O povoamento do sítio de Setúbal pode remontar à fundação pelos Fenícios, cerca de 1000 a.C., de uma colônia na margem esquerda do Sado. Dedicada ao deus Baal, assim como os demais estabelecimentos fenícios vizinhos - Lisboa e Alcácer do Sal - fornecia sal, peixe salgado, cavalos e suprimentos para as embarcações que navegavam em busca do estanho da região da Cornualha, às quais servia ainda como porto de abrigo.
Posteriormente ocupada por Cartagineses e por Celtas, à época da Invasão romana da Península Ibérica foi denominada de Cetóbriga, que se acredita tenha sido abandonada no século VI por falta de condições de segurança aos seus moradores segundo alguns autores, ou devido aos movimentos das dunas de areia, segundo outros. Ele teria sido sucedido, por um novo assentamento, na margem oposta, núcleo gerador da atual cidade, ocupado a partir do século VIII pelos Muçulmanos.
Porto privilegiado pela sua localização sobre a rota comercial (e dos Cruzados) pelo oceano Atlântico, pelo desenvolvimento cada vez intenso que vivenciou, Setúbal tornou-se, no reinado de D. Afonso III (1248-1279), um dos principais portos de Portugal, a par do de Lisboa, do do Porto e do de Faro, razão pela qual recebeu o seu foral em 1249. O foral de portagem de Lisboa (5 de Outubro de 1337) refere, entre os produtos que alcançam a capital, uvas, vinhos, figos, peixe fresco e seco, itens que também transitavam pelo porto de Setúbal.
Data deste período a primeira estrutura defensiva da povoação, uma muralha envolvente iniciada ao tempo do rei D. Afonso IV (1325-1357) e concluída no reinado seguinte, sob D. Pedro I (1356-1367), com a função de conter os assaltos de piratas e de corsários que, oriundos do Norte d’África pelo oceano Atlântico, penetravam pela foz do rio Sado. Os trabalhos são referidos nas Crónicas de Fernão Lopes, que noticiam o lançamento das sisas, tributo cuja cobrança permitu essa edificação.
«Mas escrituras = certas = nos dam testemunho que no tempo del Rey dom Afonso o quarto, filho desde Rey dom Dinis, amte da pesteneça gramde[nota 1] que foy a cabo de XXIIII annos, na era de mill e trezemtos e oitemta e seis, jaa amte desta mortandade hi avia sisas[nota 2] que os povos deitavam amtre sy, cada hũs em seus luguares, como lhes prazia, quoamdo taes necesidades avinham pera que as ouvesem mester, asy como os moradores de Setuvall que sẽdo o luguar descercado aquele tempo, e mamdamdo este Rei dom Afonso que o cerquassem lamçaram amtre sy duas sisas por averem dinheiro pera se cerquar, a saber: hũ sissa, que chaamavã gramde, nos vinhos que iguoallmente remdia quoatro mill livras, que eram mill e trezemtas dobras, e outra sisa meuda que remdia hũas quinhentas. E todas estas mil e oito cemtas dobras se despemdiam no cercamẽto do lugar de Setuvall e cousas a elle pertencẽtes. E esta foy a primeira sisa que achamos que concelho lamçase e durou ate que a villa foy acabada de cercar.»
LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Edição preparada por M. Lopes de Almeida e A. de Magalhães Basto, vol. II, pp. 458-459. Porto : Livraria Civilização Editora, 1983.
Em 31 de março de 1343 o soberano ordenou que fosse demarcado o termo de Setúbal.[2]
O século XV
Em 1439, por decreto real, a vila foi isenta de pagar aposentadoria, tendo-se decidido a construção de estaus e casas para neles se receberem o rei e a sua Corte. Será deste porto marítimo que D. Afonso V (1438-81) partirá para a conquista da Praça-forte de Alcácer-Ceguer, no Norte d’África (1458).
Aqui foram celebradas as núpcias de D. João II (1481-1495) com D. Leonor de Viseu (22 de Janeiro de 1471). Posteriormente, no reinado deste soberano, deu-se início à construção de um aqueduto para o transporte de água, proveniente da nascente da Arca d' água (Alferrara), para a vila. A expansão da vila para fora das suas muralhas iniciou-se em fins desse século, com a construção, no sector oeste, do Convento de Jesus.
O século XVI
D. Manuel I (1495-1521) outorgou-lhe o Foral Novo em 1514 e seu sucessor D. João III (1521-1557) o título de notável vila em 1525. No ano de 1526, começaram as obras do chamado Paço do Trigo, bem como as da abertura da Praça do Sapal (atual Praça de Bocage). Neste período, no século XVI, a vila de Setúbal já excedia, a nascente e poente, a muralha construída no século XIV.
Com a Restauração da Independência Portuguesa, a 1 de Dezembro de 1640, a nobreza portuguesa aclamou a D. João IV (1640-1656) como novo soberano, pondo termo a sessenta anos de domínio dos Habsburgos sobre o país. Neste momento, o foco estratégico da defesa militar deslocou-se para as fronteiras terrestres, visando conter as invasões espanholas que se antecipavam ao território português.
Por essa razão, o litoral foi guarnecido por baterias apenas com fins de alerta e de defesa restrita, uma vez que, enfraquecido o poder da Armada Espanhola e feita a paz com os Países Baixos, não se esperavam maiores ameaças pelo mar. Organizam-se, desse modo, linhas de defesa nas barras dos principais rios: rio Douro, rio Tejo (principalmente de Belém ao Guincho) e rio Sado.
Dentro desta nova estratégia, foram projectadas novas muralhas para a vila de Setúbal. Neste projecto trabalharam grandes nomes da arquitectura militar portuguesa da época, tendo as obras se prolongado por um longo período, até 1696. Em diversas ocasiões tanto o rei D. João IV quanto o príncipe D. Teodósio se deslocaram a Setúbal para acompanhar a evolução das mesmas. Os custos da sua construção foram arcados quer pelos negociantes de sal quer pela população da vila, que teve de arcar com novos impostos. Concluídos os trabalhos, a nova cintura de muralhas ostentava onze baluartes e dois meio-baluartes.
Dos baluartes que ainda subsistem, destaca-se o de Nossa Senhora da Conceição onde esteve instalado um aquartelamento militar. Este edifício é constituído por duas partes: o baluarte propriamente dito e construções mais recentes. No seu pórtico está uma inscrição a partir da qual se fica a saber que foi concluído em 1696 por ordem do duque do Cadaval.
À semelhança do que sucedeu em Lisboa e outras localidades do país, Setúbal também foi bastante castigada pelo grande terramoto de 1755. No decurso das obras de reconstrução, sob o reinado de D. José I (1750-1777), o Marquês de Pombal lançou um imposto de dois réis sobre cada arrátel de carne negociado, a fim de, com esse recurso, proceder-se à reedificação dos Paços do Concelho (Câmara Municipal) um dos muitos edifícios, profanos e religiosos, que foram destruídos pela catástrofe, entre os últimos dos quais a Igreja de Nossa Senhora da Anunciada e a Igreja de São Julião.
Características
As muralhas foram erguidas utilizando-se alvenaria de pedra argamassada. Do período islâmico, ainda se podem ver junto da cisterna as ruínas da Casa dos Vereadores, que ainda funcionava nos inícios do século XVI.
Portas e postigos da muralha medieval
A muralha tinha as seguintes portas e postigos, abertos em diferentes momentos da sua existência (começando pela face Oeste e prosseguindo pelas faces Norte, Leste e Sul):[nota 3]
Face Oeste
Porta Nova
Corresponde à ligação da Rua Augusto Cardoso com a Avenida 22 de Dezembro. Também conhecida como Porta de Troino
Face Norte
Postigo de Santa Catarina
Corresponde à ligação da Travessa de Santa Catarina com a Avenida 5 de Outubro
Postigo do Sapal, chamado o Buraco d'Água
Corresponde à ligação da Rua Tenente Valadim com a Avenida 5 de Outubro
Porta da Erva ou de Évora
Corresponde à ligação da Avenida 5 de Outubro com o Largo de Nossa Senhora da Conceição, no local onde se situa a Capela de Nossa Senhora da Conceição
Postigo de Santo António
Para identificar, certamente na rua que dá ligação à Capela de Santo António.
Face Leste
Porta dos Padres da Companhia
Para identificar
Postigo dos Apóstolos
Para identificar
Porta de S. Sebastião
Ainda hoje existente, na ligação da Rua Arronches Junqueiro com o Largo dos Defensores da República. Foi mandada edificar por D. João III
Porta do Sol
Ainda hoje existente
Face Sul
Postigo do Cais
Ainda hoje existe um arco de abóbada, na ligação da Travessa do Postigo do Cais com a Avenida Luísa Todi, em frente ao antigo quartel do Regimento de Infantaria 11
Postigo do Carvão
Corresponde à ligação da Rua Dr. António Joaquim Granjo com a Avenida Luísa Todi. Inicialmente denominado postigo do Ouvidor. Também foi conhecido como postigo de S. José.
Postigo de João Galo
Ainda hoje existente, na ligação da Rua dos Mareantes (antiga Rua de João Galo) com a Avenida Luísa Todi
Postigo da Alfândega
Corresponde à ligação da Rua da Alfândega com a Avenida Luísa Todi
Postigo de Frei Gaspar
Corresponde à ligação da Travessa de Frei Gaspar com a Avenida Luísa Todi. Foi derrubado em 1871.
Postigo da Pedra
Corresponde à ligação da Travessa do Postigo da Pedra com a Avenida Luísa Todi. Foi derrubado em 1871.
Postigo de São Cristóvão
Corresponde à ligação da Rua de São Cristóvão com a Avenida Luísa Todi
Postigo da Ribeira
Na ligação da Avenida Luísa Todi ao Largo Dr. Francisco de Soveral, anteriormente, Largo da Ribeira Velha
Postigo das Lobas
Corresponde à ligação da Travessa das Lobas com a Avenida Luísa Todi
Vestígios da muralha medieval
Face Oeste
Torreão integrado no edifício da PSP
Torreão e panos de muralha junto ao cruzamento com a Av. 5 de Outubro
Face Norte
Pano de muralha no lado Oeste da Rua Tenente Valadim
Face Leste
Pano de muralha visível em frente ao Jardim de Quebedo
Pano de muralha visível em várias ruas, na ligação de norte para sul com a Porta de S. Sebastião (o caminho de ronda é acessível através da sede do Instituto Politécnico de Setúbal, no Largo dos Defensores da República)
Ribeiro, João Reis. Histórias da Região de Setúbal e da Arrábida, vol. I. Setúbal : Centro de Estudos Bocageanos, 2003, pp. 31-35. ISBN972-98682-4-7
Silva, Carlos Tavares da; SOARES, Joaquina. Muralhas medievais de Setúbal. Setúbal : Assembleia Distrital de Setúbal : Museu de Arqueologia e Etnografia, 1982
Silva, Vasco Rivotti. «A cerca velha da cidade de Setúbal» in Livro do Congresso : Segundo congresso sobre monumentos militares portugueses in Património, vol. XXI, 1984.
↑VITERBO, Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram (...). Edição crítica por Mário Fiúza. Porto : Livraria Civilização, vol. II, 1966, sv pestenença: «Peste, epidemia, mortandade».
↑SERRÃO, Joel. Dicionário de História de Portugal. Porto : Livraria Figueirinhas, vol. VI, 1992, sv sisa: «Imposto indiretoque recaía sobre as mercadorias que entravam em contrato de compra e venda e troca. As primeiras notícias que temos do lançamento das sisas datam do princípio do século XIV e aparecem-nos como um importo municipal de caráter provisório cobrado para subsidiar determinadas despesas extraordinárias do concelho.»
↑As indicações são feitas de acordo com as denominações atuais dos arruamentos, de forma a permitir a sua identificação no terremo.
Referências
↑Cf. SILVA, Carlos Tavares da; SOARES, Joaquina. Muralhas medievais de Setúbal. Setúbal : Assembleia Distrital de Setúbal : Museu de Arqueologia e Etnografia, 1982.
↑Cf. FERNANDES, Maria Cristina Ribeiro de Sousa. A Ordem Militar de Santiago no século XIV. Porto, 2002, Anexos I e II, pp. 204-208.