Lanteri nasceu na zona rural de Briga Marittima, na província de Cuneo, Itália (atualmente La Brigue, França), em 1873.[1] Seus pais, Mattea Guido e Pierre-Antoine Lanteri, emigraram para a Argentina com suas duas filhas em 1879. Julieta foi criada em Buenos Aires e La Plata.[1][2]
Em 1891, tornou-se a primeira mulher a se matricular no Colegio Nacional de La Plata, colégio público preparatório. Após formar-se em farmacologia na Universidade de Buenos Aires em 1898,[1] Lanteri ingressou na Faculdade de Medicina da universidade com a permissão do reitor, Dr. Leopoldo Montes de Oca.[3] Ela encontrou oposição à sua carreira de estudante e profissional por parte dos mais conservadores; as objeções incluíam o conceito mais amplo de permitir que as mulheres seguissem uma carreira, bem como outras menores, como a de que uma mulher não deveria examinar um cadáver. Estas experiências levaram Lanteri e Cecilia Grierson (a primeira mulher a graduar-se em medicina na Argentina) a co-fundarem a Asociación de Universitarias Argentinas, a primeira associação de estudantes dedicada às mulheres no país, em 1904. Após um estágio na enfermaria feminina do Hospital San Roque,[4] Lanteri tornou-se, em 1907, a quinta mulher a formar-se em medicina na Argentina e a primeira ítalo-argentina a fazê-lo.[2]
Carreira
Lanteri trabalhou por uma década na Secretaria de Assistência Pública de Buenos Aires e no Hospital e Dispensário de Emergência.[5] Ela fez campanha ativamente por maior acesso aos cuidados médicos para os pobres desde o início e fundou um periódico, a Semana Médica, para esse fim.[2] Em 1906, Lanteri participou do Congresso Internacional do Pensamento Livre realizado em Buenos Aires e contou com a presença de outras feministas como Raquel Camaña, Elvira Rawson de Dellepiane, Petrona Eyle, Sara Justo, Cecilia Grierson e Adelia Di Carlo. O Congresso a expôs a ideias relacionadas à obtenção da igualdade entre sexos, igualdade política e divórcio.[6]
Ela ajudou a organizar o primeiro Congresso Internacional de Mulheres em 1910 e posteriormente o primeiro Congresso Nacional do Bem-Estar Infantil.[5] Sua inscrição para um cargo de docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires foi negada com base no fato de que ela ainda era uma estrangeira residente, o que a levou a solicitar a cidadania argentina. Mulheres imigrantes solteiras, no entanto, geralmente não recebiam a cidadania argentina. Lanteri casou-se com Alberto Renshaw em 1910, e após um processo de oito meses de duração, ela obteve a cidadania em 1911. O casamento foi em si polêmico, pois Renshaw era quatorze anos mais novo que Lanteri. O mesmo pretexto foi usado para negar a sua inscrição no curso de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da sua própria universidade.[7]
Com conhecimento detalhado da Lei 5.098, que especificava vários requisitos para o direito de voto — embora permanecesse discutível sobre o direito da mulher de fazê-lo — Lanteri persuadiu o presidente do distrito eleitoral a aceitar seu voto nas eleições de 16 de julho de 1911 para o Conselho Deliberativo, tornando-se assim a primeira mulher a votar na América do Sul;[3][7] mulheres não tiveram direito ao voto na Argentina até 1947.[8] A Lei Eleitoral foi alterada naquele ano para exigir o serviço militar (obrigatório para todos os cidadãos argentinos do sexo masculino) para ter direito ao voto, novamente eliminando as mulheres. Lanteri, em vez disso, juntou-se à sua advogada, Angélica Barreda, na formação de um partido político em 1918, a União Feminista Nacional, e concorreu a uma vaga na Câmara dos Deputados da Argentina em todas as eleições posteriores até o golpe militar de 1930.[2]
Seu partido político apoiava o sufrágio universal, igualdade de gênero sob o Código Civil Argentino e uma ampla gama de medidas progressivas, incluindo: regulamentação da jornada de trabalho; igualdade salarial; pensões; licença maternidade; reformas trabalhistas em relação a mulheres e crianças; treinamento profissional para mulheres; legalização do divórcio; atendimento especializado para jovens delinquentes; reforma do sistema carcerário; abolição da pena de morte; investimentos em saúde pública e jardim de infância; maior segurança do trabalho em fábricas; proibição da fabricação e venda de álcool; medicina preventiva contra doenças infecciosas e proibição de bordéis regulamentados.[5] No entanto, sua candidatura não foi bem sucedida, recebendo entre mil e 1 730 votos em cada eleição;[8] entre os seus apoiadores estava o escritor nacionalista Manuel Gálvez que, em oposição a ambos os conservadores e à União Cívica Radical, então no poder, optou por votar na "intrépida Dra. Lanteri".[7]
Lanteri foi admitida na Associação Médica Argentina.[4] Ela continuou a praticar a medicina e a fornecer cuidados psiquiátricos e de saúde mental para mulheres e crianças necessitadas.[1] Ela fundou a primeira escola primária da cidade de Sáenz Peña, na província de Buenos Aires e lecionou extensivamente na Europa.[4] Ela se aventurou em outras atividades, lançando um tônico de restauração capilar em 1928.[2] Seu ativismo pelo sufrágio feminino deu uma guinada inédita quando em 1929 ela se candidatou ao serviço militar com a justificativa de que, uma vez que o serviço militar era obrigatório para todos os cidadãos, as mulheres deveriam ter direito ao serviço militar e, portanto, ao voto. O caso chegou à Suprema Corte da Argentina, onde, no entanto, foi anulado.[2]
Morte
Em 23 de fevereiro de 1932, Lanteri caminhava pela avenida Roque Sáenz Peña, no centro de Buenos Aires, quando foi atropelada. O motorista fugiu, e após dois dias internada no hospital, a médica e ativista morreu aos 58 anos de idade;[2] mais de mil pessoas compareceram ao seu funeral.[5]
O incidente, tratado como acidente pela polícia, foi questionado pela jornalista do El Mundo Adelia Di Carlo. O noticiário publicou detalhes do acidente, incluindo o fato de que o relatório policial teve o nome do motorista e a placa do veículo riscados; que o homem, David Klapenbach, era membro do grupo paramilitar de direita Liga Patriótica Argentina; e que o próprio Klapenbach já havia cometido vários assassinatos. A casa de Adelia Di Carlo foi saqueada pela Polícia Federal Argentina após a publicação destes dados.[2]
Legado
As jornalistas investigativas Araceli Bellota e Ana María De Mena publicaram biografias de Lanteri (Julieta Lanteri: La pasión de una mujer e Palomita Blanca, respectivamente), em 2001.[2][5] Uma rua no bairro Puerto Madero, em Buenos Aires, foi batizada em sua homenagem.[9] Em 2019, uma nova estação na linha H do Metrô de Buenos Aires foi batizada em sua homenagem.[10][11]