Intolerância religiosa[1] é um termo que descreve a atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar práticas e crenças religiosas de terceiros, ou a sua ausência. Pode-se constituir uma intolerância ideológica ou política, sendo que, ambas têm sido comuns através da história. A maioria dos grupos religiosos já passou por tal situação numa época ou outra. Floresce devido à ausência de liberdade de religião e pluralismo religioso.
Perseguição, neste contexto, pode referir-se a prisões ilegais, espancamentos, torturas, execução injustificada, negação de benefícios e de direitos e liberdades civis. Pode também implicar confisco de bens e destruição de propriedades, ou incitamento ao ódio.
A perseguição religiosa atingiu níveis nunca vistos antes na História durante o século XX, quando os nazistas perseguiram milhões de judeus e outras etnias indesejadas pelo regime. Esta perseguição em massa usualmente conhecida por Holocausto, vitimou milhões de pessoas. Contudo, o nazismo perseguiu os judeus como raça e não propriamente como religião.[2]
Outro exemplo de perseguição religiosa na idade contemporânea foi a perseguição por parte da antiga União Soviética que perseguiu vários grupos religiosos pois eram um estado de jurisdição ateísta. A perseguição não precisa ser necessariamente estatal na contemporaneidade, como no caso da extinção de duas cidades cristãs no Levante pelo Al-jayš as-suri al-ħurr, o que levou ao deslocamento forçado de oitenta mil pessoas.[3]Ditaduras nem sempre estão associadas a perseguição religiosa. Por exemplo, no Egito de Hosni Mubarak, no Iraque de Saddam Hussein e na Líbia de Muammar al-Gaddafi, as minorias cristãs sentiam-se protegidas da perseguição islâmica e eram autorizadas a praticar suas doutrinas. Em contrapartida, comprometiam-se a ficar afastadas da política. O Vaticano denomina esses acordos como síndrome dos pandas, nome dos inofensivos ursos vegetarianos protegidos pelas autoridades chinesas, para evitar sua extinção.[4]
No caso do Judaísmo, a apostasia nesta religião, tal como a heresia, eram sinónimos de “negação de Deus” e, portanto, do ateísmo, associado também ao Epicurismo, sendo os epicuristas vistos com suspeição por serem contrários aos dogmas da religião.[8] O facto das comunidades judaicas serem governadas por potências externas, refletia normalmente as leis e políticas destas, mas a rejeição foi particularmente visível nos tempos do Segundo Templo, com a marginalização dos não crentes, considerados impuros.[9]
Para o Islamismo, a apostasia no Islã/Islão engloba tanto o ateísmo como a conversão a outra religião, admitiam a expulsão, mas, tal como acontecia com os Bizantinos, os Sassânidas ou a Inquisição, também a pena de morte, como castigo máximo para tal “ofensa”.[10] Pelo contrário, a manutenção de crenças anteriores ao início do domínio muçulmano de um território era visto como lamentável, mas tolerado.[10] Na atualidade os países de maioria islâmica sob regimes autocráticos e com sistemas jurídicos baseados na Xaria, continuam a ser os únicos com manutenção da pena de morte para o abandono da religião islâmica,[11] e promovendo a perseguição de minorias religiosas.[12]
No século XIX, houve intensa perseguição contra os pioneiros mórmons que habitavam os estados de Ohio, Missouri e Illinois, sendo que muitos chegaram a ser expulsos de suas casas.[15]
Com o crescimento da diversidade religiosa no Brasil é verificado um crescimento da intolerância religiosa, tendo sido criado até mesmo o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (21 de janeiro) por meio da Lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que foi um reconhecimento do próprio Estado da existência do problema.[16][17][18]
A data foi instituída tendo como pano de fundo um dos episódios de grande repercussão no país, a violência praticada contra a ialorixá Gildásia dos Santos, a Mãe Gilda, falecida em 2000 por complicações na saúde, consequentes de perseguição religiosa. Implementar a data no calendário nacional foi o reconhecimento oficial da trajetória de luta da sacerdotisa e, notadamente, de diversas líderes religiosas, evidenciando o trabalho das mulheres negras pela superação do racismo, das desigualdades e da busca por justiça ao povo de candomblé. O caso de Mãe Gilda é um dos mais emblemáticos na luta contra o racismo e o ódio religioso no Brasil. Após ter sua imagem maculada e o terreiro (Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador) invadido e depredado por representantes de outra religião, a sacerdotisa teve agravamentos de problemas de saúde e morreu em 21 de janeiro de 2000. O caso repercutiu amplamente, resultando em projetos de lei na esfera municipal e, em seguida, sendo reconhecido na esfera federal pelo então presidente Lula que, em 2007, sancionou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, fazendo da data um marco nacional.[19]
Legislação contemporânea
Vários países ao redor do mundo incluíram cláusulas nas suas constituições proibindo expressamente a promoção ou prática de certos actos de intolerância religiosa ou de favorecimento religioso dentro das suas fronteiras. Exemplos incluem a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, o Artigo 4 da Lei Básica da Alemanha, o Artigo 44.2.1 da Constituição da República da Irlanda, o Artigo 40 da Constituição da Estônia[1], o Artigo 24 da Constituição da Turquia, o Artigo 19, Inciso I, da Constituição do Brasil e o Artigo 13, Inciso 2, da Constituição de Portugal. Muitos outros estados, embora não apresentem disposições constitucionais diretamente relacionadas à religião, contém não obstante, disposições proibindo a discriminação em bases religiosas (veja, por exemplo, o Artigo 1 da Constituição da França, o Artigo 15 da Carta de Direitos e Liberdades Canadense e o Artigo 40 da Constituição do Egito). Deve ser notado que estas disposições constitucionais não garantem necessariamente que todos os elementos do estado permaneçam livres de intolerância religiosa por todo o tempo, e a prática pode variar amplamente, de país para país.
Outros países permitem o favorecimento religioso por estabelecerem uma ou mais religiões estatais, condenando, ainda assim, a intolerância religiosa. A Finlândia, por exemplo, aprovou a Igreja Luterana Evangélica da Finlândia e a Igreja Ortodoxa Finlandesa como suas religiões oficiais estatais assegurando, no entanto, o direito da livre expressão religiosa no Artigo 11 da sua constituição.
Brasil
Na legislação brasileira, há vários dispositivos que condenam a discriminação religiosa.
"Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa."
Parágrafo único - "Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência."
↑Fantini, João Angelo, coordinator. Dunker, Christian Ingo Lenz, author. Raízes da intolerância. [S.l.: s.n.] OCLC910881164 !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
↑Carneiro, Henrique (8 de maio de 2007). «Por que somos ateus?». PSTU. Consultado em 19 de março de 2011. Arquivado do original em 26 de julho de 2011. Os sacerdotes foram os primeiros agentes do aparelho coercitivo do Estado. Duvidar dos deuses, portanto, sempre foi, na história das civilizações, um crime contra o Estado. Por isso, o ateísmo sempre foi uma doutrina clandestina, perseguida, denunciada, estigmatizada, e seus porta-vozes são, por milênios, praticamente inexistentes na história do pensamento. [...] lembremo-nos sempre que o debate do ateísmo sempre se fez de forma clandestina e, portanto, cifrada, sem uma exposição pública total de ideias cujo preço a se pagar por sustentá-las podia ser a morte ou até mesmo pior do que a morte, a tortura e a humilhação.
↑Ney de Souza; et al. (2011). «ASPECTOS DA INQUISIÇÃO MEDIEVAL». Portal de Revistas PUC-SP. Consultado em 18 de outubro de 2024 !CS1 manut: Uso explícito de et al. (link)