A Nuvem do Não-Saber[1] ou A Nuvem do Desconhecido,[2] do original em inglêsThe Cloud of Unknowing é um guia espiritual escrito na segunda metade do século XIV, pouco depois de 1390, por um monge desconhecido, provavelmente da Ordem dos Cartuxos, que teria vivido na Inglaterra.[3]
A obra
Em seus 75 capítulos, um monge cartuxo ensina a um jovem, de aproximadamente vinte e quatro anos, acerca da vida contemplativa, em que a alma se une a Deus.[4] Para tanto, o autor lança mão, principalmente, de dois episódios bíblicos: o Evangelho de S. Lucas, 10, 38-42[5] e o livro do Êxodo, capítulo 24.[6] O primeiro, sendo mencionado de maneira explícita pelo autor e o segundo, apenas implicitamente.
No primeiro episódio, Maria representa a vida contemplativa, enquanto Marta representa a vida ativa. Isto porque conforme a narrativa neotestamentária, quando Jesus visita a casa de Marta, esta se apressa em preparar-lhe a refeição, enquanto Maria se senta para ouvi-lo. No segundo episódio, Moisés representa aquele que através de muitos esforços, chega à perfeita contemplação, sendo então, encoberto por uma nuvem de desconhecimento/ignorância. À semelhança da narrativa veterotestamentária, onde Moisés atende o chamado do Senhor, subindo ao monte e sendo encoberto por uma grande nuvem durante seis dias.
Em suma, a via (ou, vida) contemplativa se dá quando o cristão percebe a precariedade da razão, da inteligência natural, como meio de alcançar a Deus, e abandonando-a, vai de encontro a Ele por meio do amor, como ensina Merton: " (...) embora a essência de Deus não possa ser adequadamente apreendida, ou claramente entendida pela inteligência humana, podemos alcançá-Lo diretamente pelo amor".[7] Ou ainda, nas palavras do próprio cartuxo: " Porque Deus pode muito bem ser amado, mas não pensado. Pelo amor Ele pode ser retido; mas pelo pensamento, não, nunca".[8]
A proposta do cartuxo se encaixa no movimento de misticismo que surge em fins do medievo, do qual fizeram parte outros importantes nomes. O misticismo foi uma reação de descontentamento à excessiva valorização do pensamento racional promovido pela escolástica, suas respostas consideradas insatisfatórias, à crise das universidades,[9] bem como, ao conturbado período de transformações e crises vividos pela sociedade e pela Igreja.[10]
O cartuxo pretende ensinar o que seja: a via mística de contemplação e amor a Deus, que se alcança, dentre outros quesitos, por meio da passividade, do silêncio e da solidão.[11]
CHADAN, José. Misticismo e apofaticidade em “A Nuvem do Não-Saber” de um escritor anônimo do século XIV. São Paulo: Garimpo Editorial, 2017.
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Referências
↑Tradução brasileira de 1987 da Editora Paulinas e na tradução de 2008 da Editora Vozes, feita para o português de Portugal