Matar Saudades é um filme português de 1988 do género drama (com elementos de western), realizado por Fernando Lopes e escrito em conjunto com Carlos Saboga e António-Pedro Vasconcelos.[1] A longa-metragem de ficção é protagonizada por Rogério Samora, no papel de Abel, um homem que, depois de ter emigrado para França, regressa à sua aldeia transmontana preparado para se vingar.[2] O filme foi rodado, na sua maioria, na aldeia de Sonim (Valpaços).[3] Matar Saudades foi lançado comercialmente nos cinemas de Portugal a 26 de agosto de 1988.[4]
Abel, de 47 anos, emigrado em França, é um homem marcado pela experiência da Guerra Colonial, bem como por uma vida dura e difícil num país estranho. Transporta várias cicatrizes psicológicas de muitas batalhas perdidas. Decide regressar a salto a Portugal, muito apreensivo devido a uma carta do irmão Pedro, onde este o avisava que tudo tinha mudado, incluindo Teresa, a mulher que deixara no país. Abel pretende ajustar contas com as traições que lhe foram feitas e recuperar o amor da mulher que o esqueceu. Um camionista leva-o até à sua aldeia perto da fronteira, na região de Valpaços (Trás-os-Montes).[5]
Abel avista dos montes da sua infância a aldeia de Sonim. Tudo, de longe, parece nos mesmos lugares. Até o seu velho cão é o que resta do passado. A aldeia aparenta estar imutável, mas em breve vai descobrir que tudo não passa de uma ilusão. Em Sonim prepara-se a representação do "Ato da Paixão", em que Teresa participa. Abel retoma os gestos antigos e monta um plano de vingança. Pretende eliminar, um a um, os pretendentes de Teresa, até consumar no "Ato da Paixão", em plena representação, a morte da própria Teresa.[6]
Após realizar filmes como Belarmino e Crónica dos Bons Malandros, Fernando Lopes relatou um desejo de se confrontar com a abordagem de escrita de um argumento e de todo o trabalho prévio que isso acarreta. Nas suas palavras, "achei que era preciso recuperar as narrativas no cinema, voltar a contar histórias e a criar personagens. Eu costumava dizer por altura do Matar Saudades que no cinema português havia décor a mais e personagens a menos."[13] A ideia para o filme surgiu quando Lopes leu uma notícia de jornal sobre um emigrante que regressa a Portugal para matar a esposa, e desenvolveu-se em conversas com António-Pedro Vasconcelos. O realizador convidou depois Carlos Saboga, quem mais contribuiu para a escrita do argumento, através dos diálogos e definição da narrativa.[14]
Matar Saudades é uma produção portuguesa da Opus Filmes, com a participação financeira do Instituto Português de Cinema, Radiotelevisão Portuguesa e Fundação Calouste Gulbenkian.[15]
A rodagem de Matar Saudades decorreu entre outubro e dezembro de 1986. Apesar de, na sua maioria, as gravações terem decorrido na aldeia de Sonim (Valpaços), algumas cenas foram também rodadas em Vilar Formoso.[3] A equipa contou com a colaboração da Guarda Nacional Republicana para a utilização do cão Tuy.[11]
Lopes revelou que surgiram inúmeros contratempos ao longo deste processo, acima de tudo pela falta de profissionalismo e de disciplina de produção da equipa: "Não era só de uma questão de meios, porque esses até os tinha, mas foi tudo feito muito entre amigos e naquela época já não se podia produzir um filme em termos de amiguismo".[13] Outro constrangimento decorreu da escolha da película Fuji para rodar Matar Saudades. Sendo uma novidade na Europa, o diretor de fotografia não a conhecia bem e decorreram problemas com as tonalidades do filme. Esta obra marca a primeira colaboração do realizador com Rogério Samora que, apesar de inicialmente não ter sido desprovida de percalços, se viria a repetir no futuro.[7]
Em Matar Saudades refletem-se alguns dos temas mais caros ao cinema de Lopes, como a nostalgia do passado e as dificuldades de adaptação à inevitabilidade transformadora do presente.[5] Tal como em Nacionalidade: Português e Nós Por Cá Todos Bem, Fernando Lopes aborda a temática da imigração portuguesa, mas nesta obra não propõe qualquer discurso (sociológico ou metafísico) para explicar as características de Abel. Segundo o cinéfilo João Bénard da Costa, "para uma visão tão radicalmente panteísta, Fernando Lopes não procurou apoios em textos. Mas no imaginário cinematográfico português que já fora a essas terras para ver (Oliveira, certamente, mas mais ainda António Reis) e no imaginário mítico cinematográfico, onde as paixões dos homens mais radicais foram."[16] Nesta sua abordagem, tentando relacionar a ideia de viagem e as viagens interiores, Fernando Lopes procurou recuperar o modelo de Odisseia: Do mesmo modo que Ulisses volta a Ítaca, Abel regressa a Trás-os-Montes.[13]
A estética do filme remonta igualmente a referências do cinema western (em particular de King Vidor, Raoul Walsh e John Ford). A personagem de Teresa foi mesmo comparada a Mercedes McCambridge de Johnny Guitar. Bénard da Costa caracterizou ainda o filme, a par com Uma Abelha na Chuva e Nós Por Cá Todos Bem, de fruto da visão "de um lisboeta sobre a Beira Litoral, ou Trás-os-Montes".[17]
Matar Saudades teve uma ante-estreia a 6 de novembro de 1987, na Cinemateca Portuguesa (Lisboa). A distribuição comercial do filme em Portugal, pela Filmes Lusomundo, iniciou-se a 26 de agosto de 1988, data em que estreou nos cinemas Quarteto e Amoreiras (Lisboa).[18] Na Holanda, a longa-metragem foi também distribuída, a partir de 16 de agosto de 1991.[19]
Numa recensão de mesmo nome sobre Matar Saudades, Joaquim Leitão defende: "penso que o filme começa a ser vítima do talento do próprio realizador, levando-o a menorizar os riscos de um argumento «inacabado», confiante na sua capacidade mais que provada - nos seus filmes e não só 4 - em «criar» o filme na montagem. Mas a estrutura simples, linear - incontornável - de Matar Saudades não dá muito espaço para «golpes de asa» de montagem que preenchessem o «vazio» que vem do argumento. Um «vazio» que o estilo de filmagem -a opção por um olhar sóbrio, que nunca é «frio» mas, no entanto, se mantém «distante» - não ajudou a colmatar."[20]
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