O Café-Restaurante Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, n.º 3, em Lisboa, Portugal, é o café mais antigo da cidade que se encontra actualmente em actividade. A sua história, de mais de dois séculos, está ligada à literatura portuguesa. Teria sido inaugurado pelo Marquês de Pombal, em 2 de Janeiro de 1782.[1]
O Martinho da Arcada
Após o grande terramoto de 1755, a reconstrução de Lisboa permitiu instalar no Terreiro do Paço um estabelecimento, conhecido desde 1778 por Café do Gelo, que fornecia bebidas e gelados para a corte. Ao longo dos seus mais de dois séculos de existência, este Café conheceria vários proprietários que lhe deram diferentes nomes.
O Café do Gelo foi adquirido pelo italiano Domenico Mignani que, em 7 de Janeiro de 1782, inaugurou a Casa do Café Italiano. Em 1795, o estabelecimento era conhecido por Café do Comércio e, por volta de 1809, era vulgarmente designado Café dos Jacobinos, pelo facto de ser frequentado pelos Jacobinos e Libertinos da época. Simão Fernando, novo proprietário, rebaptizou-o Casa da Neve, tendo como clientela a sociedade elegante de Lisboa, que em 1820 continuava a deliciar-se com os seus gelados.
Em 1824, a casa tinha como proprietário José de Melo e era conhecida por Café da Arcada do Terreiro do Paço. Em 1845, Martinho Bartolomeu Rodrigues tornou-se o novo proprietário e mandou fazer obras que o transformaram num dos melhores cafés de Lisboa, dando-lhe o nome que conserva até hoje. O mesmo empresário abriu também outro Café Martinho no Largo do Regedor, em frente da estação dos caminhos de ferro do Rossio. O nome popular Martinho da Arcada servia para o distinguir do outro Café Martinho» que existia no Rossio.
Martinho Bartolomeu Rodrigues, homem empreendedor, chegou a ter cinco poços de gelo em Santo António da Neve, na Serra da Lousã, o qual era indispensável ao fabrico dos apetecidos gelados na estação estival.[2] Julião Bartolomeu Rodrigues, escrivão no Tribunal do Comércio, herdou o café Martinho da Arcada em 1899, mas trespassou o estabelecimento pouco tempo depois a José Isidoro Pereira. Em 1925 este vendeu o negócio à firma Mourão & Simões, Lda, passando para a posse do sócio Alfredo de Araújo Mourão em 1928, que o deixou em herança à sua filha Albertina de Sá Mourão, em 1960.
Em 1984, o Martinho da Arcada foi classificado pelo Instituto Português do Património Arquitectónico como imóvel de interesse público e em 1988 foi aberto um concurso para a sua remodelação, sendo a obra atribuída ao Arquitecto Raul Hestnes Ferreira. Em 22 de Fevereiro de 1990, o remodelado Café-Restaurante Martinho da Arcada reabriu com nova gerência e uma luxuosa sala de refeições.
Café, história e literatura
Crowley ficou em Lisboa, no Hotel L'Europe, desde o dia 18 até ao dia 23, (salvo Domingo, 21, em que foi jogar xadrez a Sintra). Foi durante esta estada em Lisboa que lhe falei
mais vezes. No dia 22 disse-me, e no dia 23 repetiu-me, que ia outra vez para Sintra, com que ficara encantado, e que ali se demoraria alguns dias. Despediu-se de mim às dez horas e meia do dia 23, à porta do Café Arcada, no Terreiro do Paço. Nunca mais lhe falei.
"Fernando Pessoa entrevistado por Augusto Ferreira Gomes", O Notícias Ilustrado, N.º 121, Lisboa, 5 de outubro de 1930.
Um dos seus clientes mais assíduos foi sem dúvida Fernando Pessoa (que tem uma mesa permanentemente reservada). Conta-se que o escritor teria tomado ali um último café com Almada Negreiros, três dias antes de falecer, em 30 de Novembro de 1935. O autor de Mensagem, que frequentou o Café Montanha, na Rua da Assunção, durante mais de vinte anos, adoptou também, na década de 20, o Café Martinho da Arcada como um dos seus locais preferidos. Anteriormente, fora mais assíduo nas tertúlias de A Brasileira do Chiado, inaugurada em 1905, ano em que o escritor, que contava então 17 anos, regressou da África do Sul para estudar em Lisboa.
Mais recentemente, o Martinho da Arcada passou a ter também uma mesa permanentemente reservada para o escritor José Saramago.
AMIGOS DE LISBOA, Evocação do Café Martinho, Lisboa: Imprensa Libanio da Silva, 1936.
BELÉM, Victor, O Mistério da Boca do Inferno: O encontro entre o Poeta Fernando Pessoa e o Mago Aleister Crowley, Lisboa, Casa Fernando Pessoa, 1995.
CARVALHO, Gabriela, Itinerários Temáticos de Lisboa, Lisboa: Medialivros, 2003.
COSTA, Maria Carvalho da, Café Restaurante Martinho da Arcada, Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 2001.
DIAS, Marina Tavares, Os Cafés de Lisboa, 2.ª ed., Lisboa: Quimera Editores, 1999.
GURRIARÁN, José António, Lisboa: Uma Cidade Inesquecível. Mapa e roteiros completos, Mérida: Badajoz, Limite Visual, 1997, pp. 184, 188 e 189.
MARTINS, Maria João, «Cafés de Lisboa: modo de amar» in O Sabor dos Cafés, Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 2000, pp. 28-30.
MOITA, Irisalva, O Livro de Lisboa, Lisboa: Livros Horizonte, 1994.
SUCENA, Eduardo, «Cafés» in SANTANA, Francisco e SUCENA, Eduardo (dir.), Dicionário da História de Lisboa, Sacavém: Carlos Quintas & Associados, 1994, p. 192.
Referências
↑ Revista Municipal da Câmara Municipal de Lisboa n.º12, 2.º Trimestre de 1985.