Surgiu da devoção secular dos naturais a Nossa Senhora dos Anjos, motivada pelas frequentes incursões de piratas, que raptavam habitantes da ilha com o fim de obterem resgate ou os venderem como escravos no Norte de África.
História
Desde os fins do século XVI registaram-se ataques de corsários e piratas à ilha, entre os quais destacaram-se os muçulmanos oriundos do Norte de África, os chamados Piratas Mouros. Para promover o resgate dos cativos, ao final do século XVII os habitantes da ilha formaram uma associação, a Irmandade de Nossa Senhora dos Anjos e Escravos da Cadeinha:
"A Irmandade Escravos da Cadeinha surge da devoção a Nossa Senhora dos Anjos pelos naturais da ilha. No séc. XVI era frequente a ilha ser atacada por piratas que saqueavam e capturavam os locais (normalmente pessoas de famílias abastadas) que eram feitos escravos até ser pago o seu resgate. Estes, quando fugidos ou libertos, regressavam à ilha e como forma de agradecimento, criaram a Irmandade Escravos da Cadeinha. Esta Irmandade tinha a seu cargo zelar pelo espólio da igreja e realizar anualmente uma procissão em que os irmãos entoavam cânticos e levavam ao peito dois elos de corrente que simbolizavam o cativeiro."[1]
O assalto directamente ligado ao lugar dos Anjos registou-se em 1675, afirma-se que por descuido dos sentinelas. Os mouros desembarcaram a coberto da noite, tendo saqueado a Ermida, violado mulheres e feito onze (?) cativos, entre mulheres e crianças. Como recordação do ataque ficou um chicote na ermida, onde se conserva até aos nossos dias.
Embora haja referências a uma irmandade ou confraria por volta de 1620 - posterior portanto ao assalto de 1616 - a iniciativa da constituição da Irmandade da Cadeínha deve-se a Frei Gonçalo de São José, que veio para o Convento de Nossa Senhora da Vitória em 1668-1669, que foi o seu principal obreiro. A constituição da Irmandade foi confirmada em 1675 pelo Bispo de Angra, D. Frei Lourenço de Castro.[2]
Os "irmãos" eram cidadãos livres, de ambos os sexos, de qualquer estatuto social, excepto aqueles cuja vida fosse notóriamente escandalosa e os incorrigíveis. Usavam por distintivo uma cadeiazinha de ferro ou arame.[3] Tal insígnia só podia ser recebida na Ermida dos Anjos, depois dos irmãos se confessarem e comungarem, aquando de uma das festas de Nossa Senhora.[4]
A admissão dos irmãos ficava sob o controlo do vigário da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção de Vila do Porto e do Ouvidor Eclesiástico, com funções distintas. A solenização da festa, originalmente em 15 de Agosto, foi transferida pelo Vigário e pelo Ouvidor para o 2º domingo de Outubro, "por ser dia mais conveniente e desimpedido de eiras e vindimas, para que todos os devotos pudessem concorrer à dita festa (...)", sendo nesse Domingo, antes da missa, que se procedia à eleição anual da mesa.[5]
A confraria tinha encargos na celebração de missas e até de um noturno, com missa cantada, sufragando as almas dos irmãos defuntos.
Em nossos dias, constituiu-se como associação de direito privado desde 23 de Dezembro de 2001,[6] tendo como objetivos estatutários a proteção, promoção e divulgação do lugar dos Anjos, quer na vertente histórica, quer na vertente lúdica, mantendo viva a memória dos tempos da pirataria, e assumindo um papel dinamizador na área social e cultural.
Desde 2004 é a responsável pela organização anual do "Santa Maria Blues", evento musical de caráter internacional.
A partir de 2007 tem realizado anualmente o "Festival dos Escravos da Cadeínha", evento que apresenta uma reconstituição histórica teatral, encenada pela comunidade e aberta ao público em geral.
Em 2011 o espaço do "Centro Cultural Cristóvão Colombo", inaugurado em Setembro de 1993, foi cedido à Associação Escravos da Cadeínha pela Câmara Municipal de Vila do Porto através de um Contrato de Comodato, a título gratuito, pelo prazo de 10 anos.[7]
↑Moreira refere a data como Janeiro de 2001 (MOREIRA, 2007:3)
↑"Edifício da antiga Biblioteca Municipal é a nova sede da AJISM". O Baluarte de Santa Maria, ano XXXVIII, 2ª série, nº 407, 19 mai 2011. p. 12.
Bibliografia
CORTE-REAL, Miguel de Figueiredo. Livro da Irmandade de Nossa Senhora dos Anjos dos Escravos da Cadeínha. s.l.: s.e., s.d.. 78p il., fotos.
FIGUEIREDO, Jaime de. Ilha de Gonçalo Velho: da descoberta até ao Aeroporto. Vila do Porto (Açores): Câmara Municipal de Vila do Porto, 1990 (2ª ed.). 160 pp. mapas, fotos, estatísticas.
MOREIRA, Armando. Correntes de Encanto: Escravos da Cadeínha. Ponta Delgada (Açores): Sempretur-lda, 2007. 56pp fotos.
NORONHA, Luísa. A Ermida de Nossa Senhora dos Anjos da Ilha de Santa Maria: contributo para a sua História. Vila do Porto (Açores): Câmara Municipal de Vila do Porto, 1992. 96p. fotos.
VERÍSSIMO, Nelson. "A Redenção dos Cativos: algumas questões a propósito do saque à ilha de Santa Maria, em junho de 1616". Separata do Colóquio O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XIX. Horta (Açores): Núcleo Cultural da Horta, 1995. p. 209-224.
"Nossa Senhora dos Anjos (a primeira que chegou aos Açores). Livro da Irmandade de Nossa Senhora dos Anjos dos Escravos da Cadeinha" in: Separata da Estrela da Manhã, ano I, n.º 1, Boletim da Academia Mariana dos Açores, Horta, 1992.