Ele havia sido uma figura proeminente dos movimentos pacifista, antibelicista, pelo reconhecimento de direitos e liberdades civis desde os anos 1960. Autoproclamado anarquista em diversas ocasiões, Zinn reconhecia seu pensamento e obra em profunda relação com esta filosofia política. Durante as últimas décadas, participou da dissidência política estadunidense, tecendo profundas críticas às instituições capitalistas e aos estados nacionais.[1]
Zinn faleceu em janeiro de 2010, aos 87 anos de idade, vítima de um ataque cardíaco, durante uma viagem à cidade de Santa Mônica, na Califórnia.[4]
Biografia
Infância
Zinn nasceu numa família de imigrantes judeus no Brooklyn. Era filho de Edward Zinn, que havia emigrado da Áustria-Hungria para os Estados Unidos com o irmão antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, e Jennie Rabinowitz Zinn, uma dona de casa originária da cidade de Irkutsk, na Sibéria oriental.
Os pais de Zinn possuíam educação formal limitada quando se casaram, e não havia livros ou revistas na série de apartamentos nos quais criaram os filhos. Eles apresentaram a literatura ao filho enviando 25 centavos de dólar mais um cupom ao New York Post para receberem cada um dos vinte volumes das obras de Charles Dickens.[5]
Ele frequentou o ensino médio no colégio público Thomas Jefferson, onde estudou escrita criativa num programa estabelecido pelo poeta Elias Lieberman. Zinn trabalhava no estaleiro da Marinha no Brooklyn quando conheceu a futura esposa Roslyn Shechter. "Ela trabalhava como secretária. Ambos trabalhávamos no mesmo bairro, mas não nos conhecíamos. Um amigo mútuo me pediu para entregar algo a ela. Ela abriu a porta, eu a vi, e foi isso", Zinn declarou ao jornal Boston Globe.[4]
Carreira militar
Zinn avidamente se alistou à Força Aérea durante a Segunda Guerra Mundial para combater o fascismo. Ele participou de bombardeios na Alemanha, na Checoslováquia e na Hungria. A participação de Zinn no movimento pacifista foi, em parte, influenciada por suas próprias experiências no Exército. Em abril de 1945, ele participou de um dos primeiros usos de napalm da história, que ocorreu contra o último enclave nazista na França, na cidade de Royan.
Em outubro de 1944, durante sua primeira licença do Exército, Zinn se casou com Roslyn, com quem namorava via correio. O casamento duraria até a morte dela, em 2008. Por seus esforços como artilheiro de bombardeiro na Segunda Guerra Mundial, Zinn receberia a Medalha do Ar, além de ascender para o posto de segundo sargento na hierarquia militar.[4]
Nove anos após os bombardeios de Royan, Zinn descobriu que as bombas visando os soldados alemães também atingiram alvos civis franceses. Ele chegou a esta conclusão após uma visita a Royan para examinar documentos oficiais e conversar com os residentes. Em seus livros The Politics of History e The Zinn Reader, Zinn descreve como os bombardeios foram ordenados no final da guerra por militares mais motivados pelo desejo de subir na hierarquia militar do que por objetivos militares legítimos.
Carreira acadêmica e ativismo
Após a Guerra, Zinn trabalhou numa série de trabalhos servis antes de entrar na Universidade de Nova Iorque através de um programa educacional do Exército aos 27 anos de idade.[4] Ele trabalhava à noite num armazém de caminhões de carga para sustentar seus estudos. Ele recebeu um bacharelato da universidade em 1951, seguido por um mestrado e doutorado em história pela Universidade Columbia.[4]
Zinn foi instrutor na Upsala College e professor convidado no Brooklyn College antes de ingressar no corpo docente da Spelman College, em Atlanta, em 1956. Ele atuou como presidente do departamento de história da instituição direcionada para mulheres negras. Dentre suas estudantes, estava a novelista Alice Walker, que o chamou de "melhor professor que eu já tive", e Marian Wright Edelman, futura chefe da Children's Defense Fund, organização de defesa dos direitos das crianças.[4]
Foi durante esta época que Zinn se envolveu no movimento pelos direitos civis. Ele atuou no comitê executivo do Student Nonviolent Coordinating Committee (em português: Comitê de Coordenação Não-Violenta dos Estudantes), a mais combativa organização da sociedade civil na época, e participou de inúmeras passeatas.[4] Em 1961, Zinn obteve pós-doutorado em estudos leste asiáticos pela Universidade de Harvard.
Em 1964, Zinn virou professor associado de ciência política da Universidade de Boston, sendo efetivado no cargo dois anos depois. Àquela altura, o foco de sua militância tornou-se a Guerra do Vietnã. Zinn participou de inúmeras palestras e comícios, e chamou a atenção da mídia nacional quando foi a Hanói em 1968 com o reverendo Daniel Berrigan, outro ativista contra a guerra, para acolher três prisioneiros de guerra libertados pelos norte-vietnamitas.[4]
Em 1980, publicou o livro A People's History of the United States que, através da inspiração na pedagogia crítica de Paulo Freire,[6] conta a história dos Estados Unidos através da perspectiva do povo estadunidense, e não das elites. Em 1988, Zinn decidiu aposentar-se prematuramente para se concentar exclusivamente a suas palestras e livros. Além disso, escreveu as peças de teatro Emma, sobre a líder anarquista Emma Goldman, e Daughter of Venus.[4]
Morte
Howard Zinn morreu em 27 de janeiro de 2010, aos 87 anos de idade, durante uma viagem à cidade de Santa Mônica, na Califórnia. De acordo com sua filha, Myla Kabat-Zinn, Zinn faleceu devido a um ataque cardíaco. Ele também deixou para trás um filho, Jeff, além de três netas e dois netos.[4]
Companheiro de Zinn no ativismo político de esquerda, o professor do Instituto de Tecnologia de MassachusettsNoam Chomsky declarou que "ele deixou uma contribuição incrível para a cultura intelectual e moral americana". "Ele mudou a consciência da América de uma forma muito construtiva. Eu realmente não consigo pensar em ninguém a quem eu posso comparar a ele nesse quesito", acrescentou.[4]
O ator Ben Affleck, amigo da família Zinn durante a infância, lançou uma declaração dizendo que "Howard tinha uma grande mente e foi uma das grandes vozes na vida política americana". "Ele me ensinou o quão valiosa, o quão necessária, a dissidência foi para a democracia e para os próprios Estados Unidos. Ele ensinava que a história foi feita pelo homem comum, e não pelas elites. Tive a sorte de conhecê-lo pessoalmente e vou carregar comigo aquilo que aprendi com ele, e tentar transmitir aos meus próprios filhos", acrescentou.[4]
Referências na cultura popular
Em 1997, A People's History of the United States recebeu destaque na cultura popular ao ser citado no filme Good Will Hunting. O personagem principal do filme, interpretado por Matt Damon, enaltece o livro, persuadindo o personagem de Robin Williams a lê-lo. Damon, que co-escreveu o roteiro do filme com Ben Affleck, foi vizinho da família Zinn na infância.[4] Mais tarde, Damon narrou Howard Zinn: You Can't Be Neutral on a Moving Train, um documentário de 2004 sobre Zinn, e produziu uma versão televisiva do livro, intitulada The People Speak e apresentada no History Channel em 2009.[4]
A canção "Down", do álbum Lost Dogs, do Pearl Jam é baseado na amizade dos membros da banda com Zinn. Anteriormente, A People's History of the United States havia servido de inspiração para Nebraska, álbum lançado em 1982 pelo cantor e compositorBruce Springsteen.[7]
Bibliografia
1959: LaGuardia in Congress
1962: The Southern Mystique
1964: SNCC: The New Abolitionists
1965: New Deal Thought (editor)
1967: Vietnam: The Logic of Withdrawal
1968: Disobedience and Democracy: Nine Fallacies on Law and Order
1970: The Politics of History
1972: The Pentagon Papers (editor com Noam Chomsky)
1973: Postwar America: 1945 – 1971
1974: Justice in Everyday Life: The Way It Really Works (editor)
1977: Justice? Eyewitness Accounts
1980: A People's History of the United States: 1492 – Present
1986: Playbook (com Maxine Klein e Lydia Sargent)
1991: Declarations of Independence: Cross-Examining American Ideology
1993: Failure to Quit: Reflections of an Optimistic Historian
1994: You Can't Be Neutral on a Moving Train: A Personal History of Our Times
1995: Hiroshima: Breaking the Silence
1997: The Cold War & the University: Toward an Intellectual History of the Postwar Years (com Ira Katznelson, R. C. Lewontin, David Montgomery, Laura Nader, Richard Ohmann, Ray Siever e Immanuel Wallerstein; organizado por Noam Chomsky)
1999: The Future of History: Interviews With David Barsamian
1999: Marx in Soho: A Play on History
2000: Howard Zinn on History
2000: Howard Zinn on War
2002: Emma: A Play in Two Acts About Emma Goldman, American Anarchist
2002: The Power of Nonviolence: Writings by Advocates of Peace (editor)
2002: Three Strikes: Miners, Musicians, Salesgirls, and the Fighting Spirit of Labor's Last Century (com Dana Frank e Robin Kelley)
2002: Terrorism and War
2003: Artists in Times of War
2003: Passionate Declarations: Essays on War and Justice
2003: The Twentieth Century: A People's History
2004: Howard Zinn On Democratic Education
2004: The People Speak: American Voices, Some Famous, Some Little Known
2005: A People's History of the Civil War: Struggles for the Meaning of Freedom (com David Williams)
2006: Original Zinn: Conversations on History and Politics (com David Barsamian)
2006: A Power Governments Cannot Suppress
2008: A People's History of American Empire (com Mike Konopacki e Paul Buhle)
Obras em português
2005: Você não pode ser neutro num trem em movimento: uma história pessoal dos nossos tempos. Curitiba: L-Dopä. ISBN 85-99441-01-9 (brochura)