Fernández também foi o autor do primeiro gol do primeiro clássico Nacional x Peñarol profissional, em 1932.[1][4] Nascido na Espanha, na região da Galiza, era assim apelidado de El Gallego. Quando o futebol ainda era oficialmente amador, trabalhava como estivador no porto de Montevidéu. De temperamento forte, na seleção era considerado o complemento ideal para o capitão José Nasazzi, com este liderando a defesa e Fernández, o meio-campo. Na pausa para intervalo da final de 1930, na qual os uruguaios perdiam por 2-1, teria dito aos colegas: "se perdermos essa final, mato vocês todos", no que Nasazzi teria completado "El Gallego os mata e eu os enterro".[5] No segundo tempo, a Celeste ganhou por 4-2.[6]
Carreira
Clubes
Fernández começou no Capurro, time criado por sua família, ingressando ainda em 1915 no time adulto. Seus músculos e espírito indomável se desenvolveram no trabalho de estivador (adotado também por seus irmãos) no porto de Montevidéu, ofício que para a época exigia maior força física, com muita atividade manual. Ele e sua família viviam nos arredores do porto para estarem de prontidão à necessidade de serviço, ganhando à noite cinco centavos de peso extras por hora.[5]
O Capurro dissolveu-se provisoriamente e em 1918 Fernández atuou pelo primeiro River Plate uruguaio, dissolvido em 1925. Voltou ao Capurro, atuando de 1919 a 1922. Em 1923, ele jogou pelo Montevideo Wanderers,[5] integrando a campanha campeã uruguaia de 1923 dos alvinegros,[4] mas logo voltou ao Capurro.
O Capurro só viria a estrear na elite Uruguaia em 1927,[7] mas Fernández estreou pela seleção uruguaia ainda em 1925. [8]
Após as Olimpíadas, Fernández incorporou-se ao rival Peñarol,[5] o clube do coração.[4] Lá formou a partir daquele ano um trio de volantes apelidado de Cortina Metálica, junto de Gildeón Silva e Álvaro Gestido.[5] Junto de Gestido, seria o único aurinegro titular da seleção na final da Copa do Mundo FIFA de 1930, mesmo número de jogadores fornecidos pelo Bella Vista.[1] O Peñarol havia deflagrado um cisma na década de 1920, retirando-se da associação uruguaia reconhecida pela FIFA. O cisma perdurou até 1926, mas jogadores aurinegros ficaram privados da seleção por algum tempo.[10]
O trio com Silva e Gestido se formou ainda em 1928, quando Fernández chegou já sendo titular, como volante central. O time foi campeão, além de empatar em 1-1 com o Barcelona, com Fernández sendo o único dos três presente.[11] Ele também foi o artilheiro.[4] Em 1929, com ele titular, foi obtido o bicampeonato uruguaio e também a Copa do Rio da Prata, em tira-teima com o campeão argentino, derrotando-se por 3-0 o Huracán, onde jogava Guillermo Stábile. Fernández atuou mais ofensivamente, escalado na meia-direita, e marcou dois gols.[12] O trio da Cortina Metálica perdurou até 1932. Dos campeonatos em disputa realizados até lá, o Peñarol só não foi campeão em 1931.[13][14][15]
Em 1932, a campanha de novo título uruguaio incluiu vitória do Peñarol no primeiro clássico com o Nacional da era profissional. El Gallego foi o autor do primeiro gol, em vitória por 2-0.[1][4][15] O gol veio em forte disparo rasteiro, com Fernández desvencilhando-se da marcação em tabela com Luis Mata. A cinco minutos do fim, a jogada se inverteu, com Mata chutando forte após receber de Fernández, em passe que deixou Mata em boa posição na frente do gol.[16]
O Peñarol também foi finalista em 1933, quando Silva já não fazia parte e com Gestido passando a disputar o posto de volante central com Fernández; Ereb Zunino havia substituído Silva no flanco direito, enquanto o esquerdo era alternado entre Nicolás Riccardi e Galileo Chanes. O rival Nacional terminou campeão.[17] A situação se repetiu em 1934, com a mesma escalação do trio de volantes e título sendo do rival.[18]
Gestido firmou-se na posição de volante central em 1935, ano em que Fernández foi definitivamente afastado do plantel por divergências com os dirigentes. Apesar da polêmica e das dificuldades econômicas, o Peñarol voltou a ser campeão.[19] Já Fernández incorporou-se ao novo River Plate uruguaio,[4] criado em 1932 mediante a fusão do "clube familiar" Capurro com o Olimpia.[7]El Gallego jogou pelo River em excursão da equipe à França, parando de jogar inicialmente ao fim da viagem. Voltou em 1938, para mais duas temporadas, desta vez no Defensor.[4]
Seleção Uruguaia
Fernández estreou pela Seleção Uruguaia em 18 de julho de 1925,[8] data de derrota de 1-0 para o Paraguai em Montevidéu pela Copa Bossio.[20] Ainda era jogador do Capurro, clube fundado por sua família,[5] e a estreia veio mesmo com a equipe só vindo a estrear na primeira divisão em 1927.[7]
Ainda como jogador do Capurro, Fernández integrou o elenco convocado para as Olimpíadas. Porém, precisou ausentar-se da segunda final contra a Argentina, necessária após empate em 1-1 em um primeiro jogo, ao fim dos 90 minutos e de prorrogação.[5][24] Essa partida inicial foi marcada por um ríspido duelo à parte entre Fernández e o capitão argentino Luis Monti. Ao fim, Fernández conseguia apenas caminhar e foi descartado para o segundo jogo.[5] Seu lugar foi ocupado por Juan Píriz,[24] mas sua ausência inicialmente não foi crível pelos argentinos, que, imaginando que a notícia seria inverídica e parte de uma trama psicológica em favor dos uruguaios, chegaram a usar espiões para confirma-la. Quando a ausência lhes foi confirmada, os alvicelestes teriam se julgado já campeões.[5]
Um ano depois, Fernández disputou a Copa América de 1929, dessa vez com os uruguaios ficando no vice-campeonato para os argentinos. O volante destacou-se especialmente em vitória por 4-1 no Paraguai, na qual ele marcou os três primeiros gols. Eles foram suficientes para fazer dele o vice-artilheiro da competição.[25]
Em sua passagem pela seleção, El Gallego marcou apenas uma outra vez.[8] Naquele mesmo ano, o país bicampeão olímpico foi escolhido por aclamação para sediar no ano seguinte a primeira Copa do Mundo FIFA.[26]
Na competição, Fernández foi considerado o jogador uruguaio que mais a levou a sério, o que inspirou diversas brincadeiras dos próprios colegas na concentração. Foram tantas que em dado momento El Gallego, estafado, chegou a arrumar as malas para ir embora, sendo demovido da ideia da feita em que foi rodeado pelos companheiros. Desistiu de sair, o que não o impediu em protestar contra as gozações. Na pausa para intervalo da final, na qual os uruguaios perdiam por 2-1, teria dito aos colegas: "se perdermos essa final, mato vocês todos", no que o capitão José Nasazzi teria completado "El Gallego os mata e eu os enterro".[5] No segundo tempo, a Celeste ganhou por 4-2.[6]
Fernández era considerado exatamente o complemento ideal para Nasazzi, que liderava a defesa enquanto Fernández liderava o meio-campo. Ficou famosa outra interação entre eles, em outra final contra os argentinos, na Copa América de 1935.[5] Foi a primeira edição da Copa América realizada desde 1929,[27] marcando também o primeiro reencontro entre os principais jogadores de Argentina e Uruguai desde o rompimento de relações ocorrido em função da final da Copa de 1930. No jogo final entre ambos em 1935, Fernández estaria dolorido estirado no gramado, no que Nasazzi aproximou-se e lhe interpelou: "o que vão dizer em Montevidéu quando souberem que El Gallego foi um covarde?". Fernández então logo se levantou para seguir jogando.[5]
Os uruguaios não tiveram um bom início de campeonato, ao contrário dos rivais, que, porém, acabaram perdendo por 3-0 no jogo final. Foi esse episódio que originou a mística expressão da "garra charrua" para referir-se a momentos de superação do futebol uruguaio.[5] Curiosamente, a cor celeste naquela ocasião havia dado lugar à camisa vermelha, acompanhada de calções brancos, combinação que viraria um tradicional uniforme reserva da seleção. O resultado descontrolou o oponente Herminio Masantonio, artilheiro da competição, que trocou socos com diversos uruguaios, especialmente Fernández. Ambos viriam a se reconciliar, com Fernández viajando em 1953 para visitar-lhe no leito de morte de Masantonio, que contraíra tuberculose, pedindo-lhe "você, que não afrouxou nunca, não me vá afrouxar agora!".[28]
Aquela final de 1935 foi travada em 27 de janeiro daquele ano,[29] no que foi a despedida de Fernández da seleção. Foram ao todo 31 partidas e quatro gols marcados.[8] No ano anterior, a Celeste havia se recusado a participar da Copa do Mundo FIFA de 1934, na Itália, em retaliação pela larga ausência das seleções europeias na edição de 1930. Até hoje foi a única vez em que o campeão do torneio anterior não defendeu o título.[30]
↑ abcdefghijklmnopqrBASSORELLI, Gerardo (2012). El Gallego Lorenzo Fernández. Héroes de Peñarol. Montevidéu: Editorial Fin de Siglo, pp. 54-57
↑ abGEHRINGER, Max (set. 2005). Os gols da final. Placar Especial "A Saga da Jules Rimet fascículo 1 - 1930 Uruguai". São Paulo: Editora Abril, p. 42
↑ abcABBINK, Dinant; TABEIRA, Martín (11 de fevereiro de 2006). «Uruguay - List of Final Tables 1900-2000». RSSSF. Consultado em 2 de outubro de 2017 !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
↑GEHRINGER, Max (set. 2005). Tão perto, tão longe. Placar Especial "A Saga da Jules Rimet fascículo 1 - 1930 Uruguai". São Paulo: Editora Abril, pp. 6-11
↑MAMRUD, Roberto; STOKKERMANS, Karel (6 de julho de 2017). «Copa América 1916-2016». RSSSF. Consultado em 2 de outubro de 2017 !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
↑GEHRINGER, Max (out. 2005). A política entra em campo. Placar Especial "A Saga da Jules Rimet fascículo 2 - 1934 Itália". São Paulo: Editora Abril, pp. 6-8