Arrabi-mor
Arrabi-mor, também denominado arrabiado-mor (arabiado-mor), rabino-mor ou simplesmente rabi-mor (chefe máximo dos judeus[1]), era o representante máximo da sociedade judaica,[2] na época medieval,[3] e era de nomeação régia.[4]
Exercia assim influência junto ao rei e com isso conseguia proteção, favores e privilégios ao seu povo.[5][6]
Este funcionário superior era um cortesão da estrita confiança dos monarcas, geralmente seu físico, rendeiro ou gestor das finanças do reino, quer nas funções de almoxarife mor do reino ou de tesoureiro mor do reino,[7] com uma ampla gama de atribuições.[8]
Cabia a ele julgar as causas que envolviam os judeus, após os processos terem sido avaliados pelos rabis comunais. Ele era responsável pelo parecer final dos processos.[5]
Em documentos de 1382, D. Fernando I de Portugal equipara o cargo de rabi mor ao de corregedor na corte e meirinho, permitindo-lhe que trouxesse cadeia e selo.[9]
Possuía a sua própria chancelaria,[10] ouvidores, tabeliães gerais, tabeliães e escrivães que o acompanhavam, sempre que se deslocasse com a corte ou só. Assim como, cadeia própria que o acompanhava, com o respectivo carcereiro, quando das suas deslocações pelo reino.[11] Acompanha-o, ainda, um outro ouvidor, um letrado, especialista no Talmude.[12]
Cabia-lhe também convocar as assembleias gerais ou assembleias plenas (cortes) dos súbditos judeus do rei de Portugal, a pedido deste e sempre que este desejasse ouvir as comunas, pela voz dos seus procuradores, sobre assuntos diversos, geralmente de natureza económica e fiscal.[11][13]
Eram seus representantes, e por ele nomeados, os ouvidores das comarcas, cujo número é fixado, por D. João I, em sete, atuando, respetivamente, no Porto, Torre de Moncorvo, Viseu, Covilhã, Santarém, Évora e Faro.[12][14]
A frente das comunas, encontravam-se os rabis menores[15] que também eram juizes das causas cíveis e criminais que envolviam esse grupo. Os julgamentos eram realizados, segundo a lei mosaica, prescrita nas palavras sagradas do Pentateuco, nos estudos rabínicos e mediante o juramento dos judeus na sinagoga sobre a Torá, na presença da autoridade civil de ambas as partes e junto a um representante da Coroa. As partes podiam apelar para o Arrabi-mor, ou para o ouvidor da comarca. E nos casos em que as partes não quisessem apelar ao Arrabimor, podiam recorrer à suprema instância, para que fosse feita a justiça do reino.[2]
O arrabi-mor usava essa fórmula: N. N. Arrabi-moor por meu Senhor El Rei das Comunas dos Judeus de Portugal e do Algarve a quantos esta Carta virem ou ouvirem.[16]
Em carta emitida a 23 de julho de 1468, o rei D. Afonso V de Portugal, a pedido de seu sobrinho, D. Fernando, conde de Guimarães, e invocando dissensões internas, extingue esse mesmo arrabiado-mor, fragmentando algumas das suas competências noutros cargos então criados.[8]
Arrabis-mores em Portugal
Alguns judeus tiveram destaque econômico e acabaram se tornando arrabi-mor do reino português, pois além de receberem proteção régia, ainda participavam do Concelho e representavam seus companheiros de fé junto ao rei.[17]
Remonta a D. Afonso Henriques a existência de um rabi mor dos judeus portugueses. Os primeiros detentores do cargo foram os Ibn Yahia ou Negro. Muito provavelmente constituíram o que poderíamos designar uma dinastia de rabis mores vitalícios, até à morte de Guedelha, na segunda metade do século XIV, altura em que os Negro seriam substituídos por dois imigrantes: Moisés Navarro, cuja família veio para Portugal no reinado de D. Dinis, e Juda Aben Menir, também natural de Navarra. Negro seriam, de novo, os dois últimos rabis mores vitalícios de Portugal, Guedelha e seu filho, Abraão, que ocupou o arrabiado mor até à sua extinção e desagregação noutros cargos.[7]
Então foram estes alguns dos arrabis-mor de maior destaque no Reino de Portugal:[17]
- Judah Ben Yahia, Guadelha ibn Judá, Mestre Guadelha ou simplesmente Guedelha, de natura de Torres Vedras,[18] que atuou no tempo de D. Dinis I,
- Mestre Moisés, físico de D. João I e representante dos judeus junto às Cortes,
- D. Judá Cohen, que foi sucessor de Mestre Moisés
- D. Judá Negro, jurista, astrólogo e trovador da corte da rainha D. Filipa de Lancastre, esposa de D. João I.
- Abraam Guedelha, também conhecido pelo homônimo Guedelha Palaçano, foi Arrabi-mor de D. Afonso V, proprietário de muitas terras em Lisboa, atuou como físico e astrólogo. Escreveu um tratado de Astrologia em que explicava a previsão de futuro realizada através da leitura dos astros. Foi expulso de Portugal em 1483, acusado de conspirar contra D. João II.[19]
O historiador e investigador D. António Caetano de Sousa refere que Fernando de Almada, 2.º conde de Avranches, terá sido nomeado para este cargo ̟por D. Afonso V,[20] mas na verdade este terá sido extinto como é referido acima. No entanto, este terá usufruído das rendas das comunidades judaicas e provavelmente recebido parte das suas funções, conforme se sabe através da mesma informação, porque este encargo de rabi-mor foi distribuído por diferentes departamentos do governo.
Ver também
Referências
- ↑ Questão Judaica em Portugal na Infopédia (em linha). Porto: Porto Editora. (consult. 2022-03-03 19:16:02)
- ↑ a b Entre o desterro dos judeus e o fechamento dos portos portugueses no reinado de D. Manuel I (1495 - 1521): Os caminhos trilhados pelos cristãos-novos após o édito., por Cleusa Teixeira de Sousa, Faculdade de História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018., pág. 85
- ↑ Arrabiado-mor, Dicionário infopédia da Língua Portuguesa (em linha), Porto Editora. (consult. 2022-02-27 22:23:12)
- ↑ ̟Corte Enpereal, por Maria Celeste Sousa da Silva, Dissertação de Mestrado de Filosofia Medieval, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005, pág. 25
- ↑ a b Entre o desterro dos judeus e o fechamento dos portos portugueses no reinado de D. Manuel I (1495 - 1521): Os caminhos trilhados pelos cristãos-novos após o édito., por Cleusa Teixeira de Sousa, Faculdade de História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018.
- ↑ É sabido como alguns rabis-mores foram próximos e beneficiados por alguns monarcas, como alguns judeus foram apreciados pelo seu desempenho laboral pelos vários elementos da família real, e como a figura do rei tinha grande importância na protecção ou na imposição de regras às comunas do seu território. - Nas chancelarias régia e da comuna. Os latifúndios dos ricos judeus cortesãos a sul do Tejo, por Maria José Pimenta Ferro Tavares, Colóquio Manuscritos Judaicos Medievais na Peninsula Ibérica, Centro de História da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 12 e 13 de Setembro de 2017
- ↑ a b Linhas de Força da História dos judeus em Portugal das origens a actualidade, por María José Ferro Tavares, Espado, Tiempo y Forma, Serie III, H." Medieval, t. 6, 1993, pág. 449
- ↑ a b Judeus e muçulmanos no espaço urbano: inclusões, exclusões e interações, por Maria Filomena Lopes de Barros, Inclusão e exclusão na europa urbana medieval, IEM – Instituto de Estudos Medievais, Lisboa, 2019, pág. 94
- ↑ Judeus de Castela em Portugal no final da Idade Media: onomástica familiar e mobilidade, por María José Ferro Tavares, Sefarad, vol. 74:1, janeiro-junho 2014, issn: 0037-0894, doi: 10.3989/sefarad.014.004, pág. 104
- ↑ A chancelaria do arrabiado-mor e a das comunas era composta por manuscritos redigidos em hebraico, antes de o ser por imposição de D. João I, escrita em língua portuguesa e em alfabeto gótico. - Nas chancelarias régia e da comuna. Os latifúndios dos ricos judeus cortesãos a sul do Tejo, por Maria José Pimenta Ferro Tavares, Colóquio Manuscritos Judaicos Medievais na Peninsula Ibérica, Centro de História da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 12 e 13 de Setembro de 2017
- ↑ a b Linhas de Força da História dos judeus em Portugal das origens a actualidade, por María José Ferro Tavares, Espado, Tiempo y Forma, Serie III, H." Medieval, t. 6, 1993, pág. 450
- ↑ a b Muçulmanos e judeus: as comunas no Sul de Portugal, por Maria Filomena Lopes de Barros, Humanista/Conversos, 2020, pág. 8 ISSN 1540-5877
- ↑ Com D. Afonso IV temos referência às assembleias gerais onde os representantes das comunidades acordavam com o monarca os pagamentos de impostos, fossem eles ordinários ou extraordinários. - O registo do património judaico - Nas chancelarias régia e da comuna. Os latifúndios dos ricos judeus cortesãos a sul do Tejo, por Maria José Pimenta Ferro Tavares, Colóquio Manuscritos Judaicos Medievais na Peninsula Ibérica, Centro de História da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 12 e 13 de Setembro de 2017
- ↑ O arabiado-mor dividia-se em sete comarcas -que tantas eram as do reino- governadas cada uma por seu Ouvidor eleito pelo Rabi-mor. As comarcas dividiam-se em comunas que a semelhança dos concelhos, elegiam um senado ou câmara, e de entre os membros desta um rabi da comuna que presidia a governação comunal e sentenciava todas as questões cíveis e criminais dos judeus do seu lugar. Estes rabis julgavam em primeira estancia os feitos cíveis e criminais, havendo recurso da sua decisão para o Rabi-mor e seu Ouvidor e destes, em certos casos, para o Rei. - Os tributos das comunas judaicas medievais portuguesas. Importante fonte do recurso do erário régio, Amílcar Paulo, Porto, Agosto de I968, pág. 109
- ↑ A frente das comunas, encontravam-se os rabis menores, eleitos por sufrágio dos seus correligionários ou nomeados pelo soberano, por anos ou vitaliciamente. Em número de dois, tinham a coadjuvá-los o corpo de vereação da câmara, composto pelos homens bons da comuna eleitos, pelo tesoureiro e outros oficiais - Linhas de Força da História dos judeus em Portugal das origens a actualidade, por María José Ferro Tavares, Espado, Tiempo y Forma, Serie III, H." Medieval, t. 6, 1993, pág. 450
- ↑ Entre o desterro dos judeus e o fechamento dos portos portugueses no reinado de D. Manuel I (1495 - 1521): Os caminhos trilhados pelos cristãos-novos após o édito., por Cleusa Teixeira de Sousa, Faculdade de História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018., pág. 87
- ↑ a b Entre o desterro dos judeus e o fechamento dos portos portugueses no reinado de D. Manuel I (1495 - 1521): Os caminhos trilhados pelos cristãos-novos após o édito., por Cleusa Teixeira de Sousa, Faculdade de História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018., pág. 86
- ↑ A segregação espacial de uma minoria na Lisboa Medieval: As judiarias (séc. XII a 1383), por Carlos Guardado da Silva, pág. 9, nota 59
- ↑ Entre o desterro dos judeus e o fechamento dos portos portugueses no reinado de D. Manuel I (1495 - 1521): Os caminhos trilhados pelos cristãos-novos após o édito., por Cleusa Teixeira de Sousa, Faculdade de História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018., pág. 93
- ↑ "Deu ao Conde dabranches o oficio de Capitam e arrabiado moor". - «Estas saõ as cousas que ElRei D. Affonso o V deu em sua vida. As quais cousas o Prior D. Vasco dataide Prior do Crato tinha em seu livro asentadas», Provas da historia genealogica da casa real portugueza, tiradas dos instrumentos dos archivos da torre do Tombo ... por D. Antonio Caetano de Sousa ... Tomo 1. -6.!, Volume 2, 1742, pág. 21
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