A 13 de fevereiro de 1890, o povo labrego de Souto da Casa proclamou-se em revolta contra a casa senhorial mais poderosa da Beira Baixa, a família Garrett.[1][2][3][4][5][6][7] O motivo deveu-se à tentativa de apropriação de uns baldios do Carvalhal que estavam há muitos anos sob administração popular e de impedir os arraianos de cultivar essas terras.[1][2][3][4][5][6][7]
O senhor Garrett era representado no Souto da Casa pelo seu feitor chamado António Antunes Aquém.[1][3][4][6][8] O senhor Aquém vinha de uma família paupérrima de guardadores de porcos que não tinha sustento.[1] A tradição não explica o motivo do senhor Garrett ter escolhido ao senhor Aquém para ser o seu feitor.[1]
Então, o Feitor recebeu a ordem do Garrett para comunicar às pessoas que desde esse momento os camponeses teriam de pagar para trabalhar nas terras do Carvalhal.[1][3] A ordem foi muito contestada e desafiada pelo que o nobre disse que aprovaria, se preciso, matar.[1]
Um dia, no Carvalhal, um pântano que D. Dinis decidiu mandar plantar carvalhos e soutos.[1] Este lugar é composto por duzentos hectares das ditas árvores situado a meia hora do Souto da Casa, tendo de superar um terreno penoso para chegar lá .[1] Todas as quartas-feiras de cinzas, o povo agregava-se para distribuir hortas miúdas, que cada família cultivava à vontade do freguês.[1] Quando Aquém reparou nesta praxe, decidiu saber de quem eram estas terras.[1] Depois de ter investigado, conferiu que os baldios do Carvalhal não eram de ninguém.[1]
Aquém decidiu então comunicar ao povo que tinha de deixar o Carvalhal pois era propriedade do senhor Garrett.[1] A arraia face àquele desafio reagiu violentamente afirmando que as terras eram suas.[1] Ao ser enfrentado, o Feitor dispôs-se a disparar, porém, tendo visto que não tinha munições para tanta gente, ameaça os camponeses de que se eles continuassem nessas terras ele havia de responder com brutalidade.[1]
Por várias semanas são feitas muitas ameaças e chantagens.[1] Até que na tarde de 12 de fevereiro de 1890, Garrett vem com um regimento armado a obrigar ao populacho abandonar a propriedade dos Garrett.[1] Tal como combinado, os sinos da igreja tocaram.[1] Esse era o sinal que dava a ordem de reunião dos revoltosos, a arraia saiu em massa e obrigou Aquém a bater em retirada.[1]
A povoação entra por cerca de duas semanas numa estado anárquico.[1] Esta situação acabou quando na madrugada de 26 de fevereiro, o Feitor e a sua tropa chegaram ao Carvalhal, destroçaram as hortas e os castanehiros que eram o sustento das gentes.[1][4] Um jovem pastor que estava lá alertou ao povo da invasão de Aquém.[1][4] Desta vez o Feitor não conseguiu fugir e foi apanhado pelos camponeses.[1] Organizou-se um tribunal popular para decidir que pena aplicar ao capturado.[1][4] Foram propostas várias penas, porém, a que prevaleceu foi a de que o Aquém tivesse de cortar um reboleiro e carregá-lo do Carvalhal até ao Souto da Casa.[1][3][4][6]
Durante o trajeto a população inquiria ao Feitor: "De quem é o Carvalhal?" mas Aquém, fiel ao seu senhor, responde sempre: "É do Dr. Garrett".[1][3][4][6][8] Passa o tempo e depois da dura travessia chega ao Souto da Casa, todos perguntam: "De quem é o Carvalhal?" e o réu da arraia, destroçado, responde: "É vosso".[1][3][4][6][8]
Posteriormente o Dr. Garrett recebeu a seguinte notificação:[1]
“
Meu Senhor, os camponeses do Souto da Casa tomaram o Carvalhal. Capturaram o seu feitor António Aquém e fizeram-no carregar um castanheiro até que ele reconhecesse que as terras pertencem a quem as trabalha. Mandam vossa excelência saber que o Carvalhal pertence ao povo da Rama do Castanheiro e que não autorizam vossa senhoria a lá entrar outra vez.[1]
”
Perante isto, o Garrett denuncia a situação e a divisão militar da Covilhã vai até ao Souto do Casa para impor a ordem juntamente com um representante do governo.[1] As forças estatais esperavam um recebimento hostil mas foram recebidos em ambiente de festejo. O Estado, enfraquecido, não enfrentou à arraia.[1]
Letra
[...][nota 1] O fogo no mar e os peixes a arder, larilolela e os peixes a arder. Ó alto e ó alto quanto mais alto maior é o sal, larilolela maior é o sal, larilolela maior é o sal.[9]
Senhora Maria, senhora Maria, o seu galo canta e o meu assobia, larilolela e o meu assobia. Eu quero, eu queria, passar uma noite contigo ó Maria, larilolela eu quero, eu queria, larilolela eu quero, eu queria.[9]
No mais que o sol se ponha acordamos de forma igual, não há dúvida, não há vergonha que nos roube o Carvalhal.[9]
Do Manel ou do Jacinto, ou de Deus ou do Demónio, p'ra que serve ter património se depois eu nem o sinto.[9]
De quem és tu afinal? De quem é meu senhor, de quem é? É meu, é teu, é do Garrett, é deste ou daquele animal, é de todos, é de ninguém, é do filho da mãe do Aquém, é do Lucio, da Rita ou da Ana, é deste ou daquele sacana.[9]
Também do sol deitado, descansamos mesmo assim. Não há mandão nem mandado que nos imponha não e sim. De quem és tu afinal, de quem é meu senhor, de quem é? Pois e tanto e tal e tal.[9] [...][nota 2]
De quem és tu afinal? De quem é meu senhor, de quem é? É meu, é teu, é do Garrett, é deste ou daquele animal, é de todos, é de ninguém, é do filho da mãe do Aquém, é do Lucio, da Rita ou da Ana, é deste ou daquele sacana.[9]
Da vaidade ou da carência, da justiça ou do proveito; que precisam da audiência, do ardil à falta de jeito. Da locura ou da maldade, do pastor da ovelhas ou do cão, é que este homem não tem terreno mas não vive sem ter chão.[9]