Os temas centrais da obra, como dominação feminina e sadomasoquismo, foram fortemente inspirados na própria vida do autor. Wanda von Dunajew, a personagem feminina central, foi inspirada em Fanny Pistor, uma escritora literária emergente. Os dois se conheceram quando Pistor contatou Sacher-Masoch, sob o nome falso e título fictício de Baronesa Bogdanoff, para sugestões sobre como melhorar sua escrita para torná-la adequada para publicação.[1]
Durante seis meses, os dois acabaram se envolvendo num relacionamento de dominação e submissão e estabeleceram um contrato que dizia que Sacher-Masoch seria o servo de Pistor e que ela poderia puní-lo da maneira que achasse mais adequada, mas que usaria roupas de pele animal enquanto o dominava. O contrato, datado de 8 de dezembro de 1869, também previa que Sacher-Masoch pudesse separar uma pequena parte de seu dia para se dedicar à um trabalho que ele viria a escrever. Esse trabalho que ele escreveu durante os seis meses de relacionamento foi lançado em 1870 com o nome de Venus im Pelz.[2]
Apesar do relacionamento de Pistor e Sacher-Masoch ter servido de inspiração para o livro, há diferenças significativas entre o contrato que foi assinado na vida real e o contrato fictício dos personagens Severin e Wanda von Dunajew. A primeira diferença é a condição que diz que “Sra. Pistor não pode exigir nada que seja desonroso a ele”, sendo que na obra não existe nenhuma condição que impeça isso. A segunda diferença é que “ela deve deixá-lo durante seis horas diárias para que ele realize seu trabalho e ela nunca olhará suas cartas ou escritas”. Por fim, o contrato com Pistor indica uma duração de seis meses enquanto o contrato da obra fica sob decisão da dominadora quando deve acabar.[2]
Sinopse
A história central da novela é introduzida através de uma narrativa moldura. Tudo começa com um sonho de um narrador sem nome, onde ele tem um dialógo com Vênus, a deusa romana do amor. Eles discutem como a natureza cruel das mulheres afeta o desejo dos homens. O narrador desperta de seu sonho e vai a um encontro marcado com seu amigo Severin von Kusiemski.
Na casa de Severin, o narrador se depara com uma pintura à óleo de Vênus que o faz lembrar de seu sonho. Após ouvir o narrador contar sobre seu sonho, Severin diz que se uma mulher não é subserviente a um homem, ele deve ser subserviente a ela, e mostra ao narrador um manuscrito escrito por ele chamado "Confissões de um homem suprassensual".
No manuscrito, vemos que o personagem central, também chamado Severin, apaixona-se por Wanda von Dunajew num resort nos Cárpatos. Ela o ama também, mas o avisa que se cansará dele e ficará despótica. Ele abraça essa ideia e propõe que ele seja seu escravo. Após muita insistência de Severin, Wanda concorda, redigindo um contrato dando a ela controle absoluto sobre ele. A única condição de Severin é que ela às vezes vista roupas de pele animal e finja ser a deusa do amor.
No início, Wanda exerce seu poder com hesitação, mas aos poucos ela começa a gostar da posição dominante e se torna cada vez mais sádica. Ela dá a ele um novo nome, Gregor, e os dois partem de trem para a cidade de Florença, na Itália.
Em Florença, Wanda se apaixona por outro homem. Ela expressa suas intenções de que Severin também torne-se escravo de seu amante, mas ele recusa. Após isso, o relacionamento de Wanda e Severin encerra-se e ela o liberta de seu contrato.
A história é trazida de volta para o mundo real, onde Severin e o narrador sem nome conversam sobre o manuscrito. A moral da história, de acordo com Severin, é que no estado atual, a mulher só pode ser escrava ou déspota do homem, nunca sua companheira. Isso pode mudar apenas quando a mulher tem os mesmos direitos que o homem e é igual a ele na educação e no trabalho.
Impacto cultural
Em 1886, o psiquiatraalemãoRichard von Krafft-Ebing publicou o estudo forense Psychopathia Sexualis. Neste estudo, os prazeres em sentir dor e humilhação relatados por Sacher-Masoch em A Vênus das Peles fizeram com que Krafft-Ebing criasse a palavra "masoquismo" para descrever tais desejos.[3] Porém, o escritor não gostou de ver seu nome sendo utilizado para criar esse termo.[4]
A influência de A Vênus das Peles no mundo do sadomasoquismo fez com que o filósofofrancêsGilles Deleuze publicasse o livro Présentation de Sacher-Masoch, em 1967, com a finalidade de examinar o trabalho de Sacher-Masoch. No estudo, Deleuze reconhece Sacher-Masoch como grande escritor e exalta a importância de sua obra, além de entrar no campo psicanalítico a fim de discutir a natureza do masoquismo. O livro de Deleuze foi traduzido e lançado no Brasil em 2009 com o nome de Sacher-Masoch: o Frio e o Cruel.[5]
Os protocolos adotados por Severin na história são geralmente tidos como um elemento precursor do masoquismo que influenciou a imaginação popular ao longo da história da comunidade BDSM. Um exemplo disso é a utilização de um contrato de dominação e submissão no relacionamento de Wanda e Severin, algo que viria a ser um elemento importante em relacionamentos BDSM em geral.[8]
Adaptações
A obra já foi adaptada para o cinema diversas vezes. Sua primeira adaptação cinematográfica ocorreu em 1967 com Venus in Furs, um filme sexploitation americano dirigido por Joe Marzano.[9]
Dois anos depois, foi lançado Venere in pelliccia, drama erótico italiano dirigido por Massimo Dallamano e estrelado por Laura Antonelli e Régis Vallée. O filme foi originalmente lançado apenas na Alemanha Ocidental e foi censurado na Itália por conter cenas de sexo consideradas muito pesadas. O filme só foi ser lançado nos cinemas italianos em 1975 com o título Le malizie di Venere, numa versão com muitas cenas cortadas e com a introdução de novas cenas gravadas pelo diretor Paolo Heusch, que tranformaram o enredo do filme num giallo.[10]
Em 1985, Monika Treut fez sua estreia como diretora de cinema com o lançamento do filme alemão Verführung: Die grausame Frau. O filme, baseado em A Vênus das Peles, foi lançado um ano após Treut escrever sua tese de doutorado A imagem da mulher nas obras de Marquis de Sade e Leopold von Sacher-Masoch.[12]
A obra também serviu de inspiração para a peça de David Ives chamada Venus in Fur, que teve sua estreia off-Broadway em 2010 e na Broadway em 2011. A peça foi encenada por Nina Arianda e Wes Bentley e venceu diversos prêmios, incluindo o Tony Award de Melhor Atriz para Nina Arianda e a indicação ao Tony Award de Melhor Peça.[16]
↑Tuman, Myrom (19 de junho de 2019). The Sensitive Son and the Feminine Ideal in Literature: Writers from Rousseau to Roth (em inglês). [S.l.]: Palgrave Macmillan. p. 110-111. ISBN978-3030157005
↑ abSchreiber-Byers, Elizabeth Anne (Maio de 2008). «Castrating the Female Dominant: An Analysis of Female Agency in Leopold von Sacher-Masoch's Venus im Pelz» (em inglês): 51-53. doi:10.17615/v4zs-yk16
↑Mennel, Barbara (15 de junho de 2007). The Representation of Masochism and Queer Desire in Film and Literature (em inglês). [S.l.]: AIAA. p. 15-17. ISBN978-1403979971
↑Moore, Alison M. (19 de novembro de 2015). Sexual Myths of Modernity: Sadism, Masochism and Historical Teleology (em inglês). [S.l.]: Lexington Books. ISBN978-0739130773