Luzia é o fóssilhumano mais antigo encontrado na América do Sul, com cerca de 12 500 a 13 000 anos[1] que reacendeu questionamentos acerca das teorias da origem do homem americano.[2] O fóssil pertenceu a uma mulher que morreu entre seus 20 a 24 anos de idade[3] e foi considerado como parte da primeira população humana que entrou no continente americano.[3][4]
Além de "fóssil", Luzia é também referida simplesmente como um "esqueleto" de hominídio. Os ossos não apresentam "sinais clássicos de fossilização",[9] logo, segundo a definição de certos autores, poderiam ser chamados de "subfósseis". Entretanto, atualmente, muitos paleontólogos desconsideram a necessidade de alteração química (fossilização, ou diagênese) para a classificação de um resto biológico como fóssil, em sentido amplo.[10]
Descoberta
O esqueleto foi encontrado no início dos anos 1970, pela missão arqueológica franco-brasileira chefiada pela arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire (1917-1977), em escavações na Lapa Vermelha, uma gruta no município de Pedro Leopoldo (MG).[5] A gruta era famosa pelos trabalhos do cientista Peter Lund (1801-1880), que lá descobrira, entre 1835 e 1845, milhares de fósseis de animais extintos da época do Pleistoceno e 31 crânios humanos em estado fóssil do que passou a ser conhecido como o Homem de Lagoa Santa. Seus hábitos alimentares incluíam folhas, frutas, raízes e algumas vezes, carne.[11]
Inicialmente, Emperaire, acreditava que havia na verdade dois esqueletos diferentes no local do sítio arqueológico: um mais recente, datado em 11 mil anos, e outro localizado um metro abaixo, datado em 12 mil anos, o qual seria da cultura Clóvis e ao qual pertenceria o crânio de Luzia. Entretanto, análises posteriores pelo arqueólogo francês André Prous revelaram que ambos os restos encontrados pertenciam a um mesmo indivíduo, datado em 11 mil anos – como o crânio havia rolado para longe do resto do esqueleto, Emperaire fizera uma interpretação errônea dos achados.[12][13]
Incêndio
Na noite de 2 de setembro de 2018, ocorreu um incêndio no Museu Nacional, destruindo quase a totalidade do acervo histórico e científico construído ao longo de duzentos anos, e que abrangia cerca de vinte milhões de itens catalogados, entre eles o fóssil de Luzia.
Em 19 de outubro de 2018, foi anunciado que o crânio de Luzia havia sido encontrado fragmentado. Foram encontradas parte do frontal (testa e nariz), parte lateral, ossos que são mais resistentes, além de um fragmento de um fêmur que também pertencia ao fóssil e estava guardado, tendo sido encontrados 90% do fóssil. O Museu Nacional informou que iniciaria o trabalho de reconstrução do fóssil dividido no ano seguinte em três etapas: diagnóstico, reconstituição virtual e remontagem física. No entanto, em 2023, a reconstrução ainda não havia sido realizada.[14][15][16]
Em 1989, Walter Neves, ao lado do colega argentino Héctor Pucciarelli, do Museu de La Plata, formulou a teoria de que o povoamento da América teria sido feito por duas correntes migratórias de caçadores-coletores, ambas vindas da Ásia provavelmente pelo estreito de Bering, através de um istmo que se formou com a queda do nível dos mares durante a última idade do gelo. A primeira leva migratória seria composta por populações com traços negroides, tendo ocorrido há 14 mil anos e não possuiria representantes atuais entre os povos ameríndios. Já a segunda leva seria formada por indivíduos com aparência mais próxima à mongoloide, e teria ocorrido há 12 mil anos. Esta teoria alternativa contrapunha-se à teoria convencional de que teria havido três ondas migratórias, via estreito de Bering, iniciadas há cerca de 13 mil anos, de populações com traços somente mongoloides.[17][18]
Em 1995, Neves teve acesso ao "esqueleto da Lapa Vermelha IV" ou "Lapa Vermelha IV Hominídeo 1", localizado no Museu Nacional, o qual apresentava traços negroides. O esqueleto foi renomeado por ele como "Luzia",[12] e se tornou a principal evidência de sua teoria alternativa sobre o povoamento da América.[18] Ao estudar a morfologia craniana de Luzia, Neves encontrou traços que lembram os atuais aborígenes australianos e os negros da África.[8]
As populações da primeira onda migratória da teoria de Neves, foram chamadas de aborígenes americanos, sendo semelhantes a Luzia. No entanto, Luzia possui crânio arredondado como o dos mongoloides e não tem o occipital saliente dos negroides, tal como tem leve braquicefalia como os mongoloides. Assim, Luzia parece um tipo intermediário entre pigmoides e mongoloides, do mesmo modo que os australoides são a fusão de vários elementos do paleolítico superior e inferior; mesmo os congoides de crânio arredondado possuem influências residuais mongoloides de possíveis contatos pelo Índico com navegadores antigos asiáticos que inclusive colonizaram Madagascar a partir da costa leste africana, sendo fácil notar mongolização em povos da África Oriental e mesmo de outras regiões via repasse autossómico indireto. Do mesmo modo, na América do Norte, foram encontrados povos, tais como o de Kennewick que possuem feições intermediárias entre mongoloides e caucasoides, tão ou mais antigos que Luzia. O que indica que a maré mongoloide mais recente deve ter extinto estes povos anteriores de feições caucasoides e mongopigmoides em algum momento do paleolítico superior final.[carece de fontes?]
A maior dificuldade hoje em analisar o DNA dos ameríndios é que muitos povos, por mais isolados que aparentem estar atualmente, durante os séculos da colônia, foram, muitas vezes, contatados por expedições de bandeiras espanholas, portuguesas e de colonos independentes que levavam, às vezes, escravos, a exemplo de um pequeno quilombo no Mato Grosso da época da mineração, o que indica que os luso-paulistas bandeirantes não usavam apenas mão de obra ameríndia, mas também mista, o que de facto compromete muito das analises genômicas, já que estas podem estar anacronicamente não mais puras como o eram antes de tais entradas aos Sertões do interior sul-americano.[carece de fontes?]
As conclusões de Neves foram desafiadas por pesquisas feitas pelos antropólogos Rolando González-José, Frank Williams e William Armelagos, que mostraram, em seus estudos, que a variabilidade craniofacial poderia ser apenas devido à deriva genética e outros fatores que afetam a plasticidade craniofacial em Nativos americanos.[19][20][21]
A comparação em 2005 das espécimes de Lagoa Santa com os modernos Botocudos da mesma região também mostrou afinidades fortes, levando Neves a classificar os Botocudos como paleoíndios.[22]
Um estudo genético de 2015, com dados de populações ameríndias atuais e passadas, corrobora a hipótese de uma única onda migracional de povos da Sibéria, ocorrida entre 23 mil a 8 mil anos, pela Beríngia. As semelhanças de parte dos atuais ameríndios com os atuais australoides seriam indiretas, resultado de deriva genética e não de descendência.[23] A sequência genética de paleo-índios da Patagônia revelou que os paleo-índios têm perfil genético similar ao dos indígenas americanos.[23]
Teoria de 2018
Pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade de Harvard divulgaram uma descoberta que contradiz a principal teoria do povoamento da América. Com ajuda da extração de DNA de fósseis enterrados por mais de dez mil anos, eles puderam avaliar o genoma dos fósseis para descobrir informações genéticas dos mesmos.[24]
O trabalho foi feito em conjunto pela USP, pela Universidade Harvard e pelo Instituto Max Planck, da Alemanha. Os cientistas estudaram nove ossadas humanas da região de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Dos mesmos sítios arqueológicos de Luzia, a ossada de uma mulher que teria vivido há mais de 11 mil anos e é considerada a primeira brasileira.[24]
Existem duas teorias para a chegada dos seres humanos aos continentes americanos:
A primeira diz que os humanos chegaram ao continente americano a partir de migração de populações do leste asiático, que atravessaram o estreito de Bering na época, ele ainda se conectava à América do Norte e desceram até chegar à América do Sul.
A segunda, criada na década de 1990, diz que os territórios americanos foram povoados por humanos mais antigos ainda, os primeiros que já tinham saído da África, cruzado a Ásia e que teriam vindo direto para a América, até chegar ao Brasil. A ideia surgiu porque os pesquisadores estudaram as medidas do crânio de Luzia e acharam que ele era mais largo do que os dos indígenas e mais parecido com o dos africanos.
Entretanto, o resultado do estudo mostrou que a Luzia vai precisar de um rosto novo. O atual, com nariz e lábios mais grossos, foi feito com base na ideia de que ela descendia de negritos do Oceano Índico, aborígenes australianos ou melanésios. Contudo, a análise do DNA mostrou que o código genético do povo de Lagoa Santa é semelhante ao de todos os povos indígenas da América e, neste caso, as feições seriam mongoloides. Com essa comprovação, a teoria de que duas populações teriam povoado as Américas não faz mais sentido. O povo de Luzia chegou à América junto com todas as demais populações que vieram do continente asiático.[24]
↑Feathers, James; R. Kipnis; L. Piló; M. Arroyo & D. Coblentz (2010) "How old is Luzia? Luminescence dating and stratigraphic integrity at Lapa Vermelha, Lagoa Santa, Brazil"; Geoarchaeology 25 (4): 395–436.
↑ abC. Smith (1999). «Luzia Woman». Discovery Communications Inc. Consultado em 21 de dezembro de 2007. Arquivado do original em 24 de dezembro de 2007
↑ abNEVES, Walter A. Lapa Vermelha IV Hominid 1: Morphological Affinities of the Earliest Known American. In: Genetics and Molecular Biology, v. 22, p. 461-469, 1999. link.
↑Mendonça de Souza, S.; Rodrigues-Carvalho, C.; Silva, H.P. & Locks, M. Revisitando a discussão sobre o quaternário de Lagoa Santa e o povoamento das Américas: 160 anos de debates científicos. In: H.P. Silva & C. Rodrigues-Carvalho. (orgs.). Nossa Origem. Rio de Janeiro: Vieria & Lentz, 2006. p. 19-43. link.
↑TOMASSI, H. Z.; ALMEIDA, C. M. O que é fóssil? Diferentes conceitos na Paleontologia. In: XXII Congresso Brasileiro de Paleontologia, Natal. Atas..., p. 143-147. 2011. link.
↑ abPIVETTA, Marcos; ZORZETTO, Ricardo. Walter Neves: O pai de Luzia. Pesquisa Fapesp, n. 195, p. 26-31, mai. 2012. [1].
↑Prous, A. "Archeological missions to the Lagoa Santa region in the second half of the 20th century". In: Da-Gloria, Pedro, Walter A. Neves, and Mark Hubbe, eds. Archaeological and Paleontological Research in Lagoa Santa: A Quest for the First Americans. New York: Springer, 2017. link.
↑NEVES, W. A. e PUCCIARELLI, H M. Extra-continental biological relationships of early South American human remains: a multivariate analysis. Ciência e Cultura, v. 41, p. 566-75, 1989. link.
↑ abPIVETTA, Marcos. A América de Luzia. Pesquisa Fapesp, Especial 50 anos, p. 234,239, mai. 2012. link.
↑van Vark GN, Kuizenga D, Williams FL (junho de 2003). «Kennewick and Luzia: lessons from the European Upper Paleolithic». American Journal of Physical Anthropology. 121 (2): 181–4; discussion 185–8. PMID12740961. doi:10.1002/ajpa.10176 !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
↑Fiedel, Stuart J. (2004). «The Kennewick Follies: 'New' Theories about the Peopling of the Americas». Journal of Anthropological Research. 60 (1): 75-110. JSTOR3631009
↑González-José R, Bortolini MC, Santos FR, Bonatto SL (outubro de 2008). «The peopling of America: craniofacial shape variation on a continental scale and its interpretation from an interdisciplinary view». American Journal of Physical Anthropology. 137 (2): 175–87. PMID18481303. doi:10.1002/ajpa.20854 !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)