Os romanos haviam acabado de derrotar os selêucidas na Guerra romano-selêucida, forçando uma rendição formalizada no Tratado de Apameia. Depois desta vitória, Cneu Mânlio Vulsão, o cônsul romano, justificou uma invasão ao território dos gálatas, que haviam emigrado para a região quase 100 anos antes, como sendo uma expedição punitiva em retaliação às tropas fornecidas pelos gálatas aos selêucidas durante a guerra, mesmo não tendo permissão do Senado Romano para tanto. Com a ajuda de Pérgamo, os romanos derrotaram os gálatas numa batalha perto do Monte Olimpo (moderno Uludağ) e, novamente, perto de Ancira (moderna Ancara).
Estas derrotas forçaram os gálatas a pedirem a paz, o que fez com que os romanos se retirassem para o litoral. Porém, já durante a marcha de volta para Roma, Mânlio Vulsão foi acusado de ameaçar a paz entre selêucidas e romanos pelos tribunos da plebe, mas foi inocentado e pôde celebrar um triunfo em Roma.
Contexto
Em 191 a.C., Antíoco, o Grande, o imperador do Império Selêucida da Ásia invadiu a Grécia.[1] Os romanos decidiram intervir e derrotaram os selêucidas na Batalha de Termópilas.[2] A derrota forçou Antíoco a recuar de volta para Ásia Menor,[3] para onde os romanos o seguiram, cruzando o mar Egeu para se juntarem às tropas do Reino de Pérgamo, seus aliados. Finalmente, as forças conjuntas romano-pergamenses derrotaram definitivamente os selêucidas na Batalha de Magnésia.[4]
Os selêucidas pediram a paz e a começaram as tratativas com Cipião Asiático.[5] Na primavera, o novo cônsul, Cneu Mânlio Vulsão, chegou para assumir o controle do exército e concluir as negociações.[6][7] Porém, Vulsão estava claramente descontente com a missão que lhe foi dada, que não lhe traria glória e nem riquezas, e começou a planejar uma nova guerra. Ele discursou para os soldados, parabenizando-os pela grande vitória e propôs a eles uma nova guerra, desta vez contra os gálatas da Ásia Menor,[7] acusados de ajudarem Antíoco antes da Batalha de Magnésia.[6][7][8] Mas o real motivo era o desejo de fama e riquezas de Vulsão.[8]
Esta foi a primeira vez que um general romano começou uma guerra sem obter antes a permissão do povo ou do Senado Romano,[6] um precedente perigoso que tornou-se um exemplo para os futuros cônsules.[6] Vulsão deu início aos preparativos para sua guerra convocando a ajuda dos pergamenses.[7] Porém, o rei Eumenes II estava em Roma e, por isso, o controle do exército foi assumido pelo seu irmão, Átalo,[7] que se juntou a Vulsão alguns dias depois com 1 000 soldados e 500 cavaleiros.[7]
Marcha para o interior
O exército romano-pergamense partiu de Éfeso[9] e seguiu para o interior passando por Magnésia no Meandro até o território de Alabanda, onde mais 1 000 soldados e 300 cavaleiros enviados pelo irmão de Átalo se juntaram a eles.[10] O expercito seguiu para Antioquia, onde encontraram o filho de Antíoco, Seleuco, que ofereceu-lhes milho como parte do tratado que estava sendo firmado.[10]
Conforme marchavam para o interior seguindo o curso do alto Meandro e pela Panfília, o exército ia juntando soldados oferecidos por tiranos e príncipes locais sem encontrar muita oposição[9] até chegaram ao território de Cíbria, governada por um tirano chamado Moagetes, conhecido por sua crueldade.[11] Quando os enviados romanos chegaram à cidade, ele implorou para que os romanos não devastassem o território afirmando que era um aliado e prometeu dar-lhes quinze talentos de prata.[11] Enviados de Moagetes foram enviados ao acampamento de Vulsão, que os recebeu, segundo o relato de Políbio, da seguinte forma:
“
Não apenas Moagetes se revelou como um dos mais determinados inimigos de Roma dentre os príncipes da Ásia, como também fez o que pôde para derrubar seu império e merece punição ao invés de amizade.
Os emissários ficaram atemorizados com a resposta furiosa de Vulsão e pediram que o cônsul se encontrasse com seu mestre.[11] No dia seguinte, Moagetes saiu da cidade e implorou para que Vulsão aceitasse o quinze talentos, mas a resposta do cônsul foi violenta: Moagetes deveria pagar 500 talentos e agradecer pelo fato de ter essa possibilidade; se não o fizesse, Vulsão não apenas saquearia o território de Moagetes, mas invadiria a cidade e a saquearia.[11]
Contudo, Moagetes conseguiu convencer Vulsão a reduzir o preço para 100 talentos e prometeu enviar-lhe ainda mais 1 000 medimni de trigo, salvando assim sua cidade.[11] Quando o cônsul cruzou o rio Colobato, vieram ao seu encontro embaixadores das cidades de Sinda, na Pisídia,[12] que lhe pediram ajuda contra a cidade de Termesso, que havia tomado todo o seu território com exceção da capital.[12] Vulsão aceitou com satisfação o pedido e invadiu o território de Termesso, que se rendeu imediatamente e ofereceu mais 50 talentos de prata e soldados para a aliança de Vulsão.[12] Os próximos alvos foram as cidades de Cirmasa e Lysinoe, na Pisídia, que lhe rendeu um grande saque.[13] A cidade de Sagalasso lhe ofereceu mais 50 talentos e 20 000 medimni de cevada para não ser saqueada.[13]
Depois disto, Vulsão se encontrou novamente com Seleuco, que levou consigo os romanos feridos e doentes até Apameia e ofereceu-lhes a ajuda de alguns guias.[14] Depois de mais três dias de marcha, os romanos chegaram ao território dos tolistóbogos, uma das três tribos gálatas.[15] Vulsão convocou uma assembleia e discursou mais uma vez para suas tropas sobre a iminente guerra. Logo em seguida, enviou emissários a Eposognato, o chefe tribal dos tectósages, a única tribo que mantinha relações amigáveis com Pérgamo.[15] Os emissários retornaram afirmando que ele havia implorado para que os romanos não invadissem seu território e que ele tentaria forçar a rendição dos demais chefes tribais.[15]
Porém, o exército continuou sua marcha para o interior e acampou perto de uma fortaleza gálata conhecida como Cubalo (em latim: Cuballum).[15] Enquanto estavam lá, a cavalaria gálata atacou a vanguarda do exército romano e conseguiu provocar importantes baixas antes que um contra-ataque da cavalaria romana os repelisse com pesadas perdas.[15] Ciente de que marchava em território hostil, Vulsão continuou seu avanço cautelosamente.[15]
Romanos e pergamenses chegaram até a cidade de Górdio e a encontraram deserta.[15] Um enviado de Eposognato os encontrou ali e relatou que Eposognato havia falhado em sua tentativa de evitar uma guerra e que os gálatas estavam reunindo um grande exército nas montanhas.[15]
Os tolistóbogos ocuparam o Monte Olimpo (moderno Uludağ), construindo um fosso e paliçadas defensivas, enquanto que os tectósages e trocmos foram para outra montanha.[16][17] Nos dois primeiros dias, os romanos enviaram batedores para reconhecer o terreno das montanhas e, no terceiro, atacaram a posição gálata com escaramuçadores.[18] A princípio. a batalha se desenrolou de forma parelha, mas, quando a luta se adensou num intenso combate corpo-a-corpo, a superioridade de armaduras e armamentos romanos se mostrou decisiva.[18] A batalha rapidamente se transformou num massacre para os gálatas quando os romanos tomaram de assalto seu acampamento,[19] resultando em mais de 10 000 mortos e cerca de 40 000 capturados.[20]
Batalha de Ancira
Depois da decisiva vitória romana no Monte Olimpo, os tectósages imploraram por misericórdia e pediram uma conferência com Vulsão a meio caminho entre seu acampamento e cidade de Ancira.[21] O plano principal dos gauleses era adiar o ataque romano para que eles pudessem enviar mulheres e crianças para o outro lado do rio Hális e, se fosse possível, para que pudessem assassinar Vulsão.[21] A caminho da conferência, os romanos perceberam uma carga da cavalaria gálata avançando contra eles[21] e, na confusão que se seguiu, os gálatas conseguiram vencer a guarda pessoal de Vulsão, mas acabaram repelidos quando uma escolta que vinha seguindo-os mais atrás chegou e se juntou ao combate.[21]
Os romanos passaram os dois dias seguintes procurando pelas redondezas e, no terceiro, encontraram o exército gálata, que contava com cerca de 50 000 homens.[22] A batalha começou com uma primeira carga dos escaramuçadores, que conseguiram romper o centro da linha gálata, que fugiu em desordem para seu acampamento.[22] Os flancos contiveram o ataque por mais tempo, mas também acabaram forçados a recuar.[22] Os romanos perseguiram e saquearam o acampamento gálata enquanto os poucos sobreviventes se lançaram através do rio para se juntarem às mulheres, crianças e aos trocmos.[9][23]
Eventos posteriores
Estas devastadores derrotas militares forçaram os gálatas a buscarem a paz.[6][23] Eles enviaram emissários até Vulsão, mas ele já estava seguindo de volta para Éfeso por causa do inverno que se aproximava.[23]
Vulsão permaneceu na Ásia por mais um ano,[6] durante o qual terminou as tratativas para o Tratado de Apameia com Antíoco,[24] que dividiu as terras da costa Ásia Menor entre o Reino de Pérgamo e a Peraia Rodense.[6][25] Quando os enviados gálatas chegara à sua corte, Vulsão determinou que o rei Eumenes II de Pérgamo lhes daria as condições de paz quando chegasse de volta de Roma.[26]
O próprio Vulsão começou sua viagem de volta para Roma em 188 a.C. e chegou no ano seguinte.[6] Ele foi muito criticado por ter iniciado sua guerra sem autorização do povo e do Senado,[27] mas conseguiu convencer seus críticos de seu sucesso e foi autorizado a realizar seu triunfo.[28] O fato é que Vulsão e e seus legionários enriqueceram muito por causa desta campanha, pois tomaram dos gálatas a maior parte das riquezas que eles próprios haviam juntado em seus saques durante sua migração até a Ásia Menor.[6][23]
Lenda de Quiomara
Em seu "Nove Livros de Feitos e Dizeres Memoráveis", Valério Máximo contou a história de Quiomara, a esposa de Ortíago de Galácia. Durante a Guerra Gálata, um dos centuriões de Vulsão foi encarregado de um grupo de cativos incluindo Quiomara e lhe fez avanços sexuais, mas ela rejeitou-o. Indignado, ele violentou-a. Envergonhado, o centurião então ofereceu um resgate por ela a seus pais. Depois de receber o resgate, enquanto contava as moedas de ouro, Quiomara secretamente sinalizou para seus pais, que o mataram e cortaram a sua cabeça. Ela depois presenteou seu marido com a cabeça do centurião.[29][30]
Walker, Henry John (2004). English translation of Valerius Maximus' Memorable Deeds and Sayings: One Thousand Tales from Ancient Rome (em inglês). [S.l.]: Hackett Publishing. ISBN0-87220-674-2