada sobre o quarto movimiento.
Próximo de Scwitters, por sua vez, o pintor e poeta holandês Theo Van Doesburg produziu poemas fonéticos na mesma época.
Outros artistas posteriores que trabalharam com conceitos semelhantes
Nos anos de 1980 surge a Spoken word, que aliava a palavra poética à música de vanguarda.
O principal arcabouço teórico parece ter sido desenvolvido a partir da chamada "poesia fônica", francesa, tendo como expoente Henri Chopin, criador dos mais importantes estudos sobre o tema "poesia sonora".[5] O poeta francês afirmava não necessitar de inspiração nas vanguardas anteriores a ele, pois "a origem da sua poesia estava na própria fonte da linguagem". Afirmava que "a sua poesia sonora tinha a finalidade essencial de mostrar com toda a sua riqueza os recursos linguísticos mediante um instrumento único mas polivalente, a boca, capaz de reproduzir, mediante o fonema e a palavra, vários sons simultâneos".
Os poetas visuais e concretos também fizeram estudos na área da poesia fonética, citando frequentemente Henri Chopin.